Um Homem: Klaus Klump

Um Homem: Klaus Klump Gonçalo M. Tavares




Resenhas - Um Homem: Klaus Klump


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Fer 29/09/2022

É possível um livro de guerra ser poético?
"Um homem: Klaus Klump" nos traz a história de Klaus, um homem que tem sua vida cruzada pela guerra e se vê como parte da resistência. O livro nos mostra as dores que envolvem uma guerra, porém de forma microscópica: é analisando a trajetória de Klaus e de cada uma das personagens que a cruzam que podemos sentir de forma fidedigna todo o desespero que está presente em uma época que se faz de tudo para sobreviver.

Apesar do cenário ser a guerra e tudo o que a envolve, a escrita de Gonçalo M Tavares é, como sempre, poética, apesar dessas duas palavras serem tão opostas. A leitura é pesada, porém bonita. Paramos en cada pausa feita na escrita, friamente calculada pelo autor, para tentarmos engolir o que foi dito de uma forma aparentemente tão leve. Como pode algo tão belo ser tão difícil? Bom, isso é Gonçalo M Tavares. Não se pode esperar diferente.
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Toni 02/05/2021

Leitura 25 de 2021

Um homem: Klaus Klump [2003]
Gonçalo M. Tavares (Portugal, 1970-)
Cia. das Letras, 2007, 120 p.

1º vol. da tetralogia chamada “O reino”, composta por 4 romances independentes interligados pelo lugar onde se passam e pela ideia de que o “estado de exceção é a norma nas democracias ocidentais” (os outros livros são “A máquina de Joseph Walser”, “Jerusalém” e “Aprender a rezar na era da técnica”). Ainda que não faça referência direta às “Teses sobre o conceito de história” de Walter Benjamin ou ao texto “Estado de exceção” de Giorgio Agamben, a ideia expressa nesta obra de Tavares articula, através de uma narrativa convulsiva e aos borbotões, as relações entre capitalismo e violência, gênero e violência, nacionalismo e violência, paz e violência.

O texto não é de fácil leitura. Poderíamos chamá-la uma poética de guerra, se essas duas palavras — “guerra” e “poética” — não fossem tão excludentes. As frases são curtas e de sintaxe atropelada; entre uma oração e outra, a voz narrativa parece esquecer, mudar de assunto, silenciar, justapor informações não-correlatas. Enquanto isso, o corpo de um cavalo apodrece na rua e a orquestra militar impõe sua música estrangeira à nação roubada de sua linguagem e dos silêncios nacionais. Tanques ocupam as ruas e a resistência esconde-se como pode dos holofotes totalitários. Permeado de epifanias que crescem apesar da brutalidade (ou, talvez, precisamente a partir dela), o romance acompanha o editor e livreiro Klaus Klamp e outras personagens em um país sem nome transformado em campo de batalha.

É preciso chamar a atenção para o título da obra “Um homem: Klaus Klump”. Aqui, na banalidade deste artigo indefinido cabe um universo de contradições, da reprodução da violência sofrida ao cálculo “sem brutalidade, mas com exatidão” porque “a ferrugem das máquinas fortes é mais preocupante do que a hepatite do funcionário”. Klaus não é herói. Não é sequer um homem “direito”, mas apenas isto: homem num mundo onde “ninguém quer aprender coisas científicas se não forem úteis”. Neste romance, “um homem” é o produto mais assustador que a máquina hedonista, patriarcal e anti-humana do capitalismo produziu.
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Peleteiro 25/11/2020

Primoroso, original e desafiador, porém, essa narrativa fragmentária que fica embaralhando o leitor com capítulos em cenários diferentes, com personagens diferentes, por mais que faça sentido ao final, não me desce. A constante do tempo presente também não me pareceu contribuir para a fluidez e compreensão do texto, ainda que o autor possivelmente não dê a mínima para isso.

Ainda assim, a ousadia, as provocações feitas e as pertinentes escolhas de cada palavra tornam a leitura singular e valorosa.
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Diego 20/07/2017

Klaus Klump
Sem dúvida a leitura mais diferente que fiz este ano. Me intrigou a forma da narrativa não linear e fragmentada . as reflexões ali apresentadas são dignas de estudo, reflexão e debate. Uma narrativa sensível da brutalidade humana e das relações de poder que se estabelecem durante e após os tempos de guerra. Sem dúvida este livro me marcou e me trouxe um novo olhar sobre o mundo.
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Andreia Santana 07/06/2016

Dores de guerra
Um homem: Klaus Klump é uma fábula de guerra, mas com lentes de microscópio voltadas para a natureza humana. Ambientado em um país sem nome, em uma geografia não referenciada, que pode ser em qualquer lugar do mundo, ou em qualquer tempo, o livro possui uma narrativa não linear e fragmentada, como devem ser as memórias implodidas dos sobreviventes de conflitos longos e dolorosos.

A impressão ao ler a história é que tanto pode ter acontecido durante a II Guerra ou nos períodos totalitários antes ou depois desse combate; ou ainda que pode representar qualquer recém nascida república que alterna períodos de paz tensa com guerras civis cruéis e, no meio entre uma coisa e outra, ditaduras opressivas.

Dá para ler ainda como uma grande metáfora bélica sobre a submissão. A invasão de um país, embora em muitos casos use a força dos tanques nas ruas em sua fase inicial, de forma subliminar e mais sistemática, também utiliza armas mais sutis, como a imposição de uma nova língua, mudanças nos costumes locais e o aniquilamento da cultura do dominado, que para reconhecer-se, absorve a cultura do seu dominador.

A desumanização que resulta da longa convivência com regimes de exceção, a perda de identidade, primeiro como nação e depois como indivíduo, e a relação oprimido x opressor estão no âmago da história do personagem título. Klaus Klump é um rapaz de origem rica que rejeita assumir seu posto à frente dos negócios da família e trabalha como editor de "livros perversos", até ver seu país invadido e, por conta do estupro sofrido pela noiva, atacada em casa pelos soldados invasores, se engaja na resistência.

Além de Klaus e de sua noiva Johanna, integram a história, Catharina, a mãe louca de Johanna, Herthe, que se prostitui para sobreviver no país ocupado, os homens da resistência, companheiros de Klaus, o presidiário Xalak, metáfora do homem torturado e reduzido ao puro instinto selvagem, os soldados invasores e alguns outros personagens que vão desfilando no palco da vida do protagonista, cada um com sua importância na metamorfose em sua personalidade e na mudança de perspectiva de sua visão de mundo.

A sobrevivência levada ao último estágio, as estratégias para combater o inimigo e o decepção de perceber que a vítima muitas vezes reproduz o discurso de seu algoz, fazem de Um homem: Klaus Klump uma ode à desesperança. Não se trata de leitura edificante. Ao contrário, o livrinho de cento e poucas páginas incomoda e machuca. Mas ainda assim é lindo, filosófico, poético, do tipo que agita o sangue e os neurônios.

site: https://mardehistorias.wordpress.com/
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Paula 20/08/2014

"Um homem: Klaus Klump" é o primeiro livro da tetralogia O Reino, de Gonçalo M. Tavares. É certamente um livro sobre muitas coisas, mas a narrativa perturbadora deste romance fala sobre a vida em tempo de guerra e de paz, uma alegoria da condição humana e das relações de domínio e submissão que os homens desenvolvem para sobreviver.
O enredo conta a história de um homem, Klaus Klump, que edita livros perversos. Ele não demonstra muito apreço por sua pátria ou pelas pessoas que o cercam, mas seria capaz de morrer pelos seus livros. Klaus é casado com Johana, uma mulher bonita que ama Klaus, apesar de não o compreender. A mãe de Johana é doente, enlouqueceu. É Johana quem cuida dela, todos os dias. Enquanto Klaus procura não se envolver com os problemas da pátria, porque "Não ver nada é ficar oculto", a cidade onde moram é ocupada por militares. Johana e muitas outras mulheres são violentadas pelos soldados, como sempre, as primeiras vítimas de uma guerra que transforma os homens em seres primitivos. Klaus é preso e passa anos na prisão longe da mulher. E a partir daí o que vemos é uma luta de forças, dos fortes e dos fracos que se tornam fortes, tentando a todo custo sobreviver.
O que mais chamou minha atenção neste romance foi a forma como as mulheres são retratadas na história, objetificadas, submissas, sem ter sua própria voz. A única exceção é Herthe, a jovem bonita que mantém um bom relacionamento com os soldados durante a guerra sendo amante de muitos dos líderes e que dessa forma consegue sobreviver e proteger sua família, mesmo que para isso tenha denunciado várias pessoas para os inimigos. Com isso, Herthe, a única mulher descrita como sendo forte, é também descrita como a mais vil. A violência contra as mulheres é gritante e choca o leitor até o final. Não é à toa que essa tetralogia é também chamada "os livros do mal". Mas o que Gonçalo Tavares consegue com brilhantismo nesta narrativa perturbadora é nos fazer refletir sobre o ser humano em sua essência, destacando os sentimentos mais obscuros que carregam dentro de si, e sobre o que ele é capaz de fazer (ou de tolerar) para sobreviver.
Um livro mais do que recomendado, mas aviso aos corações sensíveis: contém cenas fortes.

"Os tanques passam nas ruas. As ruas têm o nome dos nossos heróis. Eles não conhecem a língua: não sabem dizer o nome. Tropeçam na pronúncia, não conseguem acentuar as sílabas. E os tanques não têm tempo para aprender línguas.
Klaus deixou o seu ofício, mas apenas hoje. Trabalha numa tipografia, mais: é editor, quer fazer livros que perturbem os tanques em definitivo.
Isso não é um livro, é uma pequena bomba.
Queres perturbar tanques com prosa?"
(TAVARES, 2007, p.10-11)

TAVARES, Gonçalo. Um homem: Klaus Klump. São Paulo: Companhia das Letras, 2007. 115 páginas.

site: http://www.pipanaosabevoar.blogspot.com.br/2014/08/um-homem-klaus-klump.html
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Jacqueline 27/07/2014

“Depois da história não há geografia”
Entre o início e o fim de uma guerra se passam os acontecimentos centrais da história e, como toda guerra é um estado de exceção, nos deparamos o tempo todo com questões extra-ordinárias, com dilemas éticos extremados ou com a ausência de qualquer parâmetro para as ações.

Do ponto de vista de quem é invadido, tomado, violentado, alijado de seus direitos e bens não faltam tentativas de resistir: para além das de ordem bélica (ou para quando as de ordem bélica já não dão conta), a língua e as manifestações culturais assumem especial importância:

"Certos homens diziam às irmãs: deves defender a pronúncia como defendes a vagina"
"Cada povo tem direito à sua música e ao silêncio. Tem direito a decidir de que modo que interromper o seu silêncio."

Nada pior do que ter o seu silêncio interrompido ou seu ruído sobreposto por um hino do adversário (a antológica cena de Casablanca que concretiza o perigo que representa Vitor Lazlo que o diga).

Na guerra, toda sorte de humilhações (como beijar a bota de um soldado), encontra as mais variadas sustentações:

"Quando se tem medo não se tem vergonha, ou a vergonha ocupa menos espaço que o medo enorme."

Ocupar menos espaço...

Ter fome e ter medo são exercícios para treinar a verdade. “Restam os outros exercício para treinar a mentira. Estar apaixonado é a outra forma de exercitar a verdade” (por que não há como se enganar ou ir contra? Será? Quem já não deixou de se reconhecer apaixonado, por mais óbvio que pudesse parecer?)

A questão é saber por que além de tomar do outro os bens, os direitos e, não raro, a vida, é preciso submeter o outro a esse grau de humilhação.

A condição de combater em uma guerra é estar cindido com a espécie: não podemos ver o outro como igual ou não conseguimos tirar-lhe a existência (daí a ausência de ética posta por esse estado de exceção), roubar, estuprar etc. Nesse sentido, cabe destacar movimentos armados em que princípios éticos se mantêm: na revolução cubana, por exemplo, as tropas que se deslocavam pela Serra Maestra, que contavam com a liderança de Fidel Castro, Che Guevara e Camilo Cienfuegos tinha como norma tácita: respeito às mulheres (nada deve se feito sem seu expresso consentimento) e todos deveriam pagar pela comida quando proveniente de moradores da região.

É pelas mãos que a guerra se faz: “as mãos e os olhos eram o fundamento da guerra: sem mãos é impossível odiar, odeias pela ponta dos dedos, como se estes fossem o canal habitual e único de uma certa substância química má”.

Prova disso é a reação do protagonista frente à vesguice do seu pai em relação à guerra: filho militante preso crava o vidro no olho do pai. Na linha das violências domésticas, herdadas da guerra e protagonizadas pela mão, tem também o irmão que mata o cunhado, oficial do exercito, de conluio com a irmã, no dia do casamento, toma um tiro e fica paralítico e totalmente dependente, passando a ser cuidado pela irmã.

Vale lembrar que as mudanças políticas e a guerra atingem a base da sociedade e não as camadas mais altas, o que faz de todos míopes, em maior ou menor grau.
E não é um contexto amplo e indeterminado que confere sentido a certas falas, mas um contexto bem ideologizado: a prostituta na época da guerra, que o faz por sobrevivência (à violência e não só à fome) é a mesma que, finda guerra, casada com um homem rico vai recriminar a prostituta da vizinhança por sua condição (tampouco a experiência garante discernimento, razão pela qual minorias são capazes de discriminar outras minorias tão próximas)

Há uma gramática da necessidade: o organismo é um objeto que quer. E daí a diferença essencial: os outros organismos não desejam. E, acrescentaríamos nós, que os homens querem muito mais do que precisam, desejam muito mais do que podem dar conta e é aí que as outras razões objetivas encontram eco para iniciar uma guerra.

“Não há um nome coletivo.
Não podes marcar uma terra com dois nomes. Se isso for feito, estaremos diante da guerra ou de um casamento.”

E quando a guerra acaba não é a ética que ascende, mas a democracia, que é “a instalação da cobardia mútua, e tal sistema não parte nunca de uma vontade forte, de uma intenção original; pelo contrário: é consequência de uma matéria que derreteu.”

Gonçalo se confirma como um dos melhores escritores portugueses atuais, mostrando que sabe lidar com estilos bem diferentes de narrativas.
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Ocelo.Moreira 02/02/2013

“UM HOMEM KLAUS KLAMP”
Esse é o primeiro livro da tetralogia de Gonçalo e o último que terminei de ler. Essa é mais uma boa categoria da tetralogia de Gonçalo, você poder ler qualquer um dos livros da compilação de maneira independente sem se preocupar com ordem numérica. Nesse livro o autor nos revela o lado nebuloso do ser humano em momentos de paz e tempos de guerra por meios de seus personagens imprevisíveis e ambíguos. Klaus Klamp é editor, faz livros que vão contra a economia e a política do momento. Sua família é rica e atua no ramo industrial. Devido à guerra os homens tornaram-se primitivos. O som das máquinas, das balas e das bombas emudecem as conversas e as melodias, ou seja, o som da natureza é substituído pelos sons metálicos das máquinas de guerras. Klaus ao romper com a comodidade de sua posição social encontra com Alof, Herthe, Clacko e Xalak, protagonistas como ele em que a urgência em sobreviver excede o amor, a arte e o pensamento! O autor nos mostra nesse romance complexo e bem elaborado onde cruzam-se histórias desconcertantes a respeito da natureza humana, num tempo terrível como a guerra, em que os homens só pensam em lutar para sobreviver!
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Rosa Santana 01/03/2012

UM HOMEM: KLAUS KLUMP, Gonçalo M. Tavares, Companhia das Letras, 115.

Diz a teoria narrativa que uma narração se estrutura a partir de personagens vivenciando fatos em um determinado tempo e espaço. Nesse romance ficamos imaginando em que tempo/espaço vivem Klaus Klump, o editor de livros pelos quais daria a vida; Johana, sua namorada, cuja mãe é louca; Herthe, uma mulher que “se entendia com os militares”, entregando-lhes os homens com quem dormia e que tinha um irmão que se tornou resistente junto com, entre outros, Alof, que tirava belos acordes de suas flautas, mas que as viu mudas, substituídas por uma música mais imponente e ‘vibrante’, promovida pela ‘orquestra’ de guerra, com seus tanques, sua fanfarra, seus aviões de ataque...

Nas ruas, a linguagem que se percebe é a das granadas, bombas e balas, das máquinas, dos tanques, dos aviões... Também há os cavalos mortos que se vão apodrecendo, deixando uma mensagem de desrespeito e de descaso para com os moradores... No reduto silencioso e outrora protegido dos lares, o som que se produz agora é o da chegada dos militares que destroem, queimam e ainda fazem fila para lhes violarem a/as mulher/es... Nos gabinetes há a sintaxe dos conchavos, acordos e ajustes porque “A brutalidade é de uma delicadeza exuberante face às pessoas ricas” (46)... Nas fábricas, empresas, indústrias e comércios, o discurso é o de que “Para um homem de negócios a ferrugem das máquinas fortes é mais preocupante do que a hepatite do funcionário” (110)

Como o autor não nos situa, fica-nos a dúvida: em que espaço/tempo soa essa linguagem, carregada de sons/palavras/frases tão inumanas? Em qual das duas grandes guerras? Primeira? Segunda? Revolução dos Cravos, em Portugal, dada a nacionalidade do escritor? Como se forma essa sintaxe, cuja semântica soa tão impiedosa, carregada de barbárie? E mais: em que tempo começou a ser articulada? Até quando perdurou, perdurará?

E, porque o poder e seu discurso é tão atemporal, as personagens criadas por Gonçalo M. Tavares podem estar se movimentando em um tempo/espaço um tanto quanto indeterminados...
E, porque o poder e seu discurso é tão aterrador, desde tempos imemoriais, é que assusta até mesmo os mais incautos, desses tempos e de outros... Destes espaços e de outros...

...

“Um Homem: Klaus Klump” me lembra das narrativas de José Saramago, em que o coletivo se articula com sua trama e seus fios semiológicos formando um jogo de força, direito e domínio para sucumbir e submeter o sujeito, apequenado diante da máquina social.


Trechos que destaco:

“Já não sabem mais músicas estas flautas.” 27.

“Certas pessoas não gostam de ser indecentes. O coração não é só uma víscera tenra. Há um sistema moral algures na parte mole do corpo.” 44

“Dançar é ganhar confiança no corpo. Dançar bem é um treino para sobreviver.” 45

“As mãos nos bolsos são um estado transitório entre a amputação e o combate feroz. É uma pacífica violência.” (85)

“Porque o som da bala não é som dos homens, disso Klaus Klump tinha a certeza. Porque um homem não consegue repetir duas vezes o mesmo som inteligente ou a mesma frase, enquanto aqueles sons eram coisas repetidas mecanicamente, repetições exactas.
O que mais assustava Klaus era esse modo infalível de cópia. O facto de uma arma conseguir, nas mesmas condições, repetir exactamente o som em duas balas. Era essa a possibilidade que o assustava e o fazia temer essa terceira linguagem, mais do que as outras. Porque a possibilidade de cópia exacta, de repetição perfeita, era uma suspensão evidente do tempo habitual, do tempo que os humanos e a natureza conhecem: o tempo que avança, que muda, que altera as coisas. E a máquina, a pequena máquina, ao repetir: parava; e ao exibir uma cópia da sua ‘frase’ anterior exibia uma autonomia em relação ao mundo: uma autonomia de tempo, um tempo além do mundo, tempo autônomo revelador de uma força perfeita. Uma força que nem a natureza, nem os homens – a parte mais inteligente da natureza – haviam conseguido.
Klaus sentia que naquele som reproduzido milhares de vezes estava o início de uma força que em breve iria conquistar a terra. Força que iria abafar definitivamente os ‘barulhos verbais’ que as amantes tinham colocado na sua memória corporal.” (87-8)

...
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fabiocmartins 23/08/2011

Surpreendente e intransigente
O livro narra a história de Klaus Klump, um editor de livros de uma pequena e pacata cidade. Apaixonado por Johana, sua companheira, Klaus, um homem alto e crente nas forças do destino, divide a casa com a amada e Catharina, a louca mãe de Johana.

Porém, com a invasão de forças inimigas, a vida deste casal transforma-se. Não mais pequenos olhares ou brincadeiras, o medo de que alguma desgraça assole a família, Johana não se descuida um minuto dos cuidados para com a mãe e Klaus. Mas, a invasão dos militares é profana, violam as casas, os lares e os bens mais preciosos de seus amantes, forçando Klaus a mudar o rumo de sua profissão; de editor para militante.

A luta pela pátria faz com que Klaus encontre novos amigos e amantes, pessoas que lhe acompanharão pelo resto da história, trazendo alegrias e sofrimentos, que mais tarde se tornarão somente lembranças de um período obscuro se suas histórias.

Gonçalo faz uso de uma época de guerra para narrar este romance filosófico, formando uma análise entre a atividade humana e o meio em que os personagens vivem, demonstrando as reações em tempo de guerra, e como a combinação entre esses dois elementos é capaz de transformar pontos de vista.

Carregado de pensamentos filosóficos, Gonçalo, como é de costume, faz, do cotidiano de seus personagens, um pano de fundo para atiçar o leitor a ir mais fundo nas relações psicológicas do que no próprio enredo. Questões tão simples que nos fazem ver a realidade como ela é: pura e maldosa.

Abordando citações de grandes filósofos, o autor dá uma nova roupagem para questões como dinheiro, sexo e conquista. Eis algumas passagens do livro:

“Klaus, no entanto, sempre tinha pensado que é mais fácil simular a parte humana de um som – a parte verbal – que a parte animal de um som – esses tais barulhos disformes. No amor – havia percebido Klaus – ou mais propriamente: na fornicação – existia à evidência um som com dois rostos – um rosto animal e o outro humano: e o único rosto verdadeiro era o animalesco.”

Quando Gonçalo se refere ao rosto animalesco, refere-se à própria natureza do homem, enquanto ser consciente, pois sabe o que fazer de forma bruta e estúpida!

Assim, através de combates psicológicos, Um Homem: Klaus Klump nos mostra como a natureza humana se transforma durante períodos de guerra, permitindo conclusões óbvias, porém, por medo ou vergonha de enxergar a realidade como ela é – me refiro a Saramago, quando escreveu o livro: Ensaio sobre a Cegueira -, buscamos escondê-la através de simpáticos olhares e um simples bom-dia.

Por fim, acredito que o autor nos deixa uma pequena pista no meio de conturbados pensamentos: “O cavalo ainda estará no centro da rua?”


Leia mais em: Folhetim Online | Onde o Velho Encontra o Novo Formato.
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*Carina* 29/08/2010

"Mas a cabeça de Klaus era uma coisa descalça. Ele não sabia explicar a sensação, mas era de desconforto: a sua cabeça está descalça.
Sem protecção."

Foi exatamente assim que me senti lendo "Klaus Klump": descalça, sem proteção. Mas não era apenas minha cabeça que estava descalça, era o meu corpo inteiro. Senti dor de cabeça, enjôo, falta de ar. Uma sensação de mal-estar físico me acompanhou durante quase toda a leitura. Eu li sem conseguir respirar direito. No entanto, me era impossível não ler. Antes de cada vez em que ia pegar o livro tentava preparar-me. Mas não adiantava, era só começar que o ar novamente fugia dos meus pulmões.
Gonçalo mais uma vez me mostrou que, para certas coisas, não há preparação. Não há evitação possível para o que há de real na vida. E a literatura de Gonçalo é, pra mim, muito real. Ele traz em cada um de seus livros o que existe de mais verdadeiro no humano. Suas personagens sempre me parecem caricaturais, e sempre me surpreendo ao perceber como essas caricaturas são reais. Acho que, na verdade, as caricaturas somos nós.


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Marcos Bassini 20/02/2009

Marionetes
Nos discursos contraditórios, nas diversas máscaras, no improviso estudado, no branco que de vez em quando descolore a fala, no aplauso que se espera em vão, em tudo isso e provavelmente em muitas outras coisas, a vida, mais do que parecer um teatro, é.

Gonçalo M. Tavares mostra em seus livros, e talvez neste mais do que em qualquer outro, os atores que somos. Tão talentosos e dedicados que, em uma vida inteira, jamais abandonamos nosso personagem. Sequer para o espelho que desconhece a face desfigurada que nosso sorriso epidérmico esconde.









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