caio.lobo. 01/02/2023
Erotismo sem sexualidade de Sócrates (ou Platão)
Reler O Banquete depois de muitos anos proporcionou uma visão mais literária do que minha visão antiga que era de todo filosófica. Platão é um gênio da literatura, como se não bastasse ser o gênio maior da filosofia. Em O Banquete Platão faz rir com um Sócrates ?erótico?, adulado e amado, mas sábio, e no ?seu saber que nada sabe? demonstra erudição na matéria do amor, ou melhor, do erotismo. Aqui a ressalva: erótico não é necessariamente sexual, mas entre as tantas terminologias para amor na Grécia Antiga, Eros se sobressai como o mais penetrante. Tentar definir Eros é o enredo deste banquete pós-noite de bebedeira, e cada um dos convidados irá acrescentar um tanto de conhecimento, até chegar na apoteose de Sócrates.
Seria Eros aquele que origina o universo, um dos Deuses mais antigos como cita Fedro? Isso mostra a influência dos mistérios órficos em Platão. Esse amor nos faz melhores, mas Pausânias discorda, sendo dois os Eros, pois duas são as Afrodites: há a divina de Hesíodo, do céu (Urânia), esta que nasceu dos testículos e esperma sagrado caídos do divino Urano no mar, como de um nascimento virginal; a outra de Homero, filha do tirânico Zeus com Dione, esta é a Afrodite do populacho (pandêmia). Uma eleva às coisas sagradas, aos Deuses, à religião, à arte, à filosofia e ao sublime; a outra leva à fornicação, à prostituição, ao amor ao dinheiro, ao egoísmo, ao estupro e a todo prazer doentio.
E fala Aristófanes. Conta o belo mito do humano andrógino, que é extremamente poderoso, pois é completo em si mesmo. Se torna arrogante e acha que pode ser como os Deuses, mas estes castigam o Andrógino cortando-o ao meio e formando dois seres separados. Estamos em busca de nossa metade que falta, seja ela a metade masculina ou feminina. Isso remete a Jung e sua teoria do Animus e Anima, mas podemos ir mais longe, pois da mesma forma que o homem precisa encontrar sua contraparte feminina dentro de si e mulheres a contraparte masculina, há, ainda mais hoje, homens que precisam encontrar o homem dentro de si e mulheres precisam revisitar a mulher que habita nelas. Aqui começa a ficar claro que o amor erótico é uma falta, sentimos falta de um ?não sei o que?.
Agatão, bom em palavras, sublima Eros até o último, é a perfeição das perfeições. Aí fala Sócrates, e acaba com o discurso apoteótico, e isso utilizando da sua maiêutica. Fazendo perguntas perspicazes faz com que Agatão dê as respostas. Eros é de algo e não de nada, e esse algo é o que Eros deseja. Oras, se deseja é porque lhe falta algo, e a natureza do amor é querer a beleza. Eros busca sempre e cada vez mais a beleza, e não se satisfaz sem encontrar a beleza sublime, a beleza das belezas. Essa beleza é a verdade que se reflete imperfeitamente noutras belezas, então beleza é verdade. O que nos falta é a beleza, por isso a buscamos. Por isso que o amor erótico é muitas vezes chamado de paixão, pois é uma insaciabilidade, quanto mais temos a pessoa amada mais a queremos, e mesmo nos aproximando, abraçando, possuindo e adentrando a pessoa amada ainda não nos sentimos satisfeitos, pois além da pessoa amada ser apenas o reflexo da beleza que mais nos afeta e nos traz afeto, ainda assim não é o Belo, e mesmo que fosse quereríamos ser unos com o Belo.
Aqui há um ponto interessante, pois Sócrates cita a sua mestre nas matérias de Amor, a sacerdotisa Diotima. Aqui ficamos entre o mítico e real, pois penso se essa figura feminina realmente existiu ou se seria a anima de Sócrates, o seu Eros interno, pois ela mesma ensina que o Eros é um demônio (daimon) interno, esse ser interno de cada um de nós que nos inspira. Seria talvez a bela figura demoníaca de Sócrates a sacerdotisa Diotima, e ele se completou, sendo o andrógino primordial. Então Sócrates já estaria perto do divino!
Por fim, chegando próximo do final, Platão joga com seu humor em sabedora na figura de Alcibíades. Este apaixonado por Sócrates, mas Sócrates não atende suas cantadas, e mesmo na vez que dormiram juntos, Sócrates não fez nada, dormindo como um irmão ou um pai com Alcibíades. Já bêbado, Alcibíades está todo dionisíaco e caótico, e graças a essa loucura que consegue trazer uma lição importante. Ele não entende como pode amar um homem fisicamente horroroso como Sócrates, e o pior, todos os novinhos também amavam Sócrates. Fica claro que este amor platônico não é carnal, mas pela grande alma que habita em Sócrates. Sabe-se que havia na Grécia o amor de uma pessoa mais velha por um jovenzinho e este amor era recíproco. Isso pode ser elevado a um amor mais sublime e não sexual. O jovem ama o velho por sua sabedoria e esse amor se sublima com a transmissão de conhecimento. Da mesma forma o velho ama o jovem, pois seu desejo está em torna-lo sábio.
Devo destacar aqui a bela e erótica tradução de Donaldo Schüler, que é fluída e provavelmente deixou o texto com uma cara mais próxima de Platão, com todo humor, sarcasmo e sabedoria que o filósofo quis transmitir.