jota 24/12/2018Resumindo Sandor Marai: A visita do amado canalhaDo mesmo modo que no excelente As Brasas, outro livro bastante curto do autor húngaro Sandor Marai (1900-1989), é o passado que está de volta para um acerto de contas, passados vários anos, aqui vinte. Lá, eram dois amigos, neste, são dois enamorados para os quais as coisas não deram certo. Eszter narra a história de sua relação com Lajos, que se casou com sua irmã em vez dela e está viúvo há bastante tempo. Uma história que já no primeiro parágrafo parece dizer que vai terminar mal para alguém. Eszter anota em seu diário:
"Não sei o que Deus ainda me reserva. Mas, antes de morrer, quero escrever a história do dia em que Lajos veio ver-me pela última vez e me roubou." Ela sabia que ele não passava de um crápula, pessoas de sua família e amigos também, mas Lajos fora seu único amor. Agora, retornando para uma visita, ele pode ser, mesmo sendo quem é, aquele que pode modificar sua vida de vez, pela última vez. Dar-lhe novamente algum sentido, como no tempo em que o amou, foi feliz. Mas não estaria o falsário Lajos apenas atrás da parca herança que lhe restou e a enganá-la mais uma vez com suas promessas? É o que todos se perguntavam então, ela também.
O Legado de Eszter é uma história narrada com a elegante e límpida escrita de Marai de sempre, que acompanhamos com interesse até a última linha. Mesmo que discordemos do comportamento da protagonista, entendemos que ela nada mais faz do que, digamos assim, obedecer a um imperativo do destino. Estava escrito que as coisas deveriam terminar como terminaram. E aí, tanto faz se a pessoa acredita em destino, em horóscopo, no papa ou em João de Deus - tudo faz sentido quando nossa existência não tem sentido algum. Ou tem muito pouco...
Lido entre 19 e 23/12/2018.