spoiler visualizarHenderson 12/02/2011
“Asas da Loucura” é uma biografia sobre Santos Dumont. E porque um brasileiro leria uma biografia de Santos Dumont ?
Para mim, o grande atrativo do livro foi o fato dele ter sido escrito por um autor estadunidense. Isso, aquele povo esquisito que vive lá no norte do continente e que acredita que o primeiro voo de um objeto mais pesado do que o ar foi feito por uns tais de “irmãos Wright”. Achei interessante saber o ponto de vista de alguém vindo desse povo estranho sobre Santos Dumont. E não me decepcionei.
Paul Hoffman fez uma exaustiva pesquisa, que ele descreve em detalhes no fim do livro, antes de escrever a trajetória de Santos Dumont. Pesquisou no Brasil, na França e em outros países e levantou muitas informações que não são muito conhecidas sobre o nosso aeronauta. E esse é o ponto forte do livro, trazer informações inéditas até mesmo para nós brasileiros, acostumados que estamos a uma “overdose” de informações sobre ele.
Entre essas informações pouco conhecidas está a polêmica envolvendo o prêmio que Dumont recebeu por ter circunavegado a Torre Eiffel, que ele só ganhou “na marra” porque fez pressão na impressa por isso, pois havia acontecido uma mudança nas regras que ele não concordava. Dumont chegou a doar antecipadamente o dinheiro do prêmio para os pobres de Paris, numa maneira de pressionar o comitê do prêmio a validar sua tentativa. Isso não é algo que tenha sido divulgado aqui no Brasil, onde Dumont tem um status equivalente a de um santo leigo.
Ao ler a história de Santos Dumont conforme contada por Hoffman, eu não pude deixar de pensar que ele era um homem de contrastes. Enfrentava a morte nos seus balões, tateando no escuro e criando suas próprias soluções, mas era tímido no contato com o público. Isso não o impedia de ser muito popular, ditando moda na Paris do começo do século passado e tendo um excelente relacionamento com a imprensa, que o seguia onde ia. Ganhou fama de conquistador de mulheres, mas não consta que tenha tido nenhum relacionamento amoroso com nenhuma delas, sendo até considerado com trejeitos e manias (ele fazia tricô e crochê) um tanto afeminados. Esse é o Santos Dumont que emerge da biografia de Hoffman, totalmente contraditório, sem que o autor faça afirmações bombásticas a seu respeito – ele fica cheio de dedos ao explicar os modos afeminados de Dumont e enfatiza que não houve provas nem comentários em sua época que ele tenha sido homossexual, por exemplo.
Mas o tom do livro muda de figura quando se trata dos tais “irmãos Wright”. Para o autor, isso é incontestável. Os Wright voaram primeiro, não importa que não houvessem testemunhas disso. Ele somente fala por alto do ceticismo dos europeus quando os supostos voos deles foram anunciados na Europa, pois lá todos creditavam esse feito a Dumont. Ele passa por alto das teorias que dizem que os Wright só voaram para valer mesmo quando excursionaram pela Europa, e o fizeram justamente porque por lá ninguém acreditava neles, e sim em Santos Dumont, que, muito cavalheiro, sempre fugiu da polêmica e chegou a afirmar que “no céu há espaço para todos”.
Mas, para não dizer que esse é um comentário bairrista, há de se notar o fato de que os aviões construídos pelos Wright eram os melhores do seu tempo, os que ficavam mais tempo no ar e mais parecidos com o que a aviação se transformaria no futuro (o famoso 14-bis era totalmente “ao contrário” do que vemos hoje, por exemplo). No final, pouco importa quem voou primeiro. Os Wright impulsionaram a aviação nos Estados Unidos e Dumont fez o mesmo pela Europa, e ponto final.
No exterior esse livro tem feito bastante sucesso, a julgar pelas resenhas e comentários que li. Em terras estadunidenses há quem diga que ele deve ser transformado em filme em breve. Seria uma boa. Só espero que o Cássio Scapin saiba inglês. Um filme sobre Dumont sem ele como protagonista não teria a menor graça.