Arthur 20/07/2017Vieses oblíquos de "O ponto cego"O universo ficcional luftiano corresponde a um emaranhado de tessituras memorialísticas. Entrelaçando fios memoriais, a autora borda suas tramas, que recompõem as vivências de suas personagens de forma fragmentária, lacunar e não linear.
Com um rol de personagens femininas pertencentes a uma "legião de perdedoras", que por meio da introspecção buscam a autoidentidade, excepcionalmente no romance "O ponto cego" a autora gaúcha apresenta como protagonista um menino de 8 anos. Não nominalizado, o Menino é o narrador da história (cujos personagens, assim como o Menino, não sou nomeados, sendo denominados de acordo com sua relação com o Menino-narrador: Pai, Mãe, Tias).
Por meio da voz do Menino, Lya Luft põe em questão a relação entre memória e fantasia, mantendo a narrativa sobre a linha tênue que as separa. O Menino assume o papel de um narrador que apresenta duas faces: a de organizador dos acontecimentos presenciados e a de um criador de tramas fantasiadas. Ele emaranha fios memoriais e fantasísticos de modo tal que eles se uniformizam e a distinção entre uns e outros se perde. Ao mesmo tempo que relembra momentos passados, também cria novos, que passam a existir a partir do instante em que ele, na posição de narrador, os elabora e enuncia. Assim, a autora transfere para o personagem-protagonista o seu atributo de arquiteta de universos ficcionais.