Carlos.Santos 02/02/2018
UMA MULHER DO SÉCULO XX
Confesso: tenho vergonha de só ter descoberto Tina Modotti agora. E sinto mais vergonha ainda dessa fascinante mulher ser pouco conhecida. Contudo, graças a indicação da minha namorada (valeu amor!) e do ótimo trabalho de pesquisa do quadrinista espanhol Ángel de la Calle, tive o prazer de acompanhar a narrativa da história de vida de Tina, marcada pela luta por suas crenças. Verdadeiramente uma mulher de coragem.
Tina nasceu em 1896, era italiana e imigrou, ainda adolescente, para os EUA, onde jovem chegou a trabalhar em produções B de Hollywood. Lá conheceu um importante fotografo, foi sua modelo e discípula e tornou-se um dos principais nomes da fotografia. Partiu então para o México afim de retratar a revolução e o povo latino e lá acabou por se envolver com o movimento comunista. Por onde passava despertava paixões, no entanto, nunca se apegou a própria beleza, sempre deixando claro seu interesse em participar ativamente do caldeirão efervescente de ideias revolucionárias da época, capitaneadas pela URSS.
O traço de Ángel não é dos melhores. Por vezes seus enquadramentos são confusos mas nada que chegue a comprometer o trabalho. O mais importante aqui é a pesquisa hercúlea cuja narrativa se divide entre a vida de Modotti e a do próprio Àngel em momentos chave da busca por informações. Tina, no México, viveu entre intelectuais, revolucionários e o povo, teve um caso de amor tórrido com Julio Antonio Mella - revolucionário cubano fundador do partido comunista da Ilha - cujo assassinato presenciou, porém de forma misteriosa, já que ela não viu quem foi o atirador. Em tempo: os tiros foram a queima roupa e ela estado ao lado de Julio (!?). Depois dessa trágica perda, partiu para a Alemanha, onde, filiada ao partido comunista, participou ativamente da ajuda na proteção aos perseguidos políticos. Também esteve por um bom tempo em Moscou e trabalhou para a KGB - lá ela conheceu Luis Carlos Prestes e Olga Benario, de quem se tornou amiga. Inquieta, seguiu para a Espanha, onde Franco já mexia os pauzinhos para dar o Golpe de Estado, e foi deveras importante ao longo da guerra civil. Abandonou de vez a fotografia em troca do seu ideal e pelo menos aqui, nesse retrato em quadrinhos, nunca titubeou nesse sentido. Crítica do "revolução de acadêmia", por diversas vezes rompe com amigos da esquerda pequeno-burguesa, sempre mantendo seu foco em ajudar os mais necessitados e fomentar a luta de classes.
Morreu misteriosamente, no México, em 1942, de ataque cardíaco, numa noite fria, dentro de um táxi, após deixar uma festa de Pablo Neruda. Teria sido envenenada? É provável que sim, pois na época havia uma tremenda paranoia e desconfiança mútua entre trotskistas e stalinistas e Tina sabia de muita coisa. Ángel não tenta decifrar esse mistério e cabe a nós, leitores, imaginarmos o que realmente aconteceu.
Ángel de la Calle demorou quinze anos para terminar essa biografia, não só para homenagear Tina - o que ele fez com louvor, como para também celebrar as diversas formas de arte, como o cinema, a fotografia, a pintura, a literatura - nem os romances noir são esquecidos - e os próprios quadrinhos, onde o autor volta-se ao mainstream e retrata um devaneio - numa passagem de extremo bom humor - onde vemos um coroa Clark Kent (Já que o Super não envelhece como os humanos) stalinista as turras com um velho e senil Bruce Wayne trotskista.
Nesses tempos de feminismo em alta, Tina Modotti é o exemplo de mulher que soube explorar sua feminilidade por completo. Sexualmente bem resolvida, forte, politizada, apaixonada e apaixonante, ela é a síntese de mulher a ser seguida. Obrigado, Tina.