Luiza 03/12/2013
Desajustados...
Livro maravilhoso, narrativa envolvente, especialmente para quem gosta de cinema e dos clássicos... Fiquei bem surpresa ao tomar conhecimento da sordidez desse meio artístico que foi Hollywood, da década de 30 até o final da década de 60 (que é o período que o autor aborda. A Máfia penetrando em tudo, a Casa Branca completamente corrupta, astros e estrelas usando e sendo usados. Tudo muito chocante... Mas o livro não é pesado, é bem gostoso de ler, nem dá a impressão de ser uma biografia, parece mesmo um romance policial no gênero noir. Gostei MUITO!
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ALGUNS TRECHOS:
> Há milhares de moças como eu, ela sabe, que sonham em se tornar estrelas. Não faz mal.
Pois...
- Eu sonho com mais força - murmura Marilyn.
> Quando Jim [Dougherty] embarca, Norma Jean fica em casa. Ela se entedia. por Deus, como se entedia! (...) Ao voltar em licença, Jim percebe que a esposa continua tão meia quanto antes, mas... havia sutilmente mudado. Não é mais apenas a menina tímida e assustada. Tem outro rosto, mais frio e calculista. Ela tem um duplo.
> [Antes da fama, no ano de 1946] Norma Jean conheceu um fotógrafo do Exército. David Conover estava encarregado de encontrar algumas pinups para revistas militares. Trata-se de uma poderosa contribuição para manter alto o moral das tropas.
David Conover trabalha sob as ordens do capitão Ronald Reagan, um ator razoável, ferozmente anti-sindicalista, informante do FBI. É a primeira vez que Norma Jeane se encontra na proximidade de um futuro candidato à presidência dos Estados Unidos. Não é a última.
> Yves Montand vai à casa de Marilyn e chega em um quarto inteiramente branco - cadeiras brancas, cortinas brancas, cama branca - e se prepara para ler com ela meia página de texto. Assim que entra, ela dá início a seu grande truque. Olhos semicerrados, suspiros lânguidos, beijo de fogo. Montand não resiste.
É compreensível.
O romance que se inicia é tão evidente que permanece secreto por apenas três minutos. No dia seguinte, o boato já circula. Alguns dias depois, um jornalista vê Marilyn indo para o bangalô de Montand, nua sob um casaco de peles. Melhor ainda: uma tarde, Arthur Miller [terceiro marido da loira] volta ao quarto, tendo esquecido um objeto. Encontra os dois amantes em plena ação. Pega o cachimbo e vai embora.
Mal termina [as filmagens d]o filme ["Let's Make Love"], Montand faz as malas e pega o primeiro avião. Rápido, rápido. Ele não tem dúvida: Marilyn é bonita, mas Santo Deus!, é maluca.
. Marilyn, com um vestido pregueado, está de pé sobre uma grade do metrô. De ombros nus, um sorriso magnífico nos lábios, a garganta exposta. Olha para seu colega, Tom Ewwll, que, com uma expressão de Droopy, de desenho animado, e as mãos nos bolsos, tenta manter um ar blasé. Mas a esquina inteira é pura eletricidade. Nova York está em sobrevoltagem. Ouve-se a voz de Billy Wilder:
-Ação!
Um metrô passa e, no barulho dos trilhos, três imensos ventiladores escondidos sob a grade se põem a funcionar. O vestido de Marilyn se infla, se ergue, sobe para as costas, ela gira a cabeça com um gesto divertido de falso pudor, com as pernas descobertas, as coxas à mostra, as mãos juntas em tentativa desenvolta de manter um resto de pudor. É uma imagem mágica, um dos ícones do século XX.
Apenas DiMaggio não aprecia. Sua mulher quase nua diante de milhares de espectadores? Ela está sem meias, usa apenas uma calcinha branca – na verdade duas, superpostas, para evitar a transparência. Mais excitante do que um verdadeiro striptease. Um sujeito, animado, grita:
-Mais, Marilyn, mais!
A cena é retomada uma, duas, dez vezes. Jornais do mundo inteiro haviam enviado fotógrafos.
DiMaggio está desesperado. Vê a roupa de baixo de sua mulher, nota que a câmera parece focar a parte inferior da barriga, ouve um espectador comentar:
-Não disse que é uma loura “de verdade”?
DiMaggio está furioso. Vira-se e diz:
-Basta!
E vai embora.
A filmagem durou cinco horas.
A cereja do bolo é que Wilder não pôs filme nas câmeras. Trata-se de um espetáculo publicitário. A cena de verdade seria filmada no estúdio.
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Voltando para o Toots Shor, o dono do lugar, vendo o ídolo com a expressão abalada, lhe diz:
- O que você pode esperar, Joe? É uma puta!
DiMaggio não poria mais os pés no restaurante do amigo.
Alguns dias depois, Marilyn anuncia o divórcio. O casamento durou 286 dias. Na saída do tribunal, alguém entrega um envelope a Marilyn. Lá dentro, uma só palavra. Marilyn desdobra o papel e lê: "Puta", escrito com cocô.
> Como de hábito, Marilyn deixa as coisas caminharem por si só. Tem uma única preocupação: estar presente na noite de gala em homenagem a JFK, em Nova York, para seu aniversário de 45 anos. Marilyn encomenda um vestido, e que vestido! Desenhado e cortado por Jean-Louis, o mágico francês que anteriormente inventara a extraordinária silhueta de Rita Hayworth em "Gilda". Marilyn lhe passou uma única instrução:
- Faça um vestido que somente Marilyn ouse usar.
O criador desenha um sonho: um vestido feito com um tecido tão leve que parece transparente, uma nuvem de seda. O tecido foi especialmente confeccionado pra a ocasião e, vestindo Marilyn, Jean-Louis confirma:
- Suponho que a senhora está nua, Miss Monroe?
- Inteiramente!
Foi preciso sobrepor vinte camadas de seda nos seios e ente as pernas, para evitar a transparência, e seis mil pedras do Reno foram semeadas por todo tecido, fazendo o vestido cintilar. Durante sete dias seguidos, 18 costureiras trabalharam nele: impossível vesti-lo. Precisou ser costurado na estrela. Literalmente: moldado em Marilyn.
- Isso deve acordá-los, não? - perguntou com seus trejeitos infantis.
Jean-Louis sorri.
O traje custou 12 mil dólares, ou seja, oito vezes mais em dólares do século XXI. Em 1999, em leilão da Christie's, atingiu a soma de um milhão de dólares.
Há alguns dias, Marilyn sabe que vai cantar na festa de aniversário do Presidente. Entraria no final de um show extraordinário, e ela tem consciência do que está insinuando: é ela O presente de JFK. A anti-Jackie. Tudo faria, então, para ser o que a primeira-dama não é: provocante, sexy, engraçada. Richard Adler, o organizador do evento pede que Marilyn ensaie uma cançoneta, um "Happy Birthday" divertido. Ela se põe a trabalhar com Hank Jones, um pianista conhecido. Ele evoca Adler. Ao ouvir a versão de "Feliz Aniversário" de Marilyn, os dois homens se desesperam. É, pura e simplesmente, uma canção de striptease, um convite lúbrico, uma melodia lasciva, mais adequada para o Crazy Horse Saloon de Paris.
Adler, que nada sabe da ligação entre o Presidente e a estrela, telefona diretamente a JFK:
- Será uma catástrofe, senhor Presidente.
- Não se preocupe.
Mas Adler já previu uma substituta. Shirley MacLane está à disposição, apesar de reticente:
- Deixe com Marilyn. Tudo vai dar certo.
O presidente tem a mesma opinião. Aliás, quer Marilyn, está decidido.
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Um projetor único banha Marilyn com seu facho. A sala explode. Com passos minúsculos, como uma gueixa, sorrindo, em transe, a estrela se aproxima. Diante do microfone, livra-se da estola de arminho e, sozinha, entoa a imortal verão de "Happy Birthday" no meio de um silêncio religioso. Os 15 mil democratas estão paralisados de surpresa. Dorothy Kilgallen explicaria , em sua crônica: "É com se ela fizesse amor com o presidente, diante de 40 milhões de telespectadores."
Não imaginava o quanto era exato o que dizia. Pois enquanto Marilyn sussurra "Happy Birthday, Mister President...", iluminada pelo facho de luz de um projetor, os ascensoristas e artistas nos bastidores veem... o vestido estourar. A costura, refeita às pressas, não aguentou. Uma fenda surge, se alastra, e as nádegas de Marilyn aparecem, à direta do palco. Mike Nichols, que não era ainda diretor de "A Primeira Noite de um Homem", mas um humorista de renome, relembra: "Ficamos todos petrificados. Ela estava sem nada por baixo..." Assim que o projetor se apaga, Marilyn desaparece no escuro.
De pé, com o charuto entre s dedos, JFK aplaude empolgado. O aspecto solene de sua função, o olhar dos telespectadores, a opinião do universo, nada mais existe. Resta apenas a expressão da pura admiração de desejo excitado: "Que bunda! Que bunda!"
Aqueles sete minutos passam instantaneamente para a história pop do século XX.