gleicepcouto 23/06/2011Anjos, demônios e tudo mais o que a moda permitirPor Gleice Couto
A escritora americana J R Ward já é conhecida pela série Irmandade da Adaga Negra, uma história com vampiros sangrentos e sensuais, que estão em guerra com os humanos. A série, que atualmente está no 9º volume, é um best-seller no The New York Times, com mais de 3 milhões de exemplares vendidos em todo o mundo, e tem leitoras fiéis - completamente apaixonadas pelos mortos vivos e suas, ham, digamos, habilidades sexuais.
A série Fallen Angels, lançada pela editora Universo dos Livros, traz o mesmo clima sobrenatural, mas dessa vez sem vampiros e sim, anjos e demônios. Somos apresentados a figura de Jim Heron, um cara durão com um passado sombrio e, possivelmente, repleto de crimes. Sua vida, por ironia, muda quando ele morre e se transforma em um anjo caído. A partir de então, é selecionado para pesar a balança do bem e do mal, em uma guerra cósmica e velada que acontecia pelo domínio da terra. Até porque, tanto para os anjos quanto para os demônios, Jim era a opção ideal, já que era neutro, ou seja, em seu interior havia bondade e maldade em doses iguais. E como Jim se encaixava nisso tudo? Simples. Seria mandado de volta para a Terra com a tarefa de salvar sete pessoas dos sete pecados capitais. Se ele falhasse, bem... A humanidade ficaria eternamente condenada, à mercê de forças malignas.
Na primeira missão, mostrada no livro Cobiça, Jim tem que ajudar Vin diPietro, um empresário bem sucedido, que, ao que tudo indica, fez um pacto com o mal para conseguir formar um império imobiliário em meio a muitas tramóias com o fisco e outras atitudes não lícitas. Vin é o típico homem que dá valor à sua riqueza e tudo o que ela pode lhe proporcionar, até mesmo mulher(es), incluindo a sua namorada, a modelo Divina.
Essa postura começa a mudar quando o empresário conhece Marie-Terese, uma mãe solteira que foge do passado e do ex-marido, que já seqüestrou seu filho. No presente, sua fuga continua, mas desta vez por não aceitar sua atual vida, levando a se confessar ao padre diariamente. É exatamente nesse ponto, que um fato do passado de Vin ressurge, reivindicando o que é seu de direito. Então, tudo o que resta ao empresário, além da bela Marie-Terese com quem se apaixona a primeira vista, é acreditar no desconhecido Jim, que afirma que está ali para salvar a sua alma e, de brinde, garantir seu futuro ao lado de Marie.
Quando li a sinopse do livro, achei a ideia bacana. Tá certo que, atualmente, esse lance de anjos e afins não é muito original, mas o enredo prometia. A questão é que nem sempre de um bom tema, nasce uma boa história. J R Ward transformou uma ideia promissora em um amaranhado de situações mal amarradas.
Enquanto lia, uma pergunta ecoava em minha cabeça ..."Onde esse livro vai parar?" Essa curiosidade pela mente fértil (repare que não disse criativa) da autora do livro, me impeliu a lê-lo rápido. Isso, entretanto, nada tinha a ver com estar gostando. No livro tem de (quase) tudo. Tem anjos, demônios, mediunidade, rituais de magia, prostituta querendo se redimir, magnata frio que do nada fica amoroso, marceneiro gatão. Estava vendo a hora de aparecer uns lobisomens e vampiros pra festa ficar completa. O livro é uma suruba de assuntos e, a certa altura, pensei seriamente que corria o risco de engravidar.
Mas no meio dessa salada mista dá pra salvar algumas cenas, e também partes do argumento. Os amigos de Jim são os responsáveis por grande porção desse êxito: Adrian e Eddie são diferentes um do outro, mas se completam, formando uma dupla engraçada e competente. Já a amizade de Vin e Jim, apesar do inicio supersônico, é divertida de se ver, ainda mais quando os dois se metem em brigas e armações juntos. Outro destaque é para o modo interessante de como a autora fez as vidas de todos os personagens se cruzarem - exceto a de Vin diPietro e Marie-Terese que foi bem clichê.
Em relação à narrativa, J R Ward acertou em fazê-la na 3ª pessoa, mas tentando trazer o leitor para perto. O fato da autora, em cada capítulo ou fragmento dele, intercalar o olhar do leitor pelos personagens Vim, Jim e Marie também ficou bom - ela só precisava ter um pouco mais de cuidado, pois na narrativa da perspectiva de Jim e Vin, você não consegue apontar as diferenças de um e outro.
Esse é o grande problema do livro. Os personagens são superficiais, com personalidades pouco desenvolvidas e definidas. O anjo e o empresário, por vezes, parecem ser a mesma pessoa. Jim é até legal, mas não aparenta ser o cara certo para a missão, não consegui identificar os 50% de bondade e os 50% de maldade nele. Tá certo, ele tem um passado meio nebuloso de mortes e tudo, que ainda não é explicado completamente nessa história, mas não sei. E a sua porção boa? Será que é porque ele entra em conflito moral e ético quando o assunto é mulher? Ou então porque é cheio de cuidados com o seu cão Cachorro (confesso que gostei do nome e relação dele com o animal de estimação)? Bondade se resume a isso pra autora? Tratar uma mulher bem e fazer carinho na cabeça de um bichinho?
Quanto a Vin, ele começa a história passando a ideia de um homem frio, de poucas palavras. Ok, ele estava convencendo até. Mas aí 'esbarra' com Jim, e a relação de desconfiança, vira uma amizade de anos em poucas horas, fazendo com que, inclusive, ajam e pensem quase igual. Aí, Vin também encontra uma mulher e num piscar de olhos vira um bobão de quatro, apaixonado. Aliás, o romance de diPietro com Marie não decola. Nem as cenas de sexo (uma mistura de livros de Banca de Jornal com monólogos filosóficos) convencem ninguém. Talvez, se o casal funcionasse, a história fosse melhor.
Sobre a parte física do livro, a editora Universo dos Livros fez seu trabalho direitinho. Capa interessante (e mais bonita que a versão norte-americana) de Zuleika Iamashita, e poucos erros de português e digitação (revisão de Felipe Vieira). Sobre a tradução, a cargo de Carolina Curassá Rosa, que fiquei um pouco na dúvida. Encontrei algumas sentenças e parágrafos mal elaborados – onde não consegui identificar se era questão de tradução mesmo ou se J R Ward escreveu de modo confuso no original.
Em todo caso, o livro é mediano e o fato de ser despretensioso, ajuda – mas até certo ponto. Quando o terminei, fiquei pensando... Encontrei tanta a cobiça no anjo caído Jim, quanto no figurão endinheirado que ele tinha que salvar a alma, Vin – só que cada um deles com objetivo final diferente. Será que foi proposital? Espero que sim. Gosto de pensar que, além do intento maior de não deixar o mundo nas mãos do mal, essas missões sejam também viagens de descobertas para o próprio Jim. Afinal, a luta interna entre pecado e redenção está em cada um de nós, meros mortais – não apenas limitada a capitalistas ou prostitutas ou anjos. A série faria mais sentido e, ao menos, teria um motivo plausível para ter sido lançada, e não somente entreter jovens com uma miscelânea de assuntos da moda ao longo de 7 volumes.
O 2º livro da série, Desejo, foi lançado no Brasil no final de Maio deste ano e, Envy, o terceiro volume, será lançado nos Estados Unidos no mês de Setembro.