jota 02/01/2021MUITO BOM: (em Denver se mata por um livro, especialmente se for uma rara primeira edição) Lido entre 25/12/20 e 01/01/21. Minha avaliação: 4,5/5,0
Edições Perigosas foi publicado nos EUA em 1992 como Booked to Die. Algo como Anotado ou Marcado Para Morrer e que, por se tratar de um romance policial ligado a livros, faz mais sentido que o título brasileiro. Que, no entanto, também tem bastante a ver com a trama desenvolvida por John Dunning: ele usa como pano de fundo o amplo mercado que lá existia na época – e provavelmente ainda existe - para a primeira edição de livros, especialmente policiais e similares, assim como para exemplares usados bem conservados e raridades, de volume e valores imensamente maiores que o negócio brasileiro, claro. Tão grande e complexo é esse mercado que alguém pode matar, ou mandar matar, por um livro: pelo menos na ficção, como ocorre nesse romance.
Antes de a história do policial e livreiro Cliff Janeway começar, de sua caçada primeiro a infratores da lei, depois aos livros e novamente de volta aos criminosos, temos um resumo da trajetória do próprio romance em Antes e Agora, uma espécie de prefácio escrito por Dunning em 2000. Ele retrata o mercado secundário de livros na época em que Edições Perigosas foi lançado e as transformações que vieram depois com a venda de livros novos e usados pela internet. Descreve, de modo bastante interessante, todo o complicado processo que um colecionador ou interessado tinha de enfrentar para localizar e comprar um volume desejado antes do surgimento das livrarias virtuais. Destaquei colecionador porque algumas pessoas apenas colecionam volumes raros, valiosos ou primeiras edições, diferentemente de um leitor, que realmente lê os livros que adquire.
Dunning entende do assunto: ele mesmo, além de escritor e professor, foi (ou ainda é, pois permanece vivo nesta data, nascido que foi em 1942) dono de uma livraria virtual em Denver, Colorado, cidade onde Edições Perigosas se passa, outras de suas histórias também. Quase em nenhum momento se usa a designação sebo na tradução, quase sempre livraria, e o termo alfarrabista é empregado apenas para o comerciante, não o dono de uma livraria, mas de um pequeno negócio de livros físicos, nos moldes dos nossos sebos antes de se tornarem virtuais (poucos permanecem fora da internet hoje em dia). As livrarias americanas físicas de qualquer porte, ao contrário das nossas, sempre venderam também exemplares de segunda mão, tal como fazem muitas livrarias virtuais há tempos.
De volta ao romance, Cliff Janeway, encarregado de esclarecer a morte de um alfarrabista, é um policial que aprecia romances policiais e literatura em geral, incluindo William Faulkner, pois é. Enquanto busca pistas para resolver o crime, vai contando, entre outras coisas, histórias relacionadas a livros e autores, então além de Faulkner, são citados ainda Ernest Hemingway, Rex Stout (criador do detetive Nero Wolfe), Mark Twain, Thomas Harris (de O Silêncio dos Inocentes) Stephen King e vários outros. Sobre Norman Mailer o policial diz que as pessoas perderam o interesse por seus livros desde 1948, quando publicara sua obra-prima Os Nus e os Mortos. Numa segunda fase da história, Janeway desiludido da carreira, pede demissão da polícia e com a indenização abre uma livraria ali mesmo em Denver. Depois do primeiro assassinato, ainda ocorrem mais dois, dentro da própria livraria de Janeway, o de sua funcionária e um alfarrabista que o procurara ali.
Diante dos novos acontecimentos o ex-policial resolve dar um tempo no negócio e sai por conta própria fazendo investigações para descobrir o assassino ou assassinos dos dois alfarrabistas e de sua vendedora. Visita os livreiros de Denver, alguns são seus amigos e, para conseguir informações de estranhos, finge-se de policial usando o nome de um outro tira, até que consiga esclarecer tudo. Nessa altura já se apaixonou por uma rica livreira, a misteriosa Rita McKinley, mas de quem também desconfia, descobre livros valiosos, briga feio com um valentão, o musculoso Jackie Newton, perseguidor de mulheres, protege uma delas, a complicada Barbara Crowell, e se envolve demais nesse caso etc. Para conquistar ainda mais o leitor Dunning constrói diálogos saborosos e coloca frases ou pensamentos irreverentes na boca ou mente dos personagens, especialmente de Janeway. Quer dizer, também tem humor no livro, algumas vezes humor negro.
Enfim, até para aqueles que não apreciam muito romances policiais, Edições Perigosas tem grande apelo, porque é entretenimento garantido: as coisas vão acontecendo rapidamente, o personagem central é cativante, diz coisas espirituosas ou engraçadas, como qualquer curioso queremos ver o mistério elucidado e, sobretudo, o romance fala de livros quase o tempo todo. Mesmo quando não está se referindo a livros e autores específicos, apenas falando do negócio de compra e venda de exemplares, até nesse ponto a história desperta nosso interesse. Não sei se lerei outros livros de Dunning, o policial Cliff Janeway aparece em outras histórias que ele escreveu, que estão bem avaliadas pelo público. Tenho vontade de ler O Homem Que Via o Trem Passar, de um francês que jamais li, Georges Simenon. Mas isso não é pra hoje.