jonatas.brito 25/03/2017
Por que ler adaptações?
Assim que li sua sinopse, eu – voraz consumidor de literatura clássica – não hesitei em lê-lo imediatamente. Publicado originalmente em 1749 pelo escritor inglês Henry Fielding (1707 – 1754), Tom Jones tem lugar de destaque na história da literatura inglesa por ser considerado o primeiro romance moderno. Nele é narrado, com finos traços de jocosidade, as peripécias, aventuras e desventuras do jovem Tom Jones, desde o seu nascimento à sua juventude.
Encontrado ainda bebê nos aposentos do Sr. Allworthy – um grande proprietário de terras, rico, porém viúvo e sem filhos – Tom Jones é acolhido, adotado e tratado como filho pelo mesmo. Embora sabendo desde o início quem seja sua mãe, a identidade do pai de Jones mantém-se incógnito durante toda a leitura, sendo revelado apenas nos parágrafos finais da trama. Desde pequeno e por inúmeras razões, Jones conquista a admiração e o ódio de diversas pessoas. O Sr. Allworthy possui um sobrinho, Master Blifil que, mesmo tendo crescido junto com Jones, torna-se seu principal oponente. Vizinho à propriedade do Sr. Allworthy mora o Sr. Western, este possui uma filha chamada Sofia, da qual Jones apaixona-se perdidamente, porém a mesma é prometida pelo pai para casar-se com Blifil. Embora as aventuras tardem a começar, dá-se início quando, através da influência de Master Blifil sobre seu tio, Tom Jones é expulso de casa. Com sua evasão e a fim de evitar um casamento contra sua vontade, Sofia foge de casa e aventura-se ao encalço de Jones. Nisto, basicamente, se concentra toda a ação do livro.
O protagonista, infelizmente, não atraiu minha empatia. Tom Jones, embora inúmeras vezes declare seu amor por Sofia, é definitivamente um cafajeste. Entre encontros e desencontros, ele envolve-se com outras mulheres e isto motiva várias reviravoltas na história. Na verdade, todos os personagens são retratados com superficialidade a ponto de o único sentimento a ser nutrido pelo leitor é de indiferença. A única exceção, talvez, seja o personagem Partridge, o fiel companheiro de Jones. Sua fina ironia e as altas doses de filosofia, de fato, enriqueceram a narrativa. Outros pontos negativos se devem à excessiva credulidade dos personagens. Foi até ofensivo, para mim como leitor, constatar que atitudes extremas dos personagens eram tomadas com base apenas em fofocas infundadas e sem nenhum inquérito. Além de várias e improváveis coincidências claramente forçadas com o fim de dar mais sustança à trama. Um ponto positivo a ser destacado é a constante interação do narrador com o leitor. Para quem é fã de Machado de Assis, identificará facilmente as semelhanças. Durante a leitura, temos a sensação de estarmos sentados à mesa ouvindo a história da boca do próprio autor.
Mesmo não sendo cativado pela história, tornou-se muito difícil para eu avaliá-la. Explico: o livro em questão não é a obra integral do autor, mas sim, uma adaptação feita séculos depois pela também escritora Clarice Lispector, direcionada para o público jovem. Isto levou-me a levantar vários questionamentos acerca do real efeito das adaptações literárias na literatura (embora pareça redundante, objetivo apenas excluir as adaptações literárias para o teatro ou cinema, por exemplo). Ainda que sua causa seja nobre, ou seja, de apresentar e atrair a atenção de jovens leitores à leitura de obras clássicas, o ato de adaptá-las, de certa forma, agride a obra original por ter que, forçosamente, suprimi-la; alterando assim seu sentido e sua mensagem e tornando-a, portanto, mais pobre. O livro escrito originalmente por Fielding possui mais de 800 páginas, enquanto sua adaptação dispõe de um pouco mais de 300. Eis algumas indagações que fiz ao findar da leitura:
. Por não ter me identificado com a adaptação, isso anula o original de minhas futuras leituras? Seria injusto ao autor caso a resposta fosse afirmativa.
. Porém, ainda terei interesse em ler a obra integral sendo que minha experiência com sua adaptação não foi positiva? Possivelmente, não.
. A adaptação literária de uma obra clássica tem a probabilidade maior de atrair ou de afastar o público jovem?
Enfim, sei que não sou um crítico literário, mas sou um leitor crítico. De qualquer forma, os questionamentos são válidos, porém inconclusivos. Por tratar-se de um assunto amplo e polêmico, trataremos dele numa outra oportunidade.
site: http://garimpoliterario.wordpress.com/2017/02/27/resenha-tom-jones-henry-fielding-adaptacao-clarice-lispector/