Paula 20/08/2014"Um homem: Klaus Klump" é o primeiro livro da tetralogia O Reino, de Gonçalo M. Tavares. É certamente um livro sobre muitas coisas, mas a narrativa perturbadora deste romance fala sobre a vida em tempo de guerra e de paz, uma alegoria da condição humana e das relações de domínio e submissão que os homens desenvolvem para sobreviver.
O enredo conta a história de um homem, Klaus Klump, que edita livros perversos. Ele não demonstra muito apreço por sua pátria ou pelas pessoas que o cercam, mas seria capaz de morrer pelos seus livros. Klaus é casado com Johana, uma mulher bonita que ama Klaus, apesar de não o compreender. A mãe de Johana é doente, enlouqueceu. É Johana quem cuida dela, todos os dias. Enquanto Klaus procura não se envolver com os problemas da pátria, porque "Não ver nada é ficar oculto", a cidade onde moram é ocupada por militares. Johana e muitas outras mulheres são violentadas pelos soldados, como sempre, as primeiras vítimas de uma guerra que transforma os homens em seres primitivos. Klaus é preso e passa anos na prisão longe da mulher. E a partir daí o que vemos é uma luta de forças, dos fortes e dos fracos que se tornam fortes, tentando a todo custo sobreviver.
O que mais chamou minha atenção neste romance foi a forma como as mulheres são retratadas na história, objetificadas, submissas, sem ter sua própria voz. A única exceção é Herthe, a jovem bonita que mantém um bom relacionamento com os soldados durante a guerra sendo amante de muitos dos líderes e que dessa forma consegue sobreviver e proteger sua família, mesmo que para isso tenha denunciado várias pessoas para os inimigos. Com isso, Herthe, a única mulher descrita como sendo forte, é também descrita como a mais vil. A violência contra as mulheres é gritante e choca o leitor até o final. Não é à toa que essa tetralogia é também chamada "os livros do mal". Mas o que Gonçalo Tavares consegue com brilhantismo nesta narrativa perturbadora é nos fazer refletir sobre o ser humano em sua essência, destacando os sentimentos mais obscuros que carregam dentro de si, e sobre o que ele é capaz de fazer (ou de tolerar) para sobreviver.
Um livro mais do que recomendado, mas aviso aos corações sensíveis: contém cenas fortes.
"Os tanques passam nas ruas. As ruas têm o nome dos nossos heróis. Eles não conhecem a língua: não sabem dizer o nome. Tropeçam na pronúncia, não conseguem acentuar as sílabas. E os tanques não têm tempo para aprender línguas.
Klaus deixou o seu ofício, mas apenas hoje. Trabalha numa tipografia, mais: é editor, quer fazer livros que perturbem os tanques em definitivo.
Isso não é um livro, é uma pequena bomba.
Queres perturbar tanques com prosa?"
(TAVARES, 2007, p.10-11)
TAVARES, Gonçalo. Um homem: Klaus Klump. São Paulo: Companhia das Letras, 2007. 115 páginas.
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