spoiler visualizarSir Santiago 07/03/2024
Relevante para a época, relevante para os dias de hoje
Meu contato com HQs sempre foi escasso, nunca tive a cultura de ler algo muito além das velhas revistas da Turma da Mônica e Turma da Mônica Jovem. Nos últimos tempos, porém, o gênero me chamou muita atenção pelas suas inovações e da forma como traz elementos de outros estilos de arte, como a literatura, o cinema etc.
Para entrar mais nesse mundo, então, decidi ir para o que muitos chamam de suprassumo do gênero: Watchmen.
Já conhecia parcialmente a história, e então sabia o que estava por vir, mas não me arrependi.
A obra é fantástica, com discussões que, apesar de serem feitas no contexto de Guerra Fria, mantém-se atuabilílssimas. Vivemos um decrescimento agora do gênero de super-heroi no cinema, e a obra serve como uma ótima crítica ao gênero, mostrando o quão insano é a ideia de se mascarar e ir para as ruas "fazer justiça com as próprias mãos", algo que pode ser encarado até como um fetiche. Esse fetiche é mostrado em cenas como, por exemplo, a da relação sexual que o Coruja tenta ter antes de sair na rua como um vigilante, e não consegue. Quando veste o traje, porém, seu fetiche é realizado.
Filosoficamente, a obra é rica também. Dr. Manhattan, sendo muito mais poderoso do que os outros, poderia resolver todos os conflitos do mundo se se esforçasse. Talvez fosse o único dos heróis que isso poderia fazer sem grandes baixas, mas sua indiferença para com os seres humanos é tamanha que ele nem se importa. Se você tivesse que escolher entre formigas vermelhas ou pretas, você não escolheria nenhuma, as duas são irrelevantes.
Além disso, temos o plano de Ozymandias. O maior dos heróis é também o maior dos vilões. Entendendo o plano daquele que parecia ser o vilão da trama, compreendemos sua engenhosidade e dor ao executar seu plano, digno dos antigos imperadores, que traria, segundo seu conceito, paz ao mundo. A dúvida final imposta por Manhattan abala o cristal polido de Ozymandias. "Nada nunca acaba." Além do diário, único registro do fundamento mentiroso que Ozymandias construiu.
O dilema é tão poderoso que até os heróis, com exceção do íntegro Rorchach, têm que engolir a ideia, e aceitar que esse bem da humanidade não está associado a verdade.
Rochach não aceita, pois seu personagem, aturdido por traumas sinistros, sustenta um ideal de pureza e verdade inalcançável, e também possui um nível de desmembramento social que o separa dessa sociedade que ele, mesmo julgando completamente podre, se recusa a deixar morrer.
Por fim, apenas pincelei o que julguei ser uma das melhores obras que já li, com personagens ricos e um enredo tão profundo, que já espero o tempo para a releitura.