jmrainho 04/09/2019
O mundo era pequeno para o grande Alexandre
O imperialismo parece ter sido a meta de grandes conquistadores. Conquistar território, unificar ou impor culturas pelas armas. Abrir rotas comerciais e... principalmente... obter lucros, muitos lucros e tesouros.Mas será só isso? Alexandre foi o precursor em tentar unir Ocidente e Oriente, o que provavelmente foi fonte de inspiração dos posteriores romanos. Sua formação foi fundamental para a personalidade que durou 33 anos e abalou o mundo civilizado durante os 12 anos de campanha militar expansionista. Seu pai Felipe, também foi um conquistador que criou a grande Macedônia. Teve como tutor o filósofo Aristóteles. E sua mãe, uma autointitulada feiticeira, lhe incutiu desde pequeno sonhos de grandezas e afirmava que ele era filho de um deus (Zeus), e não de seu pai Felipe - que ela detestava. Derrotou o poderoso império persa de Dario e foi em direção ao Oriente, conquistando tribo após tribo, cidade após cidade, até chegar e parar na Índia. Felipe escolheu Aristóteles, o maior filósofo da antiguidade, para tutor de seu filho adolescente, de forma planejada, desde o nascimento do filho. Felipe disse: "O que me enche de júbilo não é que ele tenha nascido, mas que tenha nascido na época em que tu vives (Aristóteles), instruído e formado por teus cuidados, será digno de nós e poderá cumprir a missão que um dia legarei a ele". Droysen (escritor) complementa: "Aquele que havia conquistado o mundo com o pensamento educou aquele que devia conquistá-lo pela espada". Felipe estava no apogeu. Mas esquecia-se de que nenhum existência humana atinge o objetivo que determinou a si própria. Felipe foi assassinado num descuido de andar sem guardas no meio do povo. Foi assassinado a mando de um dos inúmeros inimigos internos.
Mas o fato de sua biografia ter sido conhecida em nosso tempo de forma grandiosa se deve ao autor do livro Alexandre o Grande, o alemão Johann Gustav Droysen. Vale a pena conhecer a história do pesquisador e professor que dedicou boa parte de sua vida no estudo detalhado do grande conquistador da antiguidade. Droysen ficou órfão cedo. Pobre, foi acolhido pela rica família do músico Mendelssohn, seis meses mais jovem que ele. Ficaram amigos na época em que o músico compunha "Sonho de uma noite de verão", baseado na obra de Shakespeare. Vivendo numa família abastada e ambiente tranquilo, Droysen estudou muito. Traduziu os sete grandes dramas de Ésquilo, publicado em 1832. Foi tomado pela dialética hegeliana e isso inspirou a precisão de suas pesquisas históricas. Como afirma Benoist-Méchin, na apresentação de Alexandre o Grande, "A história não progride em linha reta; segue alternativas de ação e de reação aparentemente contraditórias. Para isolar dessas oscilações um grande desígnio permanente é necessário admitir que um determinismo rigoroso rege o encadeamento dos fenômenos históricos". O livro, em quatro volumes foi publicado em 1833, quando Droysen tinha apenas 25 anos, um verdadeiro prodígio pela extensão da pesquisa com fontes do mundo antigo. Uma obra-prima que quase beirou a ficcão. Ele descreve passagens, principalmente as batalhas com detalhes que chegam ao modo de pensar dos protagonistas. Por isso foi acusado na época de reverenciar demais Alexandre, um homem que se tornou deus para seus contemporâneos, quando o mundo grego reverenciava deuses que se transformavam em homens. O livro de Alexandre, para o autor, era apenas uma introdução da história do helenismo que prometia contar. Chegou a começar a escrever e publicou o primeiro volume da História do helenismo em 1836. Mas interrompeu a saga, que iria até o nascimento de Jesus, conforme seus planos, porque se tornou professor da Universidade de Kiel e acabou perdendo o seu inspirado tempo livre. Passou a se interessar por um passado mais recente e escreveu uma excelente História da Prússia (que ele deixou inacabada no décimo quarto volume). Retornou a História do helenismo, fundiu-a com a Vida de Alexandre e publicou-a em três volumes em 1878. Tinha como autor preferido o grego Plutarco, "foi a primeira leitura de minha infância e será a ultima da minha velhice. É praticamente o único autor que eu li retirando dele algum fruto", escreveu o autor que considerava a história de Alexandre um resgate de um grande nome da antiguidade que tinha sido esquecido pelos grandes autores gregos. Ciúmes por ser macedônio, um quase bárbaro para os exigentes, refinados e filosofantes gregos?
Droysen justifica sua saga, a sua e de Alexandre, no primeiro capítulo do livro:
"Raros são os indivíduos e os povos aos quais é concedido o privilégio de uma missão superior ao simples fato de existir ou uma função mais alta do que as que bastam para a vida vegetativa. Todos são chamados. Mas a história só confere imortalidade àqueles que ela escolhe para fazer deles os pioneiros de suas vitórias e os artesãos de seu pensamento. Ela lhes permite brilhar, como astros solitários, no crepúsculo do eterno devir"
"Porém, aquele cujo destino eleva-se acima da penumbra desolada dos séculos deve renunciar a desfrutar de uma existência pacífica e das delícias do presente. Ele carrega nos ombros o peso do futuro. Seus atos tomam a forma de crimes; suas esperanças se transformam em angústias solitárias. Está condenado a um trabalho obstinado para atingir um objetivo que só se realizará pela morte."
A morte de Alexandre dissolveu o império macedônico numa teia de intrigas e disputas pelo poder. Sua mulher oriental Roxane foi morta junto com o filho e legítimo herdeiro do trono de Alexandre.
Um de seus legados foi o respeito pela cultura dos povos conquistados. Apesar dos excessos típicos da época, como passar a fio de espada todos os homens, mulheres e crianças das cidades que resistiam ou torna-los escravos, foi magnânimo com a maioria dos reis conquistados, que se transformaram em governantes locais submissos à Macedônia (com os devidos pagamentos de tributos). O próprio Dario, foi tratado com respeito, mesmo com sua obsessão em persegui-lo e matá-lo. Alexandre aprisionou a bela esposa (Estatira), grávida (que morre posteriormente no parto), e a mãe de Dario (Sisygambis). e tratou-as com respeito e proteção digna dos aristocratas - prova de sua moral superior, pois gregos e persas na mesma posição teriam matado a todos. E dizia que libertava-os se o próprio Dario fosse a sua presença pedir, o que nunca foi feito. Dario foi morto por seus oficiais - uma versão suspeita - numa de suas inúmeras fugas, e Alexandre, ao encontrar o corpo inerte, cobriu-o com seu manto real e exigiu um funeral da altura de um rei. Alexandre construiu o túmulo de Dario e determinou cuidados permanentes de sacerdotes. Respeitava as contribuições da civilização oriental e admirava Zoroastro e suas leis que adotou: "Permanecer puro em pensamentos, palavras e ações, servir à verdade, exaltar a vida e cumprir o dever - mesmo ao preço de um sacrifício absoluto". Também amava e respeitava as artes e a ciência. Nunca recusava subsídios a poetas e artistas, a músicos e filósofos, e subvencionava largamente todos os que se dedicavam a pesquisas científicas. Aristóteles, por exemplo, seu tutor na adolescência, recebeu oitocentos talentos para prosseguir suas importantes pesquisas em história natural.
A educação aristotélica e a filosofia da Pérsia refinou seu pensamento e atos. Droysen conta uma passagem significativa, que provavelmente foi conhecida e adotada por Alexandre, onde Ciro, tendo reunido as tropas, ordenou-lhes que capinassem os campos durante um dia inteiro e lhes fez sentir cruelmente o peso da servidão. No dia seguinte, convocou-as para um suntuoso festim. Então lhes disse que escolhessem entre a existência obscura e servil dos escravos presos à gleba e o esplendor fulgurante da vida de conquistadores. Os homens responderam que preferiam lutar.
O filme Alexandre o Grande (2005), de Oliver Stone é bem fiel ao livro de Droysen. Com algumas licenças poéticas exageradas: Alexandre não perseguiu Dario até o momento de próximo ao seu adversário, atirar-lhe uma lança que quase o atinge. Também não matou o médico da corte que não conseguiu curar seu amado Heféstion de uma doença fatal. A morte de Heféstion, seu amigo de infância, abalou Alexandre, que morreu logo depois. Sua coragem estava quebrada: não acreditava mais nem em si mesmo nem no favor dos deuses.
O livro e o filme mostram um momento significativo da história do homem-deus Alexandre, quando este, ainda criança, doma um cavalo considerado indomável pelos criadores macedônicos e que nasceu no mesmo dia que Alexandre. Bucéfalo, o belo animal, acompanha Alexandre em todas as suas campanhas, até ser morto na índia, onde Alexandre também foi ferido gravemente. Alexandre e Bucéfalo estão eternizados em belos afrescos, um deles um mosaico da batalha de Isso contra os Persas (333 a.C), encontrado em Pompéia, na Itália, e hoje exposto no museu Arqueológico Nacional de Nápolis.
Os heróis são predestinados pelo destino? Droyse tem dúvidas: "Toda vitória é o triunfo de um direito superior. A força heroica do indivíduo, investido de uma missão histórica, sublinha a impotência daquele que, para se justificar, só tem virtudes particulares ou direitos hereditários. A grandeza histórica, manifestação suprema do gênio humano, é mais poderosa que a lei e o costume, a virtude e o dever, o espaço e o tempo. Ela triunfa por tanto tempo quanto ousa, combate e destrói por tanto tempo quanto o herói da ação luta contra o herói da dor. Porém, logo que o primeiro sucumbe, o vencedor herda o sofrimento que ele causou. Cansado de destruir, começa a construir sobre os escombros que enchem o caminho. Edifica o trono sobre as ruínas dos antigos costumes. Os degraus desse torno são o medo, o ódio e a traição".
Alexandre levou sua primitiva civilização a povos realmente bárbaros do ponto de vista cultural e cientifico e pavimentou o surgimento do cristianismo 3 séculos depois, ao unificar, de certa forma, as culturas pagãs. Conviveu e conquistou povos em diferentes estágios civilizatórios: os uxianos e os mardos que ainda deviam aprender a lavrar a terra, os hircanianos que precisavam aprender a viver honestamente, os sogdianos que ensinou a alimentar seus velhos pais em vez de matá-los, e os egípcios, que se desvencilhavam lentamente da prevenção contra estrangeiros sem castas, e os fenício que começavam a abominar os sacrifícios humanos de Maloch. Os macedônios também sofreram essas transformações rapidamente, pois 30 anos antes era um povo rústico, preso à gleba e vivendo a mesma monótona de sua pobre pátria.
Alexandre conquista e transforma o mundo, e também se transforma. Aprendera a conhecer a fragilidade dos sonhos e a inconstância das coisas.Um momento marcante sua epopeia foi quando conheceu na índia o mais idoso dos ascetas, Calanos (ou Esfines). Ficou tão impressionado com o sábio que o levou na sua volta à Pérsia. Lá Calanos adoeceu e disse ao rei que não queria definhar lentamente e preferia morrer antes que os sofrimentos físicos o obrigassem a romper com sua aneira habitual de viver. Foi cremado vivo, conforme seu desejo, seguido de um grande cortejo. Quando Alexandre o conheceu e disse que queria segui-lo, Calano respondeu: "Se Alexandre é filho de Zeus, eu sou igualmente. Não desejo nada que Alexandre seja capaz de me dar e não temo nada que ele possa me fazer. Enquanto estiver vivo, a terra das Índias me bastará. Quando morrer, deixarei sem desprazer meu invólucro carnal para finalmente participar de uma vida mais pura". Na ocasião da morte de Calanos, Alexandre teria dito: "Este venceu inimigos mais poderosos que os meus".
Assim Alexandre, formado no mundo pagão dos deuses gregos, entendeu as palavras de um antigo pensador: "Os deuses são homens importais, e os homens são deuses mortais".
O livro é referência no estudo da biografia de Alexandre. Mas faltam notas de rodapés explicativos em muitos momentos, como o nome atual de cidades e povos que não existem mais e inúmeros personagens, que temos dificuldades para identificar no panteão histórico. A narrativa também fica enfadonha em muitos momentos com detalhes de batalhas e suas problemáticas políticas, técnicas, estratégicas, logísticas e de engenharia que Alexandre tem que se atentar e mostrar seu gênio. Entretanto, essa dificuldade de leitura é o talento do autor, fruto de suas pesquisas precisas. Poucos tradutores se atrevem a colocar o dedo nessa obra monumental.