Alê Xenite 20/09/2011Incrivelmente chato Recebi este exemplar na minha casa com as maiores expectativas. Há tempos não possuía um romance infanto-juvenil em minhas mãos, ainda mais sendo resultado do trabalho de uma jovem autora brasileira. Contudo, fui a cada página sendo tragado por um mundo que de "incrível" nada possui.
Desde antes de iniciar a leitura, tomei consciência de que se tratava de uma obra destinada a crianças e recém saídos da infância, e por tal razão, abdiquei-me de julgamentos sensacionalistas ou descabidos para a situação – afinal, este ramo literário pode sempre buscar enviar uma mensagem positiva aos gurizotes das bibliotecas, mas no fim das contas, essas obras existem, em suma, para fazer parte do infindável universo das brincadeiras de criança. O problema teve início quando, ao explorar as páginas do primeiro capítulo, pensei: "eu não daria esse livro para minha afilhadinha".
Primeiro, fiquei surpreso com a ausência de um revisor na edição. Na ficha editorial, consta o seguinte: "Revisão: XXXXXXXX". Assim mesmo, oito "X", seja escondendo algum tímido profissional que teve consciência do trabalho mal realizado, ou declarando a displicência da editora para a obra de Janda Montenegro. As letras são absurdamente grandes, e para um livro que fala sobre poluição e descaso dos adultos com o planeta, considero grande desperdício de folhas, com uma trama arrastada em 9 capítulos e um epílogo que só serviu para provar que a história é digna de uma mirabolância para ser esquecida em uma noite mal dormida. Por falar nos capítulos, para um livro infanto-juvenil (e bota 'infanto' nisso – me passem uma 'Turma da Mônica' agora!), os capítulos são imensos, cansativos, repetitivos, ilustrando a falta de movimentação que uma aventura nos faz esperar.
A "incrível jornada" tem ponto de partida em uma feira de livros em São Paulo, aonde nosso "herói", Luiz Henrique, aguarda a mãe em uma entrevista de emprego sentado em um pufe branco. Cansado, o menino de 7 anos resolve desbravar a feira literária através da multidão, enquanto uma chuva bíblica se arma nos céus e despenca na capital, causando um fuzuê que acaba por derrubar um estande em cima de Luiz Henrique. Desnorteado e assustado, o garoto fica surpreso com a aparição deste homem sem rosto, que lhe entrega uma espécie de envelope branco... e desaparece. Após lutar contra as forças aquáticas – sim, pois um dilúvio de apavorar Noé toma conta da cidade –, Luiz aparentemente se afoga e vai parar no tal Incrível Mundo do Senhor da Chuva – e por "incrível" que pareça, o nome daquele lugar é realmente esse. Senhoria da humildade...
Lá chegando, a criança mais vazia de personalidade que já vi em qualquer livro que li na vida descobre que o dono do lugar, o tal Senhor da Chuva, precisa recuperar sua máscara, pois tem vergonha da cara feia que tem (é tudo o que me lembro da lenga-lenga que a Mamãe Ganso – não é Pata, a autora fez questão de frisar porque parece ser muito engraçado confundir pato com ganso... – contou ao relatar a lenda do Senhor Chorão). Triste também pelas maldades do ser humano começarem a afetar o mundo "onde tudo é possível", o Senhor chora irresoluto, causando então o dilúvio do mal em São Paulo. A brilhante ideia do Senhor da Chuva foi dar a arma mais inventiva do universo ao menino mais bolônio da Terra. O tal envelope pode virar tudo o que seu dono quiser, mas Luiz Henrique passa o livro todo quase sem usá-lo. Os personagens secundários se contam nos dedos, um mais ridículo e forçado que o outro, pra história de criança botar defeito, sim! Os furos da trama espalham-se como nuvens carregadas em um céu tempestuoso de criatividade pobremente desenvolvida em literatura. Há pouquíssimos momentos promissores, aqueles que você respira mais profundamente e reflete um bocadinho, mas são raros, respingos de chuva de um verão que não chega. Em um mundo das infinitas possibilidades, onde tudo pode acontecer, é extremamente decepcionante não ver nada de novo, que nos faça sorrir por dentro, que nos faça acreditar no improvável.
É um dilúvio de grandes ideias mal aproveitadas, infinitas possibilidades não exploradas. E ainda se trata de uma trilogia, ou seja... mais dois volumes lamacentos a caminho! No caldeirão de invenções de Montenegro, aparentemente o conteúdo a ser graciosamente diluído acabou transbordando e esparramando-se nas poças de boas intenções. Que é só o que o livro consegue transmitir. Espanto-me ao descobrir que a autora costuma resenhar os livros que lê em seu perfil do Skoob (http://www.skoob.com.br/estante/resenhas/14238), criticando os mesmos estereótipos vazios alheios que ganham vida breve em sua escrita.
Jamais esperei uma aspiradora a Rowling brasileira. Fico triste ao redigir tal declaração a respeito de uma obra de alguém que certamente batalhou para lançar seu livro no mercado, sonho de tantos... meu sonho! E talvez por isso me cale agora, mas hei de convir: de um livro dirigido ao meu coração de guri, explicitando incredibilidade no título... quase torrencio uma chuva de lágrimas sobre tantas páginas nada além de banais, que escorrem pra todos os lados e pra lugar nenhum, sem carisma, sem ousadia... sem infância.