Regis 25/03/2024
Fui completamente impactada por toda dor contida nesse livro
Enterrem meu Coração na Curva do Rio (Bury My Heart at Wounded Knee), de Dee Brown foi lançado em 1970 chegando um ano depois à lista de best-seller ao revelar a verdadeira face da colonização dos Estados Unidos fazendo um revisão, tardia, da "epopéia" da conquista do Oeste ao contar a história da chegada dos "pioneiros", através dos relatos dos próprios nativos americanos que tiveram sua cultura e civilização destruídas com incrível violência pela cobiça, preconceito e o ódio do homem branco.
Dee Brown é um bibliotecário de profissão e foi uma das maiores autoridades na História do Oeste Americano (ele faleceu em 2002). Ele passou dois anos fezendo uma extensa pesquisa dos relatos de reuniões de assinatura de contratos, de massacres e histórias tribais para escrever esse livro.
A narração é dividida em quatorze capítulos onde o autor nos apresenta relatos marcantes de massacres sistemáticos de povos que se apresentaram aos colonizadores, desde o primeiro contato, com suavidade, polidez e passividade sendo imediatamente interpretados como fracos: ocasionando toda mazela, destruição e carnificina que acabou por dizimar aldeias inteiras, das quais não sobrou, quase, nenhum vestígio.
"Onde estão hoje os Pequots? Onde estão os ragansetts, os moicanos, os pokanokets e muitas outras tribos outrora poderosos de nosso povo?..."
O primeiro capítulo "Suas Maneiras são Decentes e Elogiáveis" traz uma sucessão de informações sobre várias aldeias e inúmeros líderes que surgiram e pereceram, primeiramente, nas mãos dos espanhóis, depois, do governo das colônias e, posteriormente, dos Estados Unidos durante a extenuante luta dos habitantes originais do Oeste Americano pelo direito de existir e permanecer na terra onde sempre pertenceram.
Vários desses chefes, dos povos originários, foram obrigados a travar batalha após batalha e assinar tratado após tratado, cedendo suas ricas terras até que não houvesse mais nada a ceder e foram, junto com o que sobrou de seu povo, arrastados e mantidos em reservas diminutas onde eram obrigados a passar fome, adoecer e morrer sob o julgo dos inspetores da Agência índia e do comissário de Assuntos índios (homens gananciosos e inescrupulosos que desviavam o pouco recurso disponibilizado pelo governo para as parcas rações distribuídas aos nativos) ou fugir e morrer em perseguições implacáveis do exército de Casacos Azuis.
O livro possui passagens tétricas e muito tristes tornando a leitura desafiadora e, por vezes, exaustiva. A forma como vários acordos foram assinados e promessas foram feitas, incontáveis vezes pelo governo, só para, em um curto período, serem descumpridas e a culpa desse descumprimento ser jogada nas costas dos povos originários, deixando-os confusos e perdidos, é angustiante e revoltante de presenciar. A cada vez que isso acontecia eu queria gritar diante de tanta malícia, mentira e enganação.
Muitos foram os relatos dos soldados e comandantes que viam os nativos como menos que animais, desumanizando-os completamente para justificar os ataques descabidos e violentos. Houveram ataques dos Casacos Azuis onde mulheres foram estupradas, tiveram suas genitálias arrancadas, para serem usadas nos chapéus dos soldados como adereços; crianças foram mortas e outras sequestradas e vendidas no México, em busca de lucros; guerreiros foram executados, escalpelados e seus líderes decapitados e descarnados, para que seus crânios também fossem comercializados.
Muitos dos relatos dessas batalhas brutais me atingiram de forma visceral perturbando meus sentidos e abalando completamente minha percepção da capacidade humana para a crueldade.
Na introdução o próprio autor diz que esse não é um livro alegre e concordo plenamente... o livro relata o funesto período de uma civilização que quase desapareceu da face da terra e que pela primeira vez está tendo sua história contada segundo suas vítimas e, sempre que possível, usando suas palavras: sem aqueles velhos esteriótipos que costumam descrevê-los como selvagens impiedosos.
Enterrem meu Coração na Curva do Rio mudou a opinião pública fazendo as atenções se voltarem para os povos originários, na época de sua publicação, alterando a forma como eles sempre foram retratados pelo cinema e outras mídias assim como a maneira que sempre foram vistos pela história e por todos os grandes mitos do Oeste Americano.
Esse foi um livro extremamente difícil de ler, mas considero que também foi extremamente importante ter feito essa leitura. O trabalho de Dee Brown nos possibilita conhecer o outro lado da história, não apenas a visão dos vencedores. A pesquisa do autor foi muito bem feita e sua escrita consegue transmitir toda a intensidade que os relatos exigem.
A única reclamação que tenho é quanto a falta de linearidade: às vezes o autor abandona um assunto passando para outro, uma década adiante, depois retoma o assunto anterior, regredindo no tempo, causando uma certa confusão no leitor com nomes e datas.
Fiz essa leitura por indicação de um amigo e tenho que agradecê-lo por ter me recomendado essa obra tão importante.
Obrigada, Gil.
Enterrem meu Coração na Curva do Rio é carregado de emoção ao revelar o extermínio dos nativos americanos entre 1860 e 1890; impactando, emocionando e chocando profundamente o leitor com os relatos do horror desse período vergonhoso da história da formação dos Estados Unidos.
Recomendo.