Lucio 08/05/2018
Um Agostinho meio Arminiano...
O título da resenha, claro, é um gracejo. Todavia, nessa obra, Agostinho certamente não havia desenvolvido adequadamente uma antropologia teológica bíblica. Haverá, evidentemente, muitas revisões no que é dito. Todavia, tantas outras coisas permanecem como verdades permanentes que serão guardadas em toda a obra do autor e mantida na fé cristã até os dias de hoje, seja pela Reforma, seja mesmo pela Igreja Católica.
O 'leitmotiv' de toda a obra, evidentemente, é discutir a questão do problema do mal. Mas há, sem dúvidas, um refinamento da questão, pois a obra irá discutir o problema do mal moral - e não o mal de forma indiscriminada - e sua origem. Para tal, distingue muito bem o que é o mal, os tipos de males que existem, o que é a ação moral e os verdadeiros motivos para a prática do bem - bem como formas de distinguir o que é esse tal bem. A propósito, o viés platônico de buscar a sabedoria para a ascensão é nítido. Não obstante, Agostinho faz do próprio Cristo a Sabedoria. Assim, em última instância, Agostinho une a sabedoria à piedade.
Para Agostinho, a origem do pecado é a vontade-livre do homem. Ele reconhece a dificuldade de buscarmos a causa dessa vontade, mas tenta escapar dizendo que tal questão levantaria questões ad infinitum. Nós, particularmente, discordamos e acreditamos que essa pergunta pode ser solucionada e terminada em Deus e seus múltiplos propósitos.
Seja como for, o homem estava em perfeitas condições de resistir, mas resolveu buscar autonomia mediante a sugestão diabólica, tornando-se assim cativo ao Diabo, precipitando-se.
Ainda assim, nessa obra, Agostinho afirma estar no poder do homem caído o levantar-se - embora, em poucas partes, com certa timidez, ainda fale da necessidade da graça para isso, mas noutras diz que essa graça tem de ser pedida, já havendo aí uma disposição inicial do homem. Deus teria dado ao homem o poder de exercer sua vontade para, mesmo com dificuldades, superar, pela virtude, com a ajuda de Deus, o estado decaído e, assim, ascender sua alma para o estado de Sabedoria.
Parte do livro é dedicado a lidar com objeções, demonstrando que a vontade foi dada e, mesmo havendo, com isso, possibilidade de pecar e, de fato, mesmo Deus prevendo que o homem pecaria, ainda consta como um bem. A propósito, mesmo ela em seu estado degradado ainda é um bem. Para explicar isso, defende a harmonia do conjunto da obra cósmica na gradação dos bens como composição de um bem completo. Com isso, nota que bens menores não são maus por haver bens superiores. Identifica a liberdade como um bem, mesmo que o homem peque e, por isso, serve aos propósitos divinos. Mostra que ela é usada de forma errada, e por isso há severa punição, mas ela mesma foi dada para que houvesse ação moral e suprema felicidade para a criatura que a conduzir corretamente. Agostinho também argumenta que a previsão dos atos não os causa, harmonizando, assim, a presciência divina com a liberdade das ações.
É possível, pois, ver Agostinho desenvolvendo temas metafísicos, antropológicos, éticos e até epistemológicos no decorrer de toda obra. A utilização da filosofia para dar razões para artigos de fé é manifesta de forma esplendorosa. O filósofo ainda mostra muita astúcia na elaboração dos problemas e percepção das dificuldades, encarando-as todas com muita coragem - embora, nalgumas poucas mas importantes vezes, sem competência.
Filósofos e Teólogos realmente têm que ler a obra. Suas elaborações em várias áreas de estudo são, certamente, muito prolíferas e instiga a mente a reflexões muito profundas, levando na companhia o andamento de raciocínios de uma das mentes mais brilhantes dentre os mortais: Agostinho de Hipona. Mesmo discordando de muitos pontos, aprendemos muitas coisas importantes aqui e certamente lições serão levadas para sempre. Graças a Deus por Agostinho!