DIRCE 25/07/2015
Povos infelizes também produzem pérolas.
Mia Couto em O Fio das Missangas faz com que o leitor “ouça” os gemidos doloridos que emanam dos peitos das personagens dos 29 contos que fazem parte dessa obra. Personagens que representam o povo sofrido da Moçambique de Mia Couto, e , por ser ele um escritor dotado de sensibilidade impar, faz questão de ser o porta-voz desse sofrimento e essa é a razão do seu discurso recorrente que abriga a subjugação das mulheres,a fome, o incesto, o preconceito, o pragmatismo que leva à desumanização, a injustiça, o cerceamento dos sonhos , e também o sonho como fuga. Sim, o discurso é recorrente, mas graças ao seu talento para contar histórias e a sua alma do poeta, Mia Couto consegue se diferenciar e , a cada parágrafo, a cada frase, nos surpreende, nos emociona, e muitas vezes, nos leva ao riso.
Merecem destaques os Contos: “As três irmãs”; pela originalidade e inusitado final, “A saia amarrotada”; fiquei condoída com a dor da jovem que, apesar dos pesares, ainda acreditava que um príncipe a amaria e a chamaria por um nome, pois até um simples nome lhe fora negado, “ O homem cadente”; mau grado a miséria , um humor discreto se entremeia ao surrealismo na narrativa do “ suicídio” de um “herói” da miséria , e, finalmente, “ O menino que escrevia versos”; esse... dolorido, mas, tal qual o médico, eu queria mais.
Mia Couto abre esse livro dizendo: "A missanga, todos a veem. Ninguém nota o fio que, em colar vistoso, vai compondo as missangas. Também assim é a voz do poeta: um fio de silêncio costurando o tempo." Entendi muito bem essa metáfora, mas não acho que ela faz jus aos contos. Missanga é uma pedra tão vulgar...Os 29 contos estão mais para pérolas. Li algures que as pérolas surgem do sofrimento das ostras, então por quê não comparar os Contos dessa obra com pérolas, já que também eles surgiram do sofrimento? Sofrimento que advém de um povo castigado e nos fere sobremaneira, consequentemente, nos vemos comungando com esse sofrimento. Rubem Alves disse: Ostra feliz não faz pérolas, e, eu, ousadamente me permito “parafraseá-lo” dizendo: povos infelizes também levam a produção de pérolas. Não é mesmo, Mia Couto?