Assembleia Estelar

Assembleia Estelar Roberto de Sousa Causo...




Resenhas - Assembleia Estelar


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Davenir - Diário de Anarres 01/05/2019

Coleção inconsistente mas com ótimos achados
"Assembléia Estelar: Histórias de Ficção Científica Política" é uma coletânea de contos de FC que abordam a política em algum nível. São contos selecionados pelo editor somados a contos estrangeiros que foram traduzidos, então ao lado de conhecidos nomes nacionais, como Roberto de Sousa Causo, André Carneiro e Carlos Orsi, temos Úrsula Le Guin, Orson Scott Card e Bruce Sterling. O organizador não tem nenhum conto no livro, mas sua introdução já é um artigo que faz um belo apanhado histórico da relação da Ficção Científica com a Política, resgatando o termo e as obras relacionadas a Utopias, passando pelas distopias incluindo as obras brasileiras. Contudo, as breves análises para justificar algumas obras (posso falar apenas das que li) são bastante falhas, como por exemplo resumir Fundação a uma defesa da democracia quando na verdade Asimov abertamente se inspirou num livro que narra a queda do Império Romano e a própria Fundação não tem nada de democrática. Os contos contam com uma breve biografia do autor e um breve resumo do conto que vamos ler e também são bem estranhos, algum equivocados e até desnecessariamente provocativos, afinal se o editor não gosta de um espectro político, poderia escrever artigo ou um conto, e não usar aquele espaço antes de cada conto para isso. Acho que prejudica a coletânea mas os contos continuam valendo por si e temos alguns muito bons, outros nem tanto o que deixa o total bastante irregular e, sinceramente, alguns contos sobraram e poderiam ter ficado de fora para deixar o livro mais enxuto.

Acabei invertendo a ordem que sempre faço, falando do livro em geral antes dos contos de forma individual, então vamos aos comentários conto a conto:

A queda de Roma antes da telenovela (Luis Filipe Silva): Conto curto que mostra um futuro onde as decisões políticas do parlamento são completamente integradas a televisão num sistema online, parecido com um reality show. Nesse mundo Idílio, uma espécie de presidente da assembléia, trava diálogos sobre o funcionamento da democracia com Morais, um parlamentar a moda antiga. O contraponto de Moraes, como personagem é entre um regime tecnocrata, tão atendo as coisas miúdas que faz perder o foco de grandes realizações. A história tente mais a reflexão do que para a ação.

Anauê (Roberval Barcellos): Conto de um subgênero que gosto muito: História Alternativa. Aqui temos um Brasil de 1980 que é governado pelos integralistas quando derrubaram Getúlio Vargas em 1938, e se aliaram aos nazistas. Infelizmente aqui, temos uma realidade alternativa bem construída mas mal justificada pela forma que o integralismo muda o Brasil. A adoção do Tupi-guarani como língua oficial é até aceitável mas o quase abolimento do uso do português não mesmo, mas o que mais incomoda é a questão racial dos judeus trazer tanta indignação aos integralistas (aliados de nazis), uma vez que existe uma longa tradição de germanófilos no integralismo. Sobre bases tão frágeis a história toda descamba para a ingenuidade, inclusive ressaltando defeitos como a construção dos diálogos e das cenas decisivas que ficaram pobres.

Gabinete blindado (André Carneiro): Membro de um grupo de resistência narra suas lembranças de forma fragmentada e intuitiva. A narração em primeira pessoa traz uma forma intimista que ajuda a dar forma mas o conto sofre pela falta de informação que nos deixa um pouco perdido em meio as reflexões. A introdução do conto, escrita pelo organizador, resume a história de forma bem impertinente o que influi na apreciação da história.

Trunfo de Campanha (Roberto de Sousa Causo): Noveleta inserida no mundo de Space Opera criado pelo autor, já publicada em mais de um livro e contos. O personagem principal é Jonas Peregrino combatente de elite que se vê envolvido em uma trama política quando recebe um convite de um proeminente político em ascensão, em um período de mudanças num pós-guerra contra uma raça alienígena. A trama que coloca o protagonista no jogo político é explicada demais, e explicar tantas coisas desse mundo não deveria ser função de um conto nem de uma noveleta, e sim instigar o leitor a buscar mais e esse algo a mais está disponível inclusive no site do autor. Outra coisa que atrapalha a apreciação é que Peregrino não apresenta conflito em praticamente nenhum momento do conto ao contrário de Fátima Feldman, a femme fatale clássica, e por isso a narração deveria acompanhar ela, pois ela quem se transforma ao cabo da história. Fora isso, o mundo é interessante e rico, mas gostaria de ver mais suavidade no passar de tanta informação.

Diário do cerco de Nova Iorque (Daniel Fresnot): Narrado como um diário, um escritor francês em visita a Nova York justamente em um momento de crise entre o prefeito da cidade, John Fillick e o governo federal que leva a um conflito armado. A narrativa prende o leitor com um ritmo e desenvolvimento maravilhoso que passa muita tensão e mostra o fanatismo levado a extremos.

Saara Gardens (Ataíde Tartari): Conto bastante curto sobre tramas politicas, em que um empreiteiro deseja colocar um político favorável a seu projeto imobiliário no deserto do Saara na presidência do governo global nas próximas eleições desbancando a favorita que é ambientalista. Acredito que abordagens desse tema exijam mais palavras pois o gosto dessas histórias está na complexidade que o conto não alcança, mas vale pelas referências a política brasileira.

Era de aquário (Miguel Carqueija): O conto traz um momento rotineiro de um político que vai fazer uma palestra numa universidade porém em um mundo onde assassinatos políticos e crises sociais são comuns. Conto com ritmo bom mas sem picos de emoção, vale pela reflexão por imaginar uma linha que ainda não cruzamos por aqui (ou já?!)

A evolução dos homens sem pernas (Fernando Bonassi): Conto sem diálogos, apenas descrições mas o faz de forma bem feita, pintando um quadro gradativo da evolução humana levando para um caminho bizarro numa metáfora crítica carregada de ironias. Vale a leitura pelas provocações que podem causar ao leitor e que vão bater de frente (ou não) com suas convicções políticas.

A pedra que canta (Henrique Flory): Outro conto de História Alternativa, o que me agrada bastante. Conta a história de Gabriel, uma criança doente que recebe um implante cirúrgico que o permite ver os pontos fracos de estruturas e é utilizado em uma missão de sabotagem em uma guerra do Brasil contra a Argentina. Ótimo desenvolvimento, história e personagens.

O dia antes da revolução (Ursula K. Le Guin): Noveleta conta as memórias da revolucionaria anarquista Odo no planeta Urrás, um dia antes de uma grande revolução. Essa história, se passa mais de 600 anos antes do livro clássico da autora, "Os Despossuídos" (Meu livro favorito de FC, sim o primeiro!). Além da escrita muito acima da média, característico da autora, o conto não tem momentos de ação nem picos de tensão tendendo mais a reflexão, afinal estamos nas memórias de uma idosa mesmo que seja uma idosa prestes a desencadear um evento de grandioso que levará ao exílio em Anarres mas ai já é a história do livro. No fim das contas, vale muito a leitura para quem conhece o livro, para quem não leu serve como prólogo.

O grande rio (Flávio Medeiros Jr.): Conto de ficção científica com viagem no tempo por excelência. O assassinato de John Kennedy é planejado com anos de antecedência por um Arauto do futuro em missão para salvar a humanidade de uma guerra catalclismica. História excelente, que vai acrescentando camadas de acontecimentos sem se perder e que mexe com o imaginário de conspiração que envolve o acontecimento. Gostei bastante!

O originista (Orson Scott Card): História se passa no mundo do clássico de Asimov: Fundação (Mais precisamente entre o primeiro e segundo livros), seguindo Leyel Forska, cientista de uma rica família nobre de Trantor, quando tem seu pedido de entrada na Fundação negado pelo Hari Seldon e em meio a isso Leyel realiza um estudo linguístico a respeito da origem do homem. O desenvolvimento do conto é complexo e envolvente, Card segue os passos de Asimov surpreendendo com um final maravilhoso. O conto é o mais longo do livro, contudo a escrita flui muito bem. Vai ser difícil não pensar no mundo de Fundação sem lembrar desse conto tamanha a forma com que ele se encaixa na trilogia original.

Questão de sobrevivência (Carlos Orsi): O caos social se instala na São Paulo de 2030. Doenças radioativas levam uma comunidade organizada e controlada por um partido de esquerda. Nesse mundo, um assalto a um carregamento de leite materno por um grupo de resistência mostra o lado mais triste dessa realidade. Gostei do conto ser embebido de cyberpunk puxado muito mais para o lado "punk" do que "cyber", pois foca no aspecto mais social e cruel de um futuro distópico e caótico.

Vemos as coisas de modo diferente (Bruce Sterling): Resenhado nessa postagem do blog. Que este fim abrupto fique como um convite a explorar mais o blog. http://wilburdcontos.blogspot.com

site: http://wilburdcontos.blogspot.com/2019/02/resenha-87-assembleia-estelar-historias.html
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Robson 20/05/2012

Gosto de política... porém, não sou nenhum político!!!
As sociedades foram individualizadas.


Em vez de se pensar em termos de qual comunidade se pertence, a qual nação se pertence, a qual movimento político se pertence etc, tendemos a redefinir o significado da vida, o propósito da vida, a felicidade na vida, para o que esta acontecendo com uma pessoa, as questões de identidade, que tem um papel tremendamente importante hoje, no mundo.


Você tem de criar sua própria identidade, você não a herda, você não apenas terá que criar uma a partir do zero, como terá que passar sua própria vida redefinindo sua identidade. Porque os estilos de vida: o que é considerado ser bom para você e ruim para você, as formas da vida atraentes e tentadoras mudam tantas vezes na sua vida. Se eu tentasse listar as coisas as que saíram de moda a este respeito, que mudaram em toda a minha vidinha pequena (25 anos, rs) eu ficaria algumas horas enrolando somente para listar todas elas.


Devo dizer que enxergo hoje alguns problemas para o funcionamento da democracia em nossa sociedade. Um deles se refere a: quais são as dimensões do divórcio entre o poder e a política? Porque, se esse for o caso, então, o Estado, a única instituição política que temos (nós não temos uma instituição política global) não tem poder suficiente para manter todas as promessas que o Estado fez ao cidadão 50 anos atrás. E essa foi a chamada "Era de Ouro" da democracia. Nos 30 anos do pós-guerra ocorreu uma proliferação e florescimento da democracia ideal. Agora, a democracia está em decadência. Cada vez menos pessoas se convencem de que seja uma coisa boa, e tem dúvidas a respeito da qualidade da democracia. Porque?


Simplesmente porque o Estado relativamente “sem poder” consegue oferecer cada vez menos aos cidadãos, isto é, o que a maioria dos Estados estão fazendo é subcontratar (leia-se terceirizar / privatizar) muitas funções que o próprio Estado deveria desempenhar. Quem sabe talvez, apareça algum gênio de verdade e invente uma democracia em escala global, em algum momento. E digo que isso seria uma solução radical, principalmente porque não acredito que a estrutura do Estado-Nação permita que ele possa seguir defendendo sozinho o futuro da democracia, pelo mesmo motivo que mencionei anteriormente.


Então, teríamos que inventar um equivalente global das invenções dos nossos antepassados. Eles inventaram a democracia de alcance nacional, parlamentos, parlamentos modernos, inventaram a jurisdição, e não leis locais, tradicionais, habituais, o direito hereditário, e sim um código de direito unificado para todo o país. Criaram toda a base do que viria a ser a democracia moderna. Se Aristóteles fosse convidado a ir a um prédio de qualquer parlamento contemporâneo (filósofo que foi o 1º a usar o conceito de democracia, digo a sua descrição como a conhecemos), provavelmente gostaria do que iria ver, porque as pessoas debatem, apresentam diferentes pontos de vista, discutem, depois votam, chegam a algum acordo. Penso que ele se sentiria em casa. Mas então, se alguém contasse a ele que isso é democracia, ele iria rir, porque a democracia que ele descreveu na Atenas antiga era representada por pessoas apenas indo ao mercado, brigando entre si e chegando a uma resolução. O que significa que a democracia é uma noção que adquire, com o tempo, na história, diferentes formas, diferentes instrumentos, diferentes estratégias. Uma coisa que tenho certeza é: se alguém inventar um equivalente global para a democracia do Estado-Nação, será sim uma democracia; mas não serão as instituições democráticas que conhecemos apenas maiores. Não serão semelhantes a essas instituições, porque essas instituições que agora chamamos de democráticas foram criadas e adaptadas as necessidades do Estado-Nação.


O indivíduo autônomo e a comunidade autônoma, só podem existir juntos. Um precisa do outro. Você não pode ser um indivíduo numa sociedade tirana, numa sociedade totalitária. Não somos realmente indivíduos. Deve haver uma cooperação mútua entre as duas autonomias. Isso é muito bonito, mas o problema vem de um lado inesperado, nesse caso. (O perigo vem de uma esfera pública: ao qual não se pode lutar, combater, impedir, etc: como muito sabiamente observado por George Orwell que diz em seu 1984: "Nós temos medo da bota de um soldado pisando em um rosto humano"). Que isso era um perigo, não resta dúvida. Já afastado e até superado, digo que uma geração já se livrou desse tipo de ameaça (). Nós realmente não temos mais medo, como acontecia há 30 ou 40 anos, circunstancias em que a individualidade seria oprimida pelos choques vindos de cima, como à polícia secreta etc. Há alguns vestígios disso, porém bastante aliviados ou mitigados por compaixão. Entretanto o perigo para tal autonomia veio de outra esfera. Da esfera do privado e do indivíduo. Uma representação da Atenas antiga, representada por Aristóteles, lugar onde a democracia foi construída, reconstruída, continuada, desenvolvida e protegida, um exemplo disso nos dias atuais, seriam os talk show na televisão. É onde as massas assistem, participam, telefonam, enviam perguntas, mensagens etc. Algo semelhante ao que se fazia na Grécia Antiga (Ágora). Ao olharmos para esse tipo de programa nos dias atuais, podemos observar que o que é discutido ali não são os nossos interesses compartilhados, não estão discutindo o bem-estar da sociedade, não estão discutindo sobre o que precisa ser feito para eliminar ou reparar os problemas que todos nós sofremos na sociedade atual. Eles apenas confessam, em última análise, os problemas privados individuais das próprias esferas que fazem parte, pura e simplesmente.


Se você deseja ter uma ideia nova, mudar ou expandir alguma outra que já possui, esse é o livro que você deve ler.


A mim, ressurgiu um conceito que há muito pretendia expressar, talvez não o tenha feito anteriormente por estar inacabado mesmo.

O Analfabeto Político
O pior analfabeto é o analfabeto político. Ele não ouve, não fala, nem participa dos acontecimentos políticos. Ele não sabe o custo de vida, o preço do feijão, do peixe, da farinha, do aluguel, do sapato e do remédio, tudo isso depende das decisões políticas.
O analfabeto político é tão burro que se orgulha e estufa o peito dizendo que é o melhor. Não sabe o imbecil que, da sua ignorância política, nasce a prostituta, o menor abandonado, e o pior de todos os bandidos, que é o político vigarista, pilantra, corrupto e lacaio, de dar esmolas do que rouba do povo, e depois diz ser do seu bolso o dinheiro, existem pessoas que vivem bem com isso e tudo bem mesmo, nada contra elas, afinal a máquina tem que funcionar, certo!!!
Mas por favor, nos permita o benefício da dúvida, pois ainda existem pessoas que gostam de um pouco de realidade, só pra variar (ainda que o seu gênero favorito e resenhado aqui seja ficção científica).




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Tibor Moricz 13/06/2011

Lido e comentado!
A coletânea Assembleia Estelar, organizada por Marcello Branco e publicada pela Editora Devir conta com 14 noveletas/contos, tem 408 páginas e seu tema está voltado à política e a tudo aquilo que a constitui e a complementa.

Comecei a leitura com grandes expectativas imaginando que o tema proposto exigiria trabalhos muito bem elaborados e necessariamente (não obrigatoriamente) hipnóticos. Não foi exatamente o que encontrei. Surpreendeu-me, sobretudo, encontrar trabalhos com pouquíssimas páginas quando uma das exigências era a de que as narrativas deveriam obedecer ao formato noveleta.

Ou faltaram trabalhos melhores e mais complexos, ou uma flexibilidade de última hora do organizador atingiu níveis estratosféricos.

Assembleia Estelar recebe um BOM pelo conjunto, embora não seja exatamente uma coletânea memorável.

A capa old-fashioned (autor: Vagner Vargas) repete o padrão apresentado por outros livros da Devir. Eu, particularmente, não gosto delas, embora reconheça a qualidade dos traços artísticos do capista. Já estava na hora da Devir se lembrar de que estamos no século XXI. Os anos 1960 ficaram para trás.

As escolhas recaíram sobre autores nacionais e estrangeiros, trazendo-nos trabalhos de Bruce Sterling, Ursula K. Le Guin e Orson Scott Card, além de Fernando Bonassi, André Carneiro, Ataíde Tartari, Henrique Flory, Daniel Fresnot, Luis Filipe Silva, Flávio Medeiros, Carlos Orsi, Miguel Carqueija, Roberto de Sousa Causo e Roberval Barcellos.

Vamos aos comentários.

• A queda de Roma antes da telenovela
Luis Filipe Silva

O que seria se cada votação de projeto de lei fosse transformada em espetáculo, transmitido em rede nacional de TV? Luis Filipe Silva fala de um futuro hipotético onde políticos perfeitamente integrados ao modus operandi da época lidam com um parlamentar cujas técnicas ainda obedecem às velhas fórmulas do século XX, nas quais os debates ainda se sobrepujam a mera análise estatística dos números. Não se trata de uma noveleta com ação e momentos de tirar o fôlego, trata-se de uma abordagem reflexiva que caminha paripasso para um final coerente. Se não arrebata, também não aborrece. MÉDIO

•Anauê
Roberval Barcellos

Trata-se de uma história alternativa onde, em 1980, o Brasil é governado por integralistas e tem a Alemanha nazista como aliada. Esperam por Hudolf Hess, que visitará o país. O autor traz à tona toda a sensação de indignidade e revolta que a política de extermínio de judeus provocou, explorando esse cenário em pleno território brasileiro. O conto começa bem, porém, na medida em que avança, vai descendo a ladeira. Há momentos inverossímeis, pouca habilidade nas cenas de ação (que são ingênuas) e um final apressado (e piegas) que foi decepcionante. RUIM

• Gabinete blindado
André Carneiro

Sabotadores se preparam para a ação enquanto uma das integrantes mergulha em reminiscências e reflexões. Poderia ser uma história bastante interessante se houvesse uma preocupação maior com a trama do que com a literariedade. Eu vivo reclamando a pouca preocupação do escritor brasileiro com a forma, mas também condeno os exageros. Nesse caso, André Carneiro chutou pra escanteio o enredo, apresentando-o de forma fragmentada, e valorizou excessivamente a qualidade técnica. Tratou-se de uma leitura arrastada e aborrecida. RUIM

•Trunfo de Campanha
Roberto de Sousa Causo

Essa noveleta fala de estratégias políticas que pretendem conferir a um único homem poder absoluto sobre o universo conhecido. Parece-se muito com um excerto, um trecho extraído de uma obra maior e mais completa — e isso a enfraquece. A preocupação em detalhar o cenário político desse universo força a narrativa a uma leitura cansativa. Não há pontos de tensão, não há ação (e quando há, não convence). Monocórdia da primeira à última linha parece ter sido escolhida para esse livro em virtude apenas do aprofundamento político que lhe é dada. O organizador ignorou qualquer necessidade de tensão. Final previsível e ingênuo. RUIM

• Diário do cerco de Nova Iorque
Daniel Fresnot

Escritor francês em visita à America do Norte assiste convulsão social onde Nova Iorque mergulha numa batalha contra o resto do país. Narrativa hipnótica, muito bem conduzida, ritmo excelente. O leitor se vê arrastado em meio à trama, ansioso pelo final. Destaque especialíssimo a Jack, o periquito. MUITO BOM

• Saara Gardens
Ataíde Tartari

Esse é o trabalho mais curto do livro. Narra tramas políticas que visam permitir a exploração do deserto do Saara num empreendimento imobiliário. Conhecido por seu estilo despojado, Ataíde Tartari explora alusões a empreiteiras e personalidades contemporâneas. O conto peca especialmente por ser muito curto. Não há desenvolvimento, não há aprofundamento, não há envolvimento. O subterrâneo e os bastidores políticos poderiam ter sido melhor explorados. Quando achamos que o conto está começando, ele termina. Sua absoluta despretensão também o enfraquece. RUIM

• Era de aquário
Miguel Carqueija

Embora seja também curto, esse conto tem um desenvolvimento mais equilibrado. Um senador se prepara para uma importante conferência numa universidade em meio a um cenário distópico e caótico, onde assassinatos e convulsões sociais são regra e não exceção. Boa condução e bom ritmo. Agradável leitura. BOM

• A evolução dos homens sem pernas
Fernando Bonassi

A história discorre com ironia e se revela uma metáfora para a ciranda evolutiva do Homem, que constrói o ambiente de acordo com as suas necessidades, até que suas necessidades sejam o ambiente que o cerca. Atraente sem ser apaixonante, o conto se descobre profético. BOM

•A pedra que canta
Henrique Flory

Uma criança doente se revela potencialmente perigosa quando tem implantado cirurgicamente um dispositivo que a permite enxergar pontos de tensão em estruturas. Será importantíssimo em uma missão de sabotagem que pretende destruir Buenos Aires. Trata-se de uma história bastante interessante, bem contada e com bom ritmo. BOM

• O dia antes da revolução
Ursula K. Le Guin

Noveleta em ritmo de reminiscências, onde a protagonista revive o passado às vésperas de uma revolução. Também como excerto, o trabalho acaba sendo linear demais, não oferecendo os pontos de tensão tão necessários para aprisionar a atenção durante a leitura. Muito bem escrito, porém. Mas basta isso? A mim, não. MÉDIO

•O grande rio
Flávio Medeiros Jr.

Trata-se, sem dúvida, do melhor trabalho dessa coletânea. O assassinato de John Kennedy é planejado muitos anos depois de sua eleição, num mundo mergulhado na guerra. Viagem no tempo, paradoxos e muita criatividade. ÓTIMO.

•O originista
Orson Scott Card

O estudo da origem e complexidade da linguagem na formação histórica do ser humano trabalhado com maestria por Card. A história está baseada na trilogia da Fundação de Asimov e os protagonistas trabalham nos subterrâneos pela formação da Segunda Fundação. Talvez uma das narrativas mais longas, mas nem por isso aborrecida. Card conduz muito bem a história conseguindo prender a atenção do leitor com rara habilidade. Por vezes me flagrei protelando a leitura com medo que ela se acabasse. MUITO BOM

• Questão de sobrevivência
Carlos Orsi

São Paulo, ano de 2030. O caos social implode a cidade, doenças misteriosas assolam a população menos favorecida, governantes não têm pruridos em dizimar massas humanas em nome da ordem. Nesse cenário extremamente caótico um grupo de resistentes toma de assalto um veículo de transporte de leite materno. Dramático e pungente. Carlos Orsi consegue com habilidade narrar uma história assustadora. BOM

•Vemos as coisas de modo diferente
Bruce Sterling

Jornalista muçulmano visita os EUA para entrevistar um político líder de uma banda de rock. Com boa condução essa história bastante interessante nos traz um mundo sociopoliticamente transformado, num tempo em que os EUA não são mais a polícia do mundo e as terras do Islã se uniram num único Califado. Profético, talvez? BOM
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Antonio Luiz 20/04/2011

Ficção científica e política, tudo a ver
Inovadora, ao menos para o Brasil, é a iniciativa da Devir Livraria de editar, em seu selo de ficção científica Pulsar, a antologia “Assembleia Estelar: histórias de ficção científica política” (408 páginas, R$ 39,90) O organizador e editor, escritor de ficção científica e cientista político Marcello Simão Branco, teve uma ótima ideia e conseguiu uma interessante seleção de textos, que inclui algumas obras-primas e cobre um amplo espectro de estilos, posturas e preocupações.

Pena que a introdução do organizador, “Afinidades Eletivas entre Ficção Científica e Política”, seja surpreendentemente parcial e superficial na discussão das temáticas e tendências das tantas obras que cita. É desconcertante que se afirme sem justificar que “‘Fundação’ realiza no fundo uma defesa da democracia em meio à ascensão dos regimes totalitários da época”. A trilogia de Isaac Asimov é a epopeia de uma organização secreta que manipula toda a Galáxia de acordo com supostas leis psico-históricas sem consultar as massas e sem deixá-las conhecer seus objetivos. Não se poderia pedir melhor exemplo do “governo de técnicos” que o próprio autor associa a Platão e Hegel e, com popperiano maniqueísmo, define no primeiro parágrafo da introdução como elitista, centralizadora e o oposto da “democracia” para ele representada por Aristóteles e James Madison (um dos “pais fundadores” da Constituição dos EUA e seu quarto presidente). Ora, nada mais parecido com um Hegel interestelar que Hari Seldon, o criador imaginário da “Fundação”!

Ler que “Admirável Mundo Novo” de Aldous Huxley “vislumbra os regimes totalitários de então” é também insólito. Essa sociedade consumista conta os anos “depois de Ford”, promove o uso recreacional de sexo e drogas e tem como lema “Mais vale dar fim que consertar. Quanto mais se remenda, menos se aproveita”. Será mesmo que estava falando só de Mussolini ou Stálin?

É empobrecedor reduzir "Duna" de Frank Herbert a um romance sobre ecologia – como se não tratasse, de forma ainda mais patente, de imperialismo, fanatismo religioso e mesmo da dependência do Ocidente do petróleo árabe e iraniano. E mais ainda dizer que "O Sonho de Ferro" de Norman Spinrad é sobre um Hitler que, em vez de se tornar o Führer, emigrou para os EUA e se tornou autor de ficção científica, evitando “a nova guerra mundial e seus horrores”. Isso é apenas a irônica orelha do livro. O núcleo é uma “jornada do herói” intitulada “O Senhor da Suástica”, de autoria do Hitler ficcional, que é uma paródia feroz dos subtextos racistas e fascistas de uma tradição de literatura de fantasia e ficção científica heroica que inclui Edgar Rice Burroughs, J. R. R. Tolkien, Robert Howard, Philip Nowlan e Alex Raymond, entre outros. Segue-se uma resenha da obra de Hitler por um crítico imaginário, na qual se deixa entrever que sua desistência da política possibilitou o domínio soviético da maior parte do mundo alternativo e um genocídio ainda maior.

Ainda assim, a introdução vale pelo amplo levantamento da história da ficção científica política do Brasil e do mundo, que talvez surpreenda quem vê o gênero como mero entretenimento inconsequente – ideia comum não só entre os que o desprezam, como também entre muitos fãs. Faltou, talvez, mencionar o papel da política em obras que não a tematizam explicitamente, mas nem por isso deixam de ser fortemente carregadas de ideologia – o que inclui desde a complexa caracterização do iluminismo, do “bom selvagem” e das ideias da Revolução Francesa no “Frankenstein” de Mary Shelley até os subtextos políticos, sutis ou nem tanto, da maior parte da ficção científica de “aventura”, do ufanismo conservador do “Independence Day” de Roland Emmerich ao ecologismo sentimental do “Avatar” de James Cameron.

O primeiro conto, “A Queda de Roma, Antes da Telenovela”, é do escritor português Luís Filipe Silva. O tema é um futuro sistema de governo por meio de debates públicos e plebiscitos eletrônicos. Os eleitores escolhem entre propostas elaboradas por especialistas e acompanhadas de estudos sobre viabilidade econômica, impacto social e ecológico e assim por diante.

A ideia de democracia informática direta é comum na ficção científica e em fóruns de internet e geralmente vista com otimismo, quando não como uma via expressa para a utopia. Mas neste conto, essa perspectiva leva apenas à mediocridade “tecnocrática” (e ao mesmo tempo, “democrática”), por esvaziar a política de emoção e de objetivos grandiosos. O protagonista é um político da velha guarda que em outros tempos teria sido um grande líder, mas nessa realidade é um velho decadente cujos discursos inspirados fracassam em motivar os cidadãos em torno de sua proposta de busca de vida extraterrestre.

Nesta curiosa ficção parece se fazer sentir o desencanto de muitos europeus com a tecnocracia de Bruxelas e a frieza distante do sistema político da União Europeia, que se supõe democrático, mas é tão mediado por representantes e burocracias e restringido por normas legais, técnicas e financeiras que faz o cidadão sentir-se irrelevante e impotente. O estranho é se associar o mal-estar não ao amplamente reconhecido “déficit democrático” de uma democracia excessivamente indireta, mas a uma forma de democracia direta jamais testada. Por outro lado, é uma das poucas tentativas nesta coletânea de realmente especular sobre o futuro da política, em vez de ambientar conflitos políticos do passado ou do presente em um cenário especulativo.

Como é o caso de “Anauê”, do advogado carioca Roberval Barcellos. A ideia de um Brasil alternativo no qual o integralismo chegou ao poder e aliou-se à Alemanha nazista poderia render uma história instigante, mas a má execução faz deste o conto menos interessante da coletânea.

É basicamente uma adaptação para o Brasil do romance “Pátria Amada” do britânico Richard Harris, adaptado como filme para a tevê por Christopher Menaul como “A Nação do Medo” (“Fatherland”, no original). Em 1980, um certo Ubiratan Silva, “relações públicas” do Partido Integralista, se desencanta do regime que começa a perseguir judeus sob pressão do Führer Rudolf Hess. Perde a confiança do governo, é repudiado pela esposa e enviado para perto da fronteira da Colômbia, controlada pelo inimigo, os EUA.

Não é bom entretenimento, devido à construção desajeitada, interrompida a toda hora por explicações com jeito de nota de rodapé no lugar errado. Também não é boa especulação, devido ao excesso de incongruências e soluções forçadas. Sua versão do integralismo repudiou por décadas o racismo e o antissemitismo de Gustavo Barroso para afastar a “ameaça de intervenção americana”, mas da noite para o dia passa a exterminar judeus para agradar o Führer prestes a visitar o Brasil. A esposa do “relações públicas” exige o divórcio em um regime supostamente católico e tradicionalista. Brasil e Colômbia estão em guerra não declarada, mas uma linha de trem expresso cruza a fronteira.

O povo, submisso e manipulado há décadas pelo regime, fica indiferente quando judeus são subitamente presos nas ruas e escolas e desaparecem, mas a simples divulgação de fotos dos campos de concentração e fornos crematórios armados na Amazônia provoca “uma grande revolta com o apoio americano e de brasileiros exilados”.

Do veterano escritor André Carneiro, o curto conto “Gabinete” gira em torno das lembranças e experiências subjetivas da protagonista, de seus afetos, medos e aflições enquanto seu grupo guerrilheiro planeja e leva a cabo um grande atentado. Como envolve um “prédio do governo” de duzentos andares e “aviões 878”, pode-se dizer que o ambiente é vagamente futurista, mas o clima, os hábitos e o que se percebe da vida e da sociedade remetem às organizações armadas da extrema-esquerda brasileira durante a ditadura militar. Embora literariamente atraente, é na realidade pouco político. Não se menciona a razão da luta, a natureza do regime ou a ideologia da guerrilha: soa antes como um conto sobre a falta de sentido de tudo isso.

A noveleta “Trunfo de Campanha”, do escritor Roberto Causo, retoma seu personagem Jonas Peregrino. Capitão da ELAE, “Esquadra Latinoamericana na Esfera”, esse caboclo matogrossense já protagonizara o conto “Descida no Maelström” da antologia “Futuro Presente” da Record, no qual conquistou uma grande vitória contra os misteriosos alienígenas tadai e frustrou uma tentativa de assassinato e sabotagem por parte dos aliados euro-russos, que tentaram impedir os latinoamericanos de colherem os frutos da vitória.

Nesta sequência, a saída de cena dos tadais alimenta a rivalidade interestelar entre facções humanas – citam-se latinoamericanos, euro-russos, transatlântico-pacíficos, asiáticos-centro-oceânicos e ecumênicos-islâmicos. Para não se envolver na guerra fratricida, Peregrino quer deixar a vida militar, mas o almirante Túlio, seu superior, retarda a dispensa e o envia a um hotel de luxo onde encontra uma agente, ruiva e voluptuosa, é claro, que tenta todas as formas de persuasão, suborno, adulação e sedução para convencê-lo a pôr seu prestígio de herói espacial a serviço de um político que pretende liderar os latinoamericanos no conflito “internacional” que se aproxima, inimigo do superior de Peregrino. Tendo já provado sua coragem física e habilidade tática, o herói testa agora sua integridade moral e astúcia política.

A noveleta tira parte do seu interesse do processo de construção de um idealizado herói militar, que a cada vez se mostra imaculado, íntegro e de vontade inquebrantável. Outra parte vem da trama política que atrai por sua complexidade e ambivalência, apesar de não trazer especulações instigantes.

A “Latinoamérica” é uma federação semipresidencialista de escala interestelar. Parte do jogo político depende da representação mais que proporcional de territórios pouco povoados na federação, uma questão bem familiar ao Brasil – só que em vez de pequenos estados do norte e nordeste trata-se aqui de sistemas solares inteiros. Somando-se o confronto direto pelo poder entre um comandante militar e um político civil, inadmissível num regime democrático, não sobram dúvidas de que se trata de uma projeção no espaço interestelar do futuro de conflitos do Brasil (ou da América Latina) do século passado. Mas a vasta escala de uma sociedade com complexas relações com alienígenas mostra certo descompasso com a transposição demasiado direta das provincianas rivalidades geopolíticas de um minúsculo planeta no início do século 21 para uma escala galáctica. Soaria irônico se não fosse o tom de cândido ufanismo, com direito a aparição especial do Saci-Pererê e orgulho pela colonização latinoamericana de uma estrela do Cruzeiro do Sul.

Sente-se falta de um melhor aproveitamento das possibilidades de um cenário de space opera. O conto anterior envolvia estratégia militar espacial, experiências biológicas avançadas e relações com muitas espécies alienígenas, mas neste tudo se passa como numa história de espionagem nos dias de hoje, com refeições, garçonetes, laptops, livros e bottons banais.

A linguagem da noveleta é rica e fluente, apesar de dois tropeços – “ponto passivo” por ponto pacífico, “destilado” por fermentado (vinho) – e ao menos uma frase que precisaria ser retraduzida: “tinha longos cabelos castanhos e era acompanhada por um gato obviamente elevado, com uma cibercoleira”. Popularizado pela série “Uplift” de David Brin (nunca editada no Brasil), uplifted é um jargão já convencional na ficção científica anglo-saxônica para um animal tornado inteligente, mas “elevado” precisaria ser explicado ao leitor brasileiro.

Daniel Fresnot, filho do cineasta Alain Fresnot (diretor de “Lua Cheia” e “Desmundo”, entre outros), contribui com “Diário do Cerco de Nova York”. Como o romance “O Presidente Negro” de Monteiro Lobato, esse conto parece presciente à primeira vista, mas a uma leitura mais atenta mostra que qualquer semelhança com a realidade é mesmo pura coincidência. Publicado originalmente em 1984 (no primeiro mandato de Reagan, portanto), narra uma revolta separatista liderada por um populista de direita contra o governo e os impostos federais. Apesar de ambientada no mundo dos anos 80, quando “só os Estados Unidos têm computadores antiquados à venda como ferro-velho”, faz pensar por um momento no fanatismo Tea Party de hoje. Obama ainda era um recém-formado, mas o protagonista escreve um livro sobre o amor mal-sucedido entre uma mulher branca estadunidense e um intelectual africano.

O problema é que se afasta tanto das realidades da política estadunidense que, mesmo assim, é inverossímil. Fosse a rebelião liderada pelo governador de um estado conservador, cheio de milícias bem armadas e rico em recursos naturais, como o Alasca ou o Arizona, pareceria mais plausível – mas se trata do prefeito de Nova York, uma cidade liberal e multicultural que depende do resto do país para energia, água, comunicações e combustíveis, para ter atividade econômica (visto ser um centro financeiro e de serviços para o país) e até para que seus moradores possam tomar o elevador para seus apartamentos e escritórios.

Apesar disso, os nova-iorquinos, incluindo o liberal New York Times, são seduzidos em massa pela retórica populista para lutar contra uma intervenção federal (descabida, porque isso seria atribuição do governo estadual, ignorado no conto) e com armas leves e barricadas resistem por três meses aos marines, cruzadores e caças do Pentágono. É uma transposição forçada da Comuna de Paris. Não leva em conta que a natureza política do movimento francês de 1870 era o exato oposto do que imagina para sua Nova York, nem que uma cidade do século XX é muito mais vulnerável que uma do século XIX. Não traz uma reflexão política interessante, pois a adesão das massas ao líder surge como irracional e incompreensível. Vale pelo relato pessoal e sentimental do protagonista, um escritor francês que observa os acontecimentos de uma perspectiva, digamos, obelixiana (“esses romanos são loucos!”), enquanto se envolve amorosamente com uma nova-iorquina e escreve seu livro.

“Saara Gardens”, do advogado e empresário Ataíde Tartari, é uma ficção política que, embora ambientado numa futura “União Global” com capital em Istambul, faz uma transposição tão direta de questões do Brasil recente que chega a soar como um roman à clef. A presidência desse governo mundial está sendo disputado entre a “preservacionista militante” Miranda Ribeiro, uma brasileira cronicamente anêmica (terá também nascido no Acre?) e um candidato colombiano chamado Alonzo Urano (hum…). Urano é apoiado por uma empreiteira chamada Camaro Korrea (!) que pretende a todo custo impedir a eleição da brasileira porque ela é contra o projeto de irrigação do Saara (leia-se Transposição do São Francisco) do qual participaria, e que daria enormes lucros a seu dono, que há anos comprava terras no deserto. Para impedir a eleição de Miranda, recorrem a uma manobra engenhosa que a torna inelegível. O conto se prestaria a uma especulação mais densa sobre as possibilidades e problemas de um governo global, mas o pouco que é dito sobre seus mecanismos e princípios serve apenas para tornar viáveis a trama e seu desenlace. Mais uma vez, é uma mera tradução do passado recente do Brasil no futuro do planeta, com a conclusão implícita de que nada pode mudar.

Do bancário carioca Miguel Carqueija, “Era de Aquário”, de fins dos anos 80, testemunha o cínico pessimismo que se apossou de grande parte do País nos anos seguintes ao fracasso do Plano Cruzado. Em um dia de um ano indeterminado do século 21, no qual helicarros e aerônibus são comuns, um guarda-costas ouve no noticiário da manhã que “somente três deputados e um governador haviam sido assassinados na véspera” e em seguida a transmissão é interrompida por uma bomba na estação de tevê. Juntamente com uma colega o guarda-costas trata de levar um senador de sua casa para uma palestra sobre o grandioso futuro do Brasil, e para isso precisa enfrentar uma violenta batalha aérea com assassinos dispostos a tudo. De político, o conto só tem propriamente a a presença do senador, pois não tenta nenhuma análise ou explicação das causas por trás dessa violência. Reflete antes a visão superficial e apolítica do espectador de noticiários policiais sensacionalistas, que tudo atribui à incompetência das autoridades e à maldade humana, conformando-se com uma realidade que não faz questão de entender.

“A Evolução dos Homens sem Pernas”, do roteirista e dramaturgo paulistano Fernando Bonassi, de 2009, fala não tanto de política quanto da estupidez da história humana, vista como uma acumulação sem sentido de inovações tecnológicas inúteis e nocivas, culminando numa evolução lamarckiana que leva os homens a perderem as pernas, por falta de uso e justificar sua deficiência com a ideologia que fez disso uma “evolução lógica” e pelos livrinhos de autoajuda garantindo que “menos é mais”. Vale pela habilidade irônica da prosa ágil e satírica do autor, mas uma ideia parecida é contada de maneira especulativamente bem mais instigante (e mais pungente) na animação Wall-E (2008). E o autor, talvez sem perceber, dá uma feia trombada nos direitos dos cadeirantes, ao zombar da quase revolução feita pelos “homens sem pernas” ao exigir melhores acessos a edifícios e repartições públicas até que “os anormais assumiram totalmente os controles reprodutivos sociais e os normais finalmente tornaram-se a minoria que sempre foram”.

De Henrique Flory, matemático e empresário, “A Pedra que Canta” é a ambientado no Brasil de 2018. Publicado originalmente numa coletânea do autor de 1991, o conto foi atualizado para esta antologia com alusões a Lula (impedido “pela guerra” de tomar posse em 2018, o que parece supor um golpe militar), Hugo Chávez e Evo Morales (depostos) e à China como grande potência emergente, mas seu horizonte político é o de meados do século passado, quando o risco de guerras de conquista entre países sul-americanos era (ao menos entre os militares) levado muito a sério e a Argentina, com forças armadas modernas e um desenvolvimento econômico qualitativamente superior, era vista como um grande perigo para o Brasil.

Em vez do “peronismo”, há no país vizinho um movimento liderado por um certo Perez, ou “perismo”. Com apoio da China, a Argentina alia-se em 2010 a um Paraguai transformado em “tigre asiático” por um certo presidente Kim Uan com o objetivo de dividir Brasil e Bolívia entre eles, nada menos. Como trama política, deixa muito a desejar, tanto por inverossimilhança quanto por não se dar ao trabalho de explicar o que é o tal “perismo” ou como empolgou a Argentina. Como história de guerra, consegue, porém, ser interessante.

Os argentinos estão ganhando a guerra e já ocuparam todo o sul do Brasil e o oeste de São Paulo até perto de Bauru. Para detê-los, os brasileiros decidem pôr em ação a teoria da conspiração favorita dos militares argentinos dos anos 70: abrir as comportas de Itaipu de modo que todas as cidades mais populosas da Argentina, inclusive Buenos Aires, sejam arrastadas pelas águas. Como a represa está em território ocupado pelo inimigo, é necessária uma difícil missão de infiltração e sabotagem, complicada pela necessidade de o tenente encarregado da missão levar consigo um adolescente portador de osteogênese imperfeita, popularmente conhecida como “ossos de vidro”: esqueleto extremamente frágil, sujeito a fraturas a qualquer esforço.

Por quê? A justificativa é forçada: inventou-se um chip que pode ser implantado no cérebro e ajuda o doente a pressentir o risco de fratura, visualizando-o como um “ponto vermelho” nos seus ossos. O governo brasileiro, com ajuda europeia, suborna a empresa japonesa para implantar uma versão “aperfeiçoada” do chip que permite visualizar os pontos fracos de qualquer objeto, inclusive uma grande represa. A pergunta é inevitável: supondo que esse chip existisse, por que não implantá-lo diretamente no militar, evitando as dificuldades morais e práticas de conduzir um despreparado deficiente físico através das linhas inimigas? Vale só como artifício para explorar a perplexidade, as dúvidas e os medos de um protagonista frágil e sensível, enquanto o tenente que o carrega nas costas assume plenamente o clichê do soldado de elite eficiente, invencível e impiedoso. Uma vez aceita a premissa improvável, o conto consegue interessar e até emocionar, ainda que não do ponto de vista político. A guerra pode até ser a continuação da política por outros meios, como dizia Von Clausewitz, mas não é a mesma coisa.

“O Dia Antes da Revolução”, conto de 1974 da escritora estadunidense de ficção científica Ursula K. LeGuin, é uma prequela a um de seus romances mais famosos, “Os Despossuídos”, mas não é indispensável tê-lo lido para entender o conto. No romance, os seguidores de uma líder anarquista chamada Laia Odo tinham migrado há gerações para o satélite habitável Anarres e criado uma nova sociedade, depois de uma revolução bem-sucedida no planeta Urrás e o tema é a ambiguidade da nova utopia, cujo maior cientista é forçado a retornar ao planeta de origem (onde é disputado por regimes capitalistas e socialista de tipo soviético) porque seus companheiros de comunidade lhe recusavam os recursos e privilégios de tempo livre necessários para aprofundar sua pesquisa.

Esta prequela trata da própria Laia Odo. Idosa, fragilizada por um derrame e próxima do fim, recorda sua vida de rebeldia e agitação às vésperas da vitória do movimento revolucionário. Misto de Lucy Parsons, Emma Goldman e Simone Weil, mas com o prestígio de um Karl Marx, vive numa comunidade anarquista instalada no que outrora fora o prédio de grande banco e se orgulha e comove por ver tantos jovens seguirem a vida de tranquila liberdade que ela propôs. Mas a maior parte do seu pensamento vão para seu passado e suas perdas, principalmente a do marido – conceito obsoleto para seus cabeludos seguidores – morto há décadas pela repressão. Pouco se entusiasma pela vitória iminente e pelo papel que os odonistas ainda querem que represente.

É uma história que consegue ser ao mesmo tempo intensamente política e delicadamente pessoal. O ambiente cultural e tecnológico é o do século 20 e se percebe a tentativa de recuperar o potencial utópico de Woodstock, do movimento hippie na sua fase mais politizada. Mas esse frescor dos fins dos anos 60 não faz desta mais outra história sobre um passado disfarçado de futuro. Trata-se, neste caso, de verdadeira especulação sobre outro mundo possível (como se diz no Foro Social Mundial), descrito com sinceridade nos aspectos atraentes e nos desagradáveis, mesclada com reflexões sobre identidade e existência pessoal. Do ponto de vista da ficção política, se não também da realização literária, é o ponto culminante da antologia.

Mesmo assim, “O Grande Rio”, do médico mineiro Flávio Medeiros Jr., não faz má figura a seu lado. É assumidamente uma história sobre política do passado, mas muito bem contada no formato de um suspense policial sui generis. Em um mundo pós-apocalíptico do futuro, devastado pela radioatividade e por hordas armadas que disputam os últimos restos de civilização, um grupo de cientistas consegue construir uma máquina do tempo para voltar ao passado e assassinar o responsável por isso antes que deflagre a funesta guerra nuclear com a União Soviética. A saber, o ex-presidente John Kennedy.
O problema é que a história se mostra bem difícil de mudar. O pobre agente fracassa na primeira tentativa e obrigado a voltar e tentar outras vezes. A história é como um grande rio e seu curso é muito difícil de mudar. Mas não impossível, julga ele, se conseguir remontar às suas nascentes. A cada vez, volta mais “cedo” e passa mais anos infiltrando-se na CIA e nas organizações anticastristas, recrutando cúmplices, articulando o atentado e evitando o risco de encontrar-se com ele mesmo. Ao longo da história, envelhece e experimenta ao mesmo tempo tanto a versão oficial como várias das teorias de conspirações sobre o assassinato do presidente. O thriller é muito bem sucedido em prender a atenção e as tensões políticas da época e as motivações dos inimigos de Kennedy são desenvolvidas com realismo.

A história seguinte, “O Originista”, é do escritor Orson Scott Card, que foi missionário mórmon no Brasil e no espectro político da ficção científica estadunidense está na ponta oposta a Ursula K. LeGuin. Nos últimos anos, se fez notar por artigos exaltados contra o casamento homossexual e críticas ao darwinismo e às evidências do aquecimento global.
Esta novela, em particular, foi escrita em 1989 como parte de uma antologia de contos de vários autores ambientados no universo “Fundação”. Está situada no período em que Hari Seldon articula sua futura tecnocracia benevolente de reis-filósofos (ou, mais precisamente, reis-bibliotecários) sob as barbas do Império prestes a entrar em decadência. Nesse aspecto, é fiel à concepção do “bom doutor” Isaac Asimov, descrevendo com inteligência o maquiavelismo com que Seldon e seus seguidores usam a “psico-história” para manipular militares, políticos e intelectuais importantes para seus planos de longuíssimo prazo – mil anos serão necessários para a construção do novo império.

Enquanto isso, Card não resiste à oportunidade de tentar sua própria manipulação psico-histórica do leitor. O protagonista Leyel Forska é um historiador multimilionário, diletante mas competente, que vive em Trantor, o planeta capital do Império Galáctico, busca a esquecida origem da humanidade e é casado há décadas com Deet, uma antropóloga que estuda a equipe de Seldon, cujos filhos são perfeitos, mas já deixaram a casa e não os perturbam.
E assim, o poderoso cenário asimoviano se torna um veículo para a agenda de Card. De um lado, um meloso e repetitivo elogio do amor conjugal, da fidelidade absoluta e da família idealizada. De outro, longas reflexões sobre a importância dos mitos, dos rituais, das línguas e da literatura para criar as comunidades e a lealdade de seus membros e distinguir os homens verdadeiros de primatas brutos. Tradição, Família e Pátria, enfim.

Forska tenta entrar para a Fundação que será estabelecida no planeta Terminus, na periferia da Galáxia, para desenvolver a Enciclopédia Galáctica (imagine uma super-Wikipedia). Hari Seldon o recusa com o pretexto de não querer separá-lo de Deet, pois esta adora seu trabalho em Trantor. Mesmo assim, Forska não perde o respeito e admiração por Seldon e quando este morre, torna-se politicamente suspeito pelo elogio fúnebre ao homem que previa a decadência do Império. Perde sua imensa fortuna e afunda-se em frustração enquanto sua mulher se dedica à biblioteca criada por Seldon.

Descobrirá ele, porém, que, como toda a Galáxia, também teve a vida manipulada (inclusive na perda de suas riquezas) pela poderosa Segunda Fundação, da qual Deet é integrante e a biblioteca em Trantor é a inocente fachada. Claro que o amor tudo vence, o historiador compreende que assim tem de ser para o bem da Via Láctea e se integra na leal comunidade dos reis-bibliotecários, ultra-exclusiva e esclarecidamente despótica em relação ao resto do universo, mas internamente igualitária e comunista, exatamente como a “República” do mestre de Aristóteles. Além disso, descobre a utilidade para sua pesquisa do revolucionário sistema de indexação da Segunda Fundação que, a olhos de 2011, parece um Google mais inteligente – e quase morre, pois o brinquedo novo o faz navegar dias e noites seguidos sem comer ou dormir, numa notável prefiguração dos ciberdependentes de nosso tempo.

A trama política explícita da novela é sutil e convincente em sua combinação de Platão e Maquiavel, de política imperial romana e organizações acadêmicas modernas, mas pouco acrescenta a quem já leu Asimov. Para este, é mais interessante a meta-trama, também política, do escritor que usa uma concepção ideológica muito distinta da sua para afirmar suas próprias ideias.

O jornalista paulista Carlos Orsi traz “Questão de Sobrevivência”, conto publicado em 2001 na revista “Sci Fi News Contos” nº2 e também na ótima antologia autoral “Tempos de Fúria” (Novo Século, 2005). Nesta coletânea, este trabalho volta a destacar-se como um dos melhores contos nacionais, ao lado de “O Grande Rio”.

O cenário é uma São Paulo extremamente distópica dos anos 2030. Um enorme acampamento sem-teto chamado Campo Fidel ocupa o centro da cidade. Em algum lugar a caminho do porto de Santos, uma grande favela da periferia foi bombardeada há anos por armas químicas pelo governador, numa desastrosa ação de reintegração de posse e tornou-se um “Vale da Morte” inabitável. Poucas horas em meio a seus eflúvios cancerígenos bastam para condenar uma pessoa a uma morte lenta. Por ali, com destino ao porto, deve passar mais um valioso caminhão de leite materno para exportação, protegido por uma escolta fortemente armada. Mas o Campo Fidel precisa do leite para suas crianças, cujas mães foram contaminadas por um anticoncepcional holandês misturado à água que é muito prejudicial às suas crianças.

Assim, sua milícia de guerrilheiros heroicos – ou terroristas fanáticos, dependendo do ponto de vista –, prepara uma ação violenta para interceptar o comboio, sob a liderança do índio Pedro Minanhanga. É excelente como ação e suspense, sem prejuízo de reflexões políticas sérias e sem maniqueísmo. A história é contada do ponto de vista de feios e duros despossuídos e não se escamoteia sua brutalidade, nem sua necessidade de compactuar com duvidosos interesses estrangeiros para conseguir armas e continuar a luta. Faz pensar em organizações como o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) e o Movimento dos Trabalhadores Sem Teto (MTST) e seu papel nos conflitos sociais dos anos 90, mas os extrapola para criar uma especulação distópica consistente, que não é mera projeção para o futuro de um passado superado. É um futuro possível do qual o Brasil ainda não está definitivamente livre e, ao contrário de “Era de Aquário”, este conto faz uma séria tentativa de expor e analisar o que está por trás de toda a violência que descreve.

Fecha a coletânea o conto cyberpunk “Vemos as Coisas de Modo Diferente”, do escritor estadunidense Bruce Sterling, um dos criadores do subgênero. Publicado originalmente em 1989 nos EUA, também já tinha sido editado no Brasil, na coletânea “Futuro Proibido”, de 2003.

O conto passa-se em dias não especificados do século 21, mas aparentemente pouco distantes, nos quais os EUA estão em profunda decadência econômica e suas forças armadas estão paralisadas, devido à dívida pública acumulada pelo excesso de gastos militares. O dólar perdeu seu papel de moeda mundial, substituído por um acordo global entre europeus e japoneses, enquanto novas potências emergentes surgem do antigo Terceiro Mundo, das quais a mais poderosa e confiante é o grande Califado sunita que engoliu Israel e líderes árabes laicos como Saddam Hussein e avança sobre o que restou da União Soviética. Esta desapareceu como potência e está mergulhada no caos desde que um grupo guerrilheiro afegão destruiu Moscou com uma bomba termonuclear, aparentemente cedida pelos próprios EUA. Venezuela, Cuba e Irã são citadas como nações prósperas, cujos turistas dão boas gorjetas.

É curioso como este conto soa muito mais profético hoje do que quando foi escrito. Em 1989, a União Soviética ainda existia, a imprensa estadunidense chamava os talibãs de freedom fighters e os EUA estavam prestes a iniciar a década mais próspera e arrogante de sua história, como superpotência imperial única e senhor incontestado da economia global. A perspicácia do autor percebeu perigos latentes nas tendências de longo prazo, aos quais economistas, analistas políticos e jornalistas da época eram insensíveis. É verdade que o califado árabe ainda é um sonho fundamentalista, mas no tempo em que se escreveu, poucos sabiam no Ocidente que esse projeto existia, nem se esperava que os fundamentalistas viessem a ter um papel político tão importante no mundo islâmico – e graças à ajuda dos EUA, como Sterling apontou. O fenômeno mais importante que lhe escapou foi a ascensão dos BRIC e em especial da China, muito mais rápida que a dos árabes.

É nesse contexto que Tom Boston, um roqueiro negro formado em ciência política e casado com uma refugiada russa, brilha com shows que fazem descontos para portadores de cartões de desemprego e títulos eleitorais, clamam pelo renascimento do país e da democracia e denunciam a hegemonia dos ricos, dos advogados e das corporações que sugam a riqueza dos EUA para os bancos da Europa e Japão. Curioso como o cantor, um populista de esquerda, usa símbolos hoje associados ao Tea Party, como chapéus tricornes, bandeiras da revolução de 1776 e o lema “Não pise em mim”.

Ao chegar a Miami para o show, o protagonista se apresenta a Tom Boston e sua equipe como um jornalista do Cairo (coração do Califado) que admira o rock e tem todos os seus discos (pois é, o pai do cyberpunk não previu o MP3) e quer fazer uma reportagem para a juventude árabe. Mas o leitor, que acompanha seus pensamentos secretos, percebe a dissonância de suas palavras com seu desprezo pela cultura ocidental. Ele “vê as coisas de maneira diferente”. Acha Boston admirável à sua maneira, sim, mas da maneira que um agente dos EUA poderia pensar o mesmo de um Fidel Castro ou Khomeini. Para ele (talvez também para Sterling) o rock tem a força de uma religião.

As frequentes alusões do protagonista ao líder xiita, aliás, são um ponto fraco na verossimilhança do texto, pois dificilmente ocorreriam a um fiel sunita, mas é que, em 1989, ele era o único líder fundamentalista islâmico “do mal” familiar ao público estadunidense. O recém-fundado Hamas ainda não cometera nenhum atentado e tinha as simpatias de Israel (cuja prioridade era enfraquecer a Al Fatah), Osama bin Laden ajudava os EUA a treinar freedom fighters para combater o governo pró-soviético do Afeganistão e o mulá Omar era um deles, tendo acabado de perder heroicamente um olho em batalha.

Prever o futuro não é obrigação da ficção científica. Sua função, além de entreter, é alimentar uma especulação racional e inteligente sobre possibilidades e tendências do presente ou do passado e aonde elas poderiam conduzir (ou ter conduzido), seja apenas para nos maravilhar, seja para nos animar a tornar real a especulação ou, pelo contrário, lutar para que não se concretize. Neste caso, é provável que o próprio Sterling não desejasse que sua especulação chegasse tão perto da realidade. Engraçado como muitos de seus leitores não entenderam isso. Uma resenha de leitor (de 2006, no site da Amazon) ainda o repreende: “o conto postula um Oriente Médio que realmente não mudou. Mas as coisas mudaram um bocado”. É mesmo?
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