Sérgio 22/09/2012
Bons livros para ler, por Luiz Guilherme de Beaurepaire
Esta obra não se encontra disponível no mercado, mas pode ser encontrada nos bons sebos: Santa Clara Poltergeist. Sinto muito, mas não posso emprestá-la. Motivo: um outro livro do Fausto que emprestei, Básico Instinto, nunca mais voltou e eu não me lembro pra quem foi. Acontece. Agora eu evito.
Algumas coisas precisam ser ditas sobre o autor: considero-o um dos escritores mais imaginativos. Merecia ser lido por um grande produtor Hollywoodiano. É impossível não embarcar nessa Copacabana Cyberpunk. Fausto Fawcet é um mestre.
Santa Clara Poltergeist é uma obra referencial do gênero cyberpunk nacional. Antes de entrar no livro em questão seria de bom tom explicar: O que é Cyber punk? É um gênero literário surgido na década de 80, do século XX, e no contexto social e tecnológico americano. O grande pai desse gênero literário foi o escritor Willam Gibson e seu livro Neuromancer (1984). Outros escritores de ficção científica também fazem parte desse gênero literário e posso citar Isac Asimov e Philip Dick, autor da obra que gerou o cult movie da década de 80 Caçador de Andróides (Blade Runner).
O cyber punk é um gênero de ficção científica que representa um futuro próximo permeado por utopias fracassadas, onde reinam a sociedade do espetáculo governada por corporações multinacionais. Um cyborg é um organismo cibernético dotado de partes orgânicas e tecnologias artificiais que tem como finalidade melhorar o desempenho humano.
Santa Clara Poltergeist é uma combinação de vários gêneros, entre eles ficção científica, religião, aventura, terror; e toda a história do livro gira em torno de tecnologias do simulacro, proliferação de engenhocas na vida cotidiana, a erotização artificial, bombardeio dos meios de comunicação criando novos padrões de consciência.
O enredo da história é no mínimo genial: é a história do paulista Mateus, um negão conhecedor de eletrônica, informática e, principalmente, tudo que tenha a ver com Poltergeist, interferências de ondas, meridianos paralelos de transmissão, antimundos televisivos e radiofônicos. Mas devido aos excessivos contatos com radiações elétricas e voltagens, o negão Mateus perdeu parte de sua energia cerebral. Formigamentos intracranianos, epilepsias localizadas fizeram com que Mateus perdesse certas capacidades.
Devido ao drama vivido por Mateus só resta um recurso buscar a cura com Verinha Blumenau, a Santa Clara Poltegeist, maior sucesso curativo do Brasil. Reencarnação de uma santa não reconhecida pela igreja, mas de muita influência em toda a Europa Central: Clara Vonheim, a padroeira dos coitos e dos universos paralelos.
Antes de adquirir a santidade, Vera Blumenau, era uma mulher que vendia amortecedores na beira de estrada e servia de amortecedora para os desejos sexuais e carências afetivas dos viajantes. Certa vez, foi dar uma volta num lugar descampado quando achou uma bicicleta. Quando o banco da bicicleta saiu de baixo dela e o cano a penetrou sentiu um metálico prazer. A ferrugem do cano da bicicleta espalhou-se pelo ventre de Vera. Através da psicocinese adquiriu o poder de atrair para sua vagina todas as coisas metálicas. Seu corpo é um gigantesco magneto carnal entulhado de objetos metálicos. Adquiriu a capacidade de penetração ótica, algo como a visão de raio X do super homem. E virou Santa Milagreira. Sexo curativo é o que ela oferecia para seus clientes. Vera Blumenau, superstar da pornografia se tornou Santa Clara Poltegeist a padroeira dos coitos e dos mundos paralelos.
A presença constante do sexo em Santa Clara Poltegeist não é apenas um deleite pornográfico, mas um recurso estratégico para barrar definitivamente as distinções entre homem e máquina.
Uma das mensagens subliminares que a mídia despeja é observada na seguinte passagem de Santa Clara Poltergeist.
A mídia eletrônica não comunica mais nada em Copa. Teve de se adaptar e fazer programas de um minuto, ou no máximo três, que é o tempo máximo de permanência de uma imagem nalgum monitor e nalgumas regiões do bairro. Grande acontecimento estético é muzak áudio visual em Copa. Projetores de slides embutidos em sarjetas e postes e paredes. Imagens turísticas ou cirúrgicas ou qualquer coisa. Acalmando o bairro, o maior telão do mundo instalado na ilha do farol com seus cem metros de altura por cinqüenta de largura e cinco mil milhas de definição cristal líquida. Nesse telão, ininterruptas imagens da atriz e manequim Silvia Pfeifer, cujo rosto é foco de encanto radical e partitura pra alguma melodia mental que vai suavizando e é suavizada ampliada num telão ilha que acalma a maioria os habitantes do bairro. Pra acalmar as consciências poluídas por si mesmas, pelo além delas, pela natureza, pelos artefatos todos, só um rosto que evoque espiritualidade cosmética, sensação de sagrado, mundos não humanos
É nessa Copacabana que Fausto Fawcet ambienta seu Cyber punk romance Santa Clara Poltegeist um lugar bem distante da Princesinha do mar, cantada por Dick Farney. Um ambiente habitado por uma loira paranormal, um negão tecno, sexo, televisão, religião, violência, tecnologia, sociedade do espetáculo. Uma montagem efervescente de imagens caóticas e descontínuas de uma utopia fracassada.
créditos : Luiz Guilherme de Beaurepaire
http://www.bonslivrosparaler.com/satira/santa-clara-poltergeist/
Prefácio do Livro :
A obra de Fausto Fawcett ocupa um lugar absolutamente único no panorama das artes contemporâneas brasileiras. Nenhum outro escritor, showman, músico ou estrategista cultural trabalha com as obsessões fawcettianas: tecnologia de ponta; simulação versus realidade; saturação e descontrole informacional; amor ao pop e às novas formas da urbanidade planetária. Além disso: nenhum outro artista brasileiro criou um estilo tão pessoal e inconfudível para retratar (euforicamente, piedosamente, precisamente) o desvario tecnodesejante ao qual todos nós já estamos submetidos.
Olhando para o "resto" do mundo, eu consigo perceber algo da sensibilidade de Fausto Fawcett em trabalhos muito especiais: o simulacionismo dos artistas plásticos Jeff Koons (também fanático pela Cicciolina) e Haim Steinbach; as performances religiosas da Church of Subgenius; as tecnoprofecias do "guru da realidade virtual" Jaron Lanier; a colagem audiovisual e a filosofia pop do programa Buzz (MTV); a colagem rítimica e a pirataria sonora dos compositores do hip hop ou da house; a violência estética/comercial do cinema de Paul Verhoeven e David Cronenberg; a linha editorial da revista Mondo 2000; a literatura cyberpunk de Rudy Rucker e Bruce Seterling.
Cito todos esses nomes (quase todos, não por acaso e não por atraso, desconhecidos do grande público brasileiro) quase como uma profissão de fé: este é o mundo/a sensibilidade que me interessa, me diverte e me aproxima de Fausto; este é o mundo/a sensibilidade que me distancia (e provoca a solidão artística de Fausto) da militância anti-pop, pró-sentido e pró-transgressão que ainda domina o debate artístico brasileiro.
Contra os transgressivos e "novos autênticos" de plantão, Fausto sabe que hoje (irremediavelmente) Freddy Kruger vale a mesma coisa que Hamlet, Angélica é tão vanguarda quanto Laurie Anderson, Kant é tão sublime quanto Krantz (Judith). Ninguém deve fazer disso um drama. Fausto (como Jeff Koons & Cia.) busca uma nivelação/ fragmentação cultural ainda mais arrasadora, ainda mais veloz, ainda mais contagiante.
Por que, então, não chamar logo Fausto (já que este texto é um prefacio de escritor cyberpunk? Poderia ser útil em termos mercadológicos, mas não seria correto ou esclarecedor. Existem semelhanças entre o estilo de Fausto e o dos cyberpunks. O leitor notará a paixão pelos detalhes (que atropelam a narrativa transformando-a numa avalanche de informações), a utilização da ciência como fenômeno pop, a fixação com "invasores de corpos" (biológicos, tecnológicos ou espirituais), todas elas características essenciais da literatura cyberpunk (vide a introdução já clássica que Bruce Sterling fez para o livro Mirror-shades The Cyberpunk Anthology).
Mas as diferenças também são evidentes. O cyberpunk foi um movimento interno da ficção científica. Fausto é um escritor que se utiliza da ficção científica (e também de Bataille, de Rajneesh, etc), sempre de fora, sem respeitar seus mandamentos. Mais importante: a maioria dos escritores cyberpunks (menos, talvez, Rudy Rucker) é constituída, no fundo, por individualistas ingênuos que acreditam na seguinte moral da História: cada pessoa deve ser dona do seu nariz. Fausto, ao contrário, é um escritor que não quer dar nenhuma lição moral para os seus leitores. As grandes corporações valem a mesma coisa que os grupos da tecnoguerrilha e é tão bom ser dono do seu nariz quanto "dissolver seu ego na matéria em movimento".
Quem já viu os shows ou ouviu os discos de Fausto vai reconhecer algumas das personagens deste livro. Aqui eles vivem novas aventuras tecnomísticas, intensamente violentas e eróticas, numa maravilhosa Copacabana infernal. Não se espante: o objetivo não é chocar, mas sim entreter o leitor. Eu me diverti como nunca. Espero ansioso o próximo livro, o próximo filme, o próximo disco, o próximo show.
Que Santa Clara Poltergeist ouça as minhas preces.
HERMANO VIANNA