O remorso de Baltazar Serapião

O remorso de Baltazar Serapião Valter Hugo Mãe




Resenhas - O Remorso de Baltazar Serapião


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Alexandre Kovacs / Mundo de K 21/04/2011

valter hugo mãe - o remorso de baltazar serapião
Editora 34 - 200 páginas - Edição apoiada pela Direção Geral do Livro e das Bibliotecas/Portugal - Lançado no Brasil em 2010.

O jovem escritor angolano de 39 anos, radicado em Portugal, valter hugo mãe (assim mesmo em minúsculas como ele gosta de escrever) é um dos nomes mais elogiados da literatura portuguesa contemporânea, principalmente pelo fato de ter sido o vencedor do Prêmio Literário José Saramago em 2007, com este mesmo romance (único lançado no Brasil até o momento) e também por ter sido definido pelo próprio Saramago como um "tsunami literário". Presença confirmada na FLIP 2011, quando será lançado pela editora Cosac Naify o seu romance de 2010: "a máquina de fazer espanhóis", valter hugo mãe, além de romancista é também poeta, editor, artista plástico, vocalista da banda Governo e DJ nas horas vagas. Como se não bastassem tantas atividades, o autor mantém um blog: www.casadeosso.blogspot.com e uma página da sua banda no My Space: http://www.myspace.com/ogoverno.

Ao lermos "o remorso de baltazar serapião" percebemos imediatamente uma novidade, seja pela utilização da linguagem intuitiva e original que cria o efeito de um português arcaico ou pela pontuação não convencional que acaba inventando novos ritmos, o autor apresenta a sua fábula que, apesar de não ser ambientada em uma época ou local definidos, lembra muito o feudalismo europeu da idade média. Uma família de camponeses é explorada pelo senhor feudal que consome a vida de homens e mulheres em um cotidiano brutal de ignorância e falta de esperança. Por sinal as mulheres representam um foco central no romance, começando pela linda ermesinda que conquista o amor de baltazar, a sensual teresa diaba ou a bruxa representada pela terrível mulher queimada. Personagem fundamental é a sarga, uma vaca que é tratada como animal doméstico pela família e acompanha toda a narrativa. A família serapião passa a ser conhecida como os "sargas", sendo que a perda do nome, segundo o próprio autor explica em entrevista ao Globo, representa a anulação completa de uma pessoa.

Inconsciente, sobrenatural ou intuitivo, o estilo de valter hugo mãe revela o que existe de melhor e pior no homem. Difícil não cair na tentação de comparar o jovem autor e sua aventura experimental literária com nomes do nível de Guimarães Rosa. Talvez seja um pouco cedo para tamanha deferência, mas recomendo que leiam e tirem suas próprias conclusões. Segue o primeiro capítulo de "o remorso de baltazar serapião", com minúsculas e tudo, como uma pequena amostra.

"a voz das mulheres estava sob a terra, vinha de caldeiras fundas onde só diabo e gente a arder tinham destino. a voz das mulheres, perigosa e burra, estava abaixo de mugido e atitude da nossa vaca, a sarga, como lhe chamávamos.
mal tolerados por quantos disputavam habitação naqueles ermos, batíamos os cascos em grandes trabalhos e estávamos preparados, sem saber, para desgraças absolutas ao tamanho de bichos desumanos. tamanho de gado, aparentados de nossa vaca, reunidos em família como pecadores de uma mesma praga. maleita nossa, nós, reunidos em família, haveríamos de nos destituir lentamente de toda a pouca normalidade.
abríamos os olhos pirilampos à fraca luz da vela, porque a sarga mugia noite inteira quando havia tempestade. dava-lhe frio e aflição de barulhos. era pesado que nos preocupássemos com a sua tristeza, se havia algo na sua voz que nos referia, como se soubesse nosso nome, como se, por motivo perverso algum, nos fosse melódico o seu timbre e nos fizesse sentido a medida da sua dor. por isso, custava deixá-la sem retorno, sem aviso de que a má disposição das nuvens era fúria de passagem.
com vento a bater nos tapumes da janela mal coberta, água a inundar esterco no chão, velha, ela ficava à espera de que algo repusesse o dia e a libertasse para o campo, a fazer nada senão comer erva, vendo-nos labor ininterrupto. nós não dormíamos, ficávamos a fustigar o sono com dores de cabeça, martírios horas e horas. o aldegundes, que se levantava para a tentar acalmar, falava-lhe e prometia-lhe tudo. o meu pai dizia que, a ele, a sarga o confundia mais na ideia de família, se nascera com ela ali e, já eu um irmão muito mais velho, haveria de ser em perigo que o aldegundes se deixaria com ela em brincadeiras. que tempo de crescer o de uma criança, exclamávamos, com uma vaca pela mão em companhia, conversas a sério como se fosse entre gente, e a gostar dela como se gosta das pessoas, ou mais do que das pessoas todas, dizia ele, só algumas é que não, como a mãe, o pai, o irmão e a irmã. assim ela acalmava um pouco à voz infantil dele e nós adormecíamos instantes, mas voltávamos a acordar com a trovoada, embatendo nítida sobre a nossa casa tão pequena, e com o gemido abafado da bicha que recomeçava.
nós éramos os sargas, o aldegundes sarga, dos sargas, diziam. ele é sarga, é dos sargas cara chapada. nada éramos os serapião, nome da família, e já nos desimportávamos com isso. dizia o meu pai, o povo simplifica tudo e a nós veem-nos com a vaca e lembram-se dela, que é mais fácil para se lembrarem de nós e nos identificarem. a vaca era a nossa grande história, pensava eu, como haveria de nos apelidar a todos e servir de tema de conversa quando perguntavam pela mãe, pelo pai, perguntavam pela vaca, magra, feia, tonta da cabeça, sempre pronta a morrer sem morrer. e riam-se assim com o nosso disparate de ter um animal tão tratado como família, e não entendiam muito bem. não fazia mal, achávamos que éramos muito lúcidos, e adorávamos a sarga, mesmo nas noites de tempestade quando se amedrontava e nos obrigava a acordar. o aldegundes vinha dizer-nos que ela tinha água nas patas e que em pressas se devia varrer dali inundação que lhe dava medo, e ele não reparava que também se sujara nos pés e fedia, enquanto cheirávamos e agoniávamos de tormento sem mais sono.
o meu pai pagava ainda a ousadia de se chamar afonso. afonso segundo um rei, mas sobretudo em semelhança ao senhor da casa a que servíamos. uma ousadia disparatada, um sarga chamado afonso, um verdadeiro familiar da vaca como se viesse de rei. quem não tinha do que se honrar, que diabo honraria aludindo a tal nome, perguntavam as pessoas ocupadas com nossa vida. dom afonso, o da casa, era-o por herança e vinha mesmo das famílias de sua majestade, com um sangue bom que alastrava por toda a sua linhagem. nobres senhores do país, terras a perder de vista, vassalos poderosos, gente esperta das coisas do nosso mundo e de todos os mundos vedados. por isso, esqueciam-se quase sempre de que ele, o meu pai, se chamava afonso, e só lhe chamavam sarga, o da sarga, como ele e ela, como um casal. à minha mãe chegavam a dizer que fora à vaca que ele fizera os filhos, e ela revoltava-se. era sempre ela quem barafustava furiosa até que o meu pai viesse e impusesse o juízo e a calma. o meu pai entrava em casa muito tarde, quando estávamos recolhidos à luz da fogueira, e era feito silêncio para que aliviasse o cansaço e pedisse o que lhe aprouvesse. normalmente, tínhamos refeição da noite, jantar quente com vantagens sobre o desamparo da nossa condição social, e escutávamos as impressões do dia, as instruções para o que viria, e os votos de boa noite. por vezes, eu podia perguntar coisas. em noites de maior paz, faria perguntas sobre as mulheres e as promessas do corpo delas feitas ao desalento do nosso corpo de homens. e deixaríamos coisas ditas no ar, para continuar interminavelmente. eram coisas que se suspendiam sobre nós, como roupa a secar, e com que nos deparávamos mais tarde, como se lhes batêssemos com a cabeça numa distração qualquer, quando o trabalho era satisfeito e o tempo se permitia preciosamente ao convívio. o meu pai, o sarga, dizia-me que, se pudera pacificamente chamar-se afonso, sentiria maior felicidade. recordava os meus avós e jurava que chegaram a ter uma pequena terra só deles, escondida num muro à inveja dos trepadores e cultivada de legumes para servir uma fome só da família. era uma terra bonita de vistas, abençoada de fertilidade, calma de vento e cheia de furos de água. bebíamos e comíamos da nossa terra, lembro-me, contava o meu pai, era muito pequeno, como o aldegundes, e tudo ali nos bastava, como tínhamos galinhas e coelhos e o casal de porcos a fazer uma ninhada de leitões para cada ano, e era verdade que ninguém nos incomodava ou se acercava da nossa discrição. estávamos ali esquecidos para bem do nosso sossego. o meu pai sossegava e recolhia-se à cama, onde a minha mãe já se recolhera, a pedido de autorização, aliviada do peso do corpo em cima do pé torto, coçando longamente as pernas da comichão que lhe dava, atenta para acordar bem cedo na manhã seguinte.
quando chovia noite inteira era o pior. o aldegundes, fraco, um repolho de gente quase a querer ser homem, era descarnado e enfezado de altura e largura. que haveria de poder ele quando a sarga estava mais assustada e escutava menos as suas palavras. imaginava eu que ela assustada quisesse fugir para onde conhecesse mais seguro, soubéramos nós o que ela soubesse e talvez se acalmasse em algum lugar. mas, sem diálogo, ela ali ficava a debater-se com o coração aos saltos e o aldegundes choramingando súplicas, o meu pai infinitamente paciente, abdicado de descanso pela vaca, e eu sempre fazendo conta à atenção que lhe era dada, uma permissão desmedida no prejuízo das nossas noites. o aldegundes apossava-se do corpo da sarga pela cabeça, mas era verdade que ela era tonta, como fosse destituída da pouca inteligência que as vacas podiam ter. não tinha nem uma, o mais que fazia era reconhecer-nos e gostar de nós, isso sentíamos, e mais do que isso, nada. entornava os recipientes, perdia os caminhos, batia com o focinho nas paredes, enganada das portas. mas o aldegundes lá lhe esfregava a cabeça, olhos nos olhos, na escuridão. punha vela a arder protegida e queria muito não demorar. mas água que entrava era desordenada e cruel. e era certo que seria o que mais assustava a sarga, por isso ele se dava ao trabalho de varrer cuidadosamente tudo, porta aberta ao campo a enxotar esterco lá para fora, a vaca detida pela corda ao pescoço.
o meu pai levantou-se sem que a irritação lhe turvasse os sentidos. levou vela a juntar à do aldegundes e não se ouviu mais nada. a sarga calou-se de sossego e sono, especada na noite como uma coisa que só parecesse ser ela sem o ser. era como um objeto, sem voz nem movimento, disposto para o tempo da noite sem serventia nem mais nada. e nós adormecemos também, espantados com a obediência ao meu pai, discernido superiormente sobre todas as coisas da nossa vida."
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asteuwick 25/03/2021

Me faltam palavras
Esse livro me desfez de tal forma que me falta vocabulário e repertório para sequer tentar explicar.
É de uma violência tão brutal, contata de forma natural e simples que assusta o espírito.
A história tem como pano de fundo a Idade Média e eu tive que me lembrar disso a todo momento para conseguir mastigar os textos.
Eu só pude respirar quando terminei de ler a última palavra do livro. Inspirei, soltei e entrei num completo estado de introspecção.
Esse livro acabou comigo e é exatamente por isso que eu amei.
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Garcês 03/09/2021

O remorso....
estou extasiado com esse final, esses últimos capítulos
o que foi tudo isso que aconteceu
ermesinda. mal dito baltazar mal ditos todos
nao sei oq sinto
apenas sinto
me marcou
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Fernanda Quinderé 07/01/2021

Um livro a ser digerido
Quando Saramago chamou essa obra intensa de Valter Hugo Mãe de um tsunami literário, não foi exagero. E o tsunami te atinge, sem escapatória. Seja através da semântica que causa um estranhamento inicial, mas que percebe-se tão autêntica e poética ou seja através dos temas abordados, que embrulham o estômago, arrepiam e provocam revolta. Não é um livro fácil de ler, por ambos motivos, mas com certeza não se sai ileso a ele.
O remorso de Baltazar Serapião nos faz refletir principalmente sobre o machismo, a violência doméstica, o feminismo e como a mulher era vista no período medieval, e o quanto isso mudou com o passar dos anos (não totalmente, infelizmente). É um duro retrato da realidade com um toque de fantasia e aspecto folclórico. Depois de ler o livro é impossível não se sensibilizar e entender a luta das mulheres por sua emancipação e o quanto isso foi e é urgente.
Um livro impactante e que não recomendo para pessoas sensíveis ou que tenham passado por situações de violência.
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sara320 25/01/2022

petrificante
a leitura do remorso de baltazar serapião foi a mais forte que já fiz na vida, sem exageros. toda a crueldade presente no livro unida com o jogo de palavras responsável por animalizar o feminino me deixou, em vários momentos da leitura, chocada, enjoada e desnorteada. o incômodo gerado pela denúncia de vhm acerca da estrutura patriarcal que nos rodeia é intenso e profundo. a desumanização da mulher é evidenciada pelo autor da forma mais nua possível em todos os capítulos da obra: o patriarcado é exposto de modo incomensuravelmente nauseabundo. o livro é muito bem escrito. valter hugo mãe é incrível.
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ElisaCazorla 03/11/2015

Violência Desnecessária e Nauseante.
Obra escrita em português arcaico - característica muito interessante e desafiadora. Durante toda a leitura, imaginei as estratégias que o autor teve que tomar para conseguir utilizar essa ferramenta. De positivo, não tenho mais nada a acrescentar. Mas, isso foi tão bom que as 3 estrelas são por conta do estilo.
Sobre o conto em si - difícil demais engolir tudo aquilo. Violência gratuita. Nauseante. Desnecessária. Um retrato da mente de machos que agem como se o mundo, os animais, os objetos e principalmente as fêmeas (inclusive as mulheres) ou qualquer buraco existissem com a finalidade de aliviar suas tensões e vontades sexuais. Mentes tenebrosas. Livro denso demais! Um final terrível e frustrante. Um autor muito corajoso. Não recomendo como primeira leitura desse autor.
Levi 03/11/2015minha estante
rsrs. Como sempre, os comentários de "O Remorso..." são no estilo "ame-o ou deixe-o".


ElisaCazorla 03/11/2015minha estante
Oi Levi! Eu terminei o livro por causa das suas observações e as da Nanci. Fiquei esperando que algo diferente acontecesse e que...não sei...realmente foi um livro muito difícil para mim. E aquele final??!!! Por que você acha que o final é surpreendente?


Levi 03/11/2015minha estante
Na verdade, não foi o final que me surpreendeu, mas o livro como um todo. Desde a estética à narrativa. O final foi o que tinha que ser mesmo: brutal. Eu não esperava uma salvação agradável para a estória. Mas, em geral, o livro me trouxe muitas reflexões. Principalmente os devaneios de Baltazar. Fiquei pensando, inclusive, até que ponto toda aquela violência retratada foi "real", já que o narrador era o próprio Baltazar, com toda a sua loucura. Quanto daquilo é confiável? Além disso, guardo ainda, até hoje, belíssimas passagens do livro, como aquela em que Baltazar fala que "as mães transportam o céu dentro delas, e multiplicam-no, como um ofício". Às vezes penso também que VHM, ao retratar a mulher como aquela que tudo suporta, e mesmo assim continua, quis indicar que, para estas, sempre há alguma esperança. Já para os homens, não: resta conviver com suas próprias idiossincrasias masculinas (não que eu concorde com isso, mas é o que me soou).


ElisaCazorla 03/11/2015minha estante
Puxa, lendo suas palavras o livro me parece melhor. Você tem um ponto de visto que eu não consegui enxergar. Realmente, muito interessante =] Obrigada


Nanci 03/11/2015minha estante
Concordo integralmente com o Levi. Gostei do livro todo. Só um desfecho brutal caberia na história - qualquer desvio de tom, de moral, estética ou ética ficaria forçado ou ridículo.


ElisaCazorla 03/11/2015minha estante
É...agora consigo entender por que gostaram desse livro. Realmente, vocês têm perspectivas bem interessantes. Mesmo assim, não consigo apreciar tamanha perversidade em qualquer contexto. Gostei de ter conhecido essa obra, ela vai continuar em minha estante, mas não leria novamente. Sendo muito honesta, não me acrescentou nada, não me fez pensar nada, não me deu ideias para refletir sobre nada. Mas, acho que era o objetivo do autor ser tão cru, tão brutal, tão longe do que o humano pode ser e tão perto do monstro que os humanos muitas vezes são.




Gabi Guerra 15/06/2020

"um tsunami literário" Saramago avisou
Agraciado com o prêmio José Saramago, entregue pelo próprio, Valter Hugo Mãe foge à regra otimista de suas obras e arranca do peito uma selvageria literária, chamada por Saramago de "tsunami literário, um parto da língua portuguesa".

Muita gente não gosta do livro, pois ele é cru, denso, tenso e cruel. A mulher é retratada como um um objeto, uma obra do demônio etc. No entanto, quem conhece Valter Hugo sabe que a narrativa busca o debate, o escândalo, provando o quanto o grotesco jeito de tratar as mulheres é inconcebível nos dias atuais.

O livro é todo escrito em letras minúsculas e sem pontuação de interrogação, exclamação ou mesmo travessão e aspas para indicar diálogos. O que isso quer dizer? É difícil interpretar, sim. Precisamos entrar no embalo para viver a história (recomendo ler em voz alta).

O livro é duro, tem gatilhos a cada capítulo, mas é um escândalo na literatura.
Definitivamente NÃO é para qualquer um, mas, sem sombra de dúvida, foi um parto memorável para mim. A criança que saiu ficará na minha memória por tempos...

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Toni 22/05/2020

Um soco na cara
O Remorso de Baltazar Serapião é totalmente diferente te outros livros do autor, como A Máquina de Fazer Espanhois e O Filho de Mil Homens. Aqui, não existe beleza. E sim muita ignorância, crueldade e violência contra a mulher. Tudo isso de forma bem explícita.

Isso quer dizer que é um livro ruim? Muito pelo contrário, é genial. Mesmo sendo indigesto, trata-se da obra mais feminista de VHM. O autor, através da história de uma família e sua vaca, nos mostra como o machismo está estruturado na sociedade. Passado de pai para filho, com a maior normalidade do mundo.

Além disso, destaco a narrativa empregada pelo escritor português. Para nos fazer mergulhar neste mundo medieval (a história se passa na Idade Média), o autor emprega uma narrativa arcaica, diferente de tudo que você já leu. Aqui, a forma é tão importante quanto o conteúdo. Isso sem falar na ausência de letras maiúsculas, pontos de interrogação e travessões - características dos primeiros livros de VHM.

Este livro só reforçou meu amor pela obra de Valter Hugo Mãe. Como disse Saramago, um tsunami.
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Tayemi.Oshiro 25/05/2020

meu relato
vhm conta história de maldição que condena todos os sargas à animalidade inspirada pela velha e doente vaca, a própria sarga. a obcessão de serapião por vingar seus cornos é coisa que enreda toda a história. corrida por letras miúdas que margeiam de perto o topo da folha faz olhos estranhar disposição e ao mesmo tempo gostar do deslocamento. a solidão de teolindo e o desespero de aldegundes à procura do rosto da mãe entre pintados me fez chorar. todo acontecimento é coisa descabida, incomoda, dá ânsia, quase vômito, tsunami das tripas.
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Sarah 16/07/2020

Foi difícil de digerir
Já conhecia a escrita de Valter Hugo Mãe de outras obras e sou grande admiradora de sua obra. Mas acredito que esse livro destoa dos demais. Primeiro porque a linguagem é bem truncada, seguindo o estilo do autor, mas tornando algumas passagens bem difíceis de compreender. Não senti tanto as figuras metafóricas belíssimas de outros livros, mas um texto que se faz difícil de acessar pelo leitor. E também porque o texto trata do cotidiano de uma família bastante patriarcal, mas de uma forma tão exageradamente machista e misógina que há momentos em que tive vontade de parar de ler. Cenas difíceis de digerir mesmo. Entendo que o intuito é a crítica, mas os posicionamentos misóginos partem do próprio narrador, então há vários momentos em que parece que o livro defende (e não critica) tais atitudes. Gosto mais de VHM em O filho de milhomens, A máquina de fazer espanhóis ou A desumanização.
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Lorena 13/12/2020

Sem medo de errar, o livro mais denso e truncado do Valter Hugo Mãe.

Com cenas extremamente brutais - que é possível se contorcer de dor ao deitar os olhos sobre elas - e outras repletas realismo fantástico, faz o(a) leitor(a) se sentir perplexo(a). Pela forma cruel que o machismo estrutual e boçal é retratado e pela genialidade pautada.
Um enredo contemporâneo que crítica fortemente e explora a vida na Idade Média.

Baltazar Serapião é o personagem narrador. Um jovem pobre que vive com sua família em um vilarejo estilo feudal. Ele e sua família são conhecidos como Sargas, nome esse que vem de uma vaca domesticada. E, por nutrirem afeto familar pelo animal, são mal ditos na comunidade, que afirma serem os filhos do patriarca, também filhos da vaca. E não da mãe. O desenrolar da história vai dando notícias sobre a vida conjugal de Baltazer com Esmerinda, a mais bela jovem vilarejo. Fato esse que não impediu o protagonista repetir (com ainida mais afinco) o machismo boçal e violento que viu o pai ter com a mãe.
Ao passo que o irmão mais novo de Baltazar, o Adegundes, traz consigo sensibilidade artística que encantará até o "el rei" e dará ao leitor um refresco quase angelical. Mas não vá com muita sede ao pote e nem se acostume com cenários celestes pintados por Adegundes. VHM é capaz de ir do inferno ao céu e deste ao inferno novamente em questão de poucas linhas.

E é essa inteligência literária que prende o leitor até a última página. Com seu estilo característico e já visto em outras obras, um livro escrito todo em letras mínusculas. O que importa, afinal, é a história. A essência. Contada por palavras sim, porém mais importante que elas. Pois sem história, o que seriam das palavras, não é o mesmo? Ao que fica claro também, é possível sentir João Guimarães Rosa, José Saramago, Manoel de Barros e Gabriel García Márquez nas entre linhas nada de acordo gramaticais. Esqueça o leitor das pontuações para guiá-lo o tempo todo. Esteja ele mesmo preparado para colocá-las mentalmente, tal como é quando se fala. Preste atenção nas palavras inventadas e tão necessárias que parece que sempre existiram e que falta elas fazIam e nem se sabia. Agora não mais. VHM , assim como JGM E MB o fizeram com mastria.

Não é por menos que o romance ganhou a sexta edição do Prêmio Literário José Saramago em 2007 e prefácio dele datado da entrega do prêmio com definição impecável:
"Este livro é um tsunami. Um tsunami linguístico, estilístico, semântico, sintáctico.Um tsunami num sentido não destrutivo mas pelo ímpeto e força."
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regifreitas 22/05/2016

Um livro forte, incômodo, com uma linguagem poética elaborada, misto de José Saramago e Guimarães Rosa, assim é 'o remorso de baltazar serapião', de valter hugo mãe. É um livro difícil, tanto pela elaboração formal da linguagem quanto pela própria temática, mas sem dúvida é uma obra com vocação para releituras. Uma primeira leitura só consegue arranhar toda a complexidade da invenção empreendida pelo autor.
ElisaCazorla 22/05/2016minha estante
Jamais seria capaz de reler este livro. Levei dias para tirar de minha mente aquelas imagens terríveis. Um livro difícil demais para mim.


regifreitas 22/05/2016minha estante
realmente é um livro pesado, Elisa. uma releitura só daqui uns anos! tenho os outros do autor ainda na fila que quero ler antes de voltar a este!


ElisaCazorla 22/05/2016minha estante
Meu favorito dele é O Filho de Mil Homens. Espero que goste =]




Paula 02/09/2012

A mulher e o reino
A cada dia passo a admirar mais esse escritor que realmente merece todo o reconhecimento que tem recebido. Foi com esse livro que Valter Hugo Mãe ganhou o Prêmio José Saramago em 2007 e é, sem dúvida, um desses livros que lemos sem parar, coração na mão.

A linguagem, sempre muito poética, requer desde as primeiras páginas toda a nossa concentração. E conseguir manter o leitor vidrado por várias páginas não é tarefa fácil, mas nem sentimos o tempo passar durante a leitura. O texto, tão bem elaborado, já fala por si. O livro, no entanto, nos surpreende também pela história, com personagens intensos que nos chocam por sua forma de amar (ou não amar). É um livro que nos faz pensar muito pela crítica tão bem feita que faz sobre a violência contra a mulher, infelizmente ainda tão comum nos dias de hoje. Provocou em mim as mais diversas emoções, e quando um livro fica sendo digerido por tantos dias depois da leitura é que lhe dou ainda mais valor. Desisnquieta, instiga, transforma. Já não somos mais os mesmos depois de viajar por suas páginas.
Seul ☯ 18/03/2013minha estante
Olá, Paula!
Então, não consigo captar por que Baltazar Serapião é enquadrado por muitos como um personagem complexo. Lendo a tua resenha, há um momento em que dizes: "por sua forma de amar (ou não amar)...". Não cabe nesta obra "o não amar". Serapião dá mostras claras do quanto ama sua Ermesinda. O fato de "educá-la" - assim como presenciou o seu pai, Afonso, educando sua mãe -, faz com que muitos questionem este amor todo. Quando o narrador tenta deixar claro, desde as primeiras linhas, ser tal tomada de atitude natural na época.
Também gostei muito do livro. O recurso utilizado pelo autor, quase "a la Saramago", é sensacional. E este é um grande livro, sem dúvidas. Só questiono sua resenha porque não consegui entender este ponto tão ressaltado pelos leitores: "Serapião é uma figura complexa, pois ama Ermesinda mas não abdica de maltratá-la", quando o termo "maltratar" não cabe à narrativa.


Paula 18/03/2013minha estante
Oi, Seul!
Obrigada pelo seu comentário em minha resenha. É interessante quando se abre uma porta para o diálogo, ainda que nossas opiniões sejam diferentes.
Entendo que cada leitura é uma leitura de mundo e respeito sua versão, ainda que não concorde com ela. Ao meu ver, esta não é uma história de amor e o maltratar perpassa o livro inteiro. Valter Hugo Mãe critica de forma brilhante a atitude dos homens machistas, do nosso tempo e do tempo do livro, de agredir as mulheres, tentar "educá-las", como você diz, como se fôssemos meros objetos, feitos unicamente para serem contemplados. O que Baltazar (e muitos dos homens que agridem suas parceiras) chama de amor, é o que eles pensam ser o amor. Mas amor não machuca, não maltrata, não desrespeita, não silencia, não tira o brilho, nem a vida.
É um personagem complexo, porque é imensamente real, mas em momento algum do livro senti ternura pelo que ele diz ser amor. Isso não é amor.
Achei a crítica do Valter incrível; sutil e ao mesmo tempo extremamente realista, chega nos dói em alguns momentos. Ele não precisa dizer abertamente que Baltazar está errado pela violência com que destrói Ermesinda. Basta contar e descrever como ele age e como ela vai definhando durante toda a história e toda a crueldade desse "amor" fica evidente. Não percebeu que as mulheres da história não tem voz? Que a Ermesinda nunca diz nada? A história é contada unicamente sob o ponto de vista de Baltazar, o ponto de vista dos homens que ainda justificam a violência contra a mulher como "amor".
Doeu demais ler essa história, mas acho que ela faz pensar muito. E se fizer os homens pensarem a respeito e parar para refletir o que fazem, achando que é amor, já valeu a pena.
um abraço,
Paula


Seul ☯ 19/03/2013minha estante
Hey, Paula!
...
Pois, o que questiono é justamente isto. A interpretação do enredo está sendo trazida para os tempos atuais, quando - mesmo tendo sido escrito no séc. XXI - não retrata o nosso tempo. Não precisa ser um historiador para saber que no medievo a mulher era tratada como sendo "terceira pessoa depois de ninguém". As mulheres não tinham valor algum. Isso não sou eu quem está dizendo; desde o momento em que a sociedade passou a ser patriarcal, aquelas não estiveram em um patamar de igualdade com os homens. Não. Elas eram tidas como seres inferiores. A meu ver, é isto o que Mãe quer passar. Porque, se ele escreve um enredo situado na época em questão, e faz com que Baltazar tenha a consciência de hoje, o romance pecaria por anacronismo.
Partindo para dom Afonso, que é um sr. feudal. Por que Serapião tinha de ceder, mesmo contra a sua vontade, as visitas de sua esposa a ele? Porque aquele era subserviente a este - dependia da sua terra para sobreviver etc. Logo, temos que Baltazar Serapião é fruto do meio em que está inserido, e este ditava que os mais "fracos" (de menor importância) tinham de ceder aos mais "fortes" (de maior importância).




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