La guerra del fin del mundo

La guerra del fin del mundo Mario Vargas Llosa
Mario Vargas Llosa
Mario Vargas Llosa




Resenhas - La guerra del fin del mundo


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Everton Vidal 05/03/2020

O Apocalipse de Canudos
Inspirado nos Sertões de Euclides da Cunha, Vargas Llosa faz um incrível trabalho documental, descrevendo cuidadosamente (com personagens reais e outros personagens fictícios) o processo de ascensão, desenvolvimento e apocalipse de Canudos e a experiência messiânica de Antônio Conselheiro.
É um ótimo romance, um marco do romance histórico latino-americano e na produção do autor, que normalmente se concentra nos limites de seu país, Peru, e no tempo contemporâneo.
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Betega 27/08/2021

Uma guerra, vários pontos de vista
La Guerra del fin del Mundo
Um excelente relato da Guerra de Canudos, narrado através do ponto de vista de diversos personagens fictícios, os quais representam diferentes visões e interesses.
Vargas Llosa teria se empolgado tanto com a leitura de Os Sertões, de Euclides da Cunha, que partiu para fazer uma extensa pesquisa sobre a Guerra de Canudos. Buscou documentos, entrevistou e conviveu com pessoas que estiveram próximas à construção da comunidade, da política da época, das diversas guerras etc. Baseado nisso, criou uma novela onde cada núcleo representa um ponto de vista sobre o acontecido.
É particularmente interessante o personagem do "jornalista míope". O único que não tem nome em toda a história. E que não tem nada a ver com Euclides da Cunha, exceto no fato de ser jornalista e na intenção de, depois da guerra, escrever um livro a seu respeito. Interessante essa abordagem. De alguma forma criou um efeito curioso na narração. À parte da questão estética, talvez a intenção do autor tenha sido deixar claro o fator ficção da obra. Isso porque, a ideia do livro é dar uma ideia generalista sobre os diversos lados da guerra, não exatamente contar as minúcias.
Além de contar a história e acabar por desmistificar muito do que se pensa sobre os acontecimentos do período, La Guerra del Fin del Mundo traz à tona uma série de questões interessantes de se discutir.
Uma delas é sobre a rigidez do exército e sobre a questão de lutar em território inimigo. Os jagunços (habitantes de Canudos) ganharam 3 guerras contra as forças nacionais. A terceira delas, contra o 7º batalhão, de Moreira Cesar, considerado de elite por ter desbaratado várias revoltas no início do Brasil República, inclusive a revolta federalista que resultou na mudança de nome da capital de Santa Catarina para Florianópolis. E mesmo a guerra que perderam, durou mais que o que seria teoricamente esperado, se considerarmos apenas o tamanho dos exércitos e a qualidade do armamento de cada lado.
Um exemplo de discussão que o livro traz a partir do fato acima é sobre o uniforme. É comum a opinião que o uniforme do exército, extremamente quente e que não permite boa transpiração, foi um fator importante nas derrotas no sertão nordestino. Mas Exército de bermuda? Não. De linho? Não. Vai passar calor, enfraquecer, desidratar e ser morto pelo inimigo mal armado.
As estratégias dos jagunços, que usam o grande conhecimento do terreno, também são amplamente discutidas. Trazem luz assim a mais problemas de realizar uma guerra em território inimigo. Fator que se agravou graças a brigas políticas que impediram os sobreviventes das guerras perdidas de passarem informações aos participantes das novas ofensivas.
As regras não escritas de uma guerra ganham destaque em alguns momentos do livro. O exército brasileiro se enraivece muito contra os jagunços devido às estratégias "desleais" que eles usam, tanto práticas (ataque com formigas, participação de mulheres e crianças etc.) quanto morais (profanação dos corpos dos inimigos etc.).
Agora, isso me faz pensar: Os jagunços estavam quietos no canto deles. É verdade que não é assim que os militares os viam. Como a maior parte dos brasileiros, eles acreditavam que os inimigos eram monarquistas financiados pela Inglaterra. Mas ainda assim. Eles mal armados, deveriam então aceitar a invasão e o massacre só por que eles não tinham as armas cujo uso o exército considera como "leal"?
A parte disso, mulheres na guerra era visto como um acinte, uma deslealdade que mostrava o quanto cruéis e vis eram os habitantes de Canudos. No entanto, estuprar mulheres que acabavam sendo encontradas sozinhas em cidades invadidas, isso era normal, não estava fora da ética de guerra. Por mais que o livro se passe em torno de 1900, e não se possa esperar uma visão como temos hoje de igualdade, essa relação vai além dos meus limites de aceitação.
No lado político e midiático, o livro mostra o uso da comunidade de Canudos para a defesa de interesses de grupos. A criação do mito de monarquistas apoiados pela Inglaterra, de um grupo violento e cruel (embora isso não chegue a ser um mito, mais como uma meia-verdade) foram feitas de acordo com os interesses políticos da época. A guerra de narrativas que surgiu estava totalmente desprendida da realidade, e os próprios soldados que atacaram a comunidade estavam tão crentes e emocionalmente vinculados à narrativa "oficial", que não foram capazes de ver o que realmente acontecia diante deles.
Tudo isso feito sem pensar em quantas pessoas morreriam. Políticos que deveriam zelar de alguma forma pelo povo faziam, ao invés, intrigas que sabidamente custariam a vida de dezenas de milhares de pessoas. E vale a pena refletir se algo mudou e se podemos acreditar nas narrativas consensuais sobre aquilo que acontece longe de nós. Cuidado com a paranoia, mas me parece uma reflexão importante.
Para encerrar, embora haja mais aspectos relevantes, temos a questão ideológica. A comparação entre a vida dos jagunços e uma comunidade socialista é comum nas conversas sobre Canudos e é representada no livro pelo personagem Galileo Gall. Ele tem consciência de que se tratavam de fanáticos religiosos, porém acredita que, por terem chegado a um modo de vida "socialista", sempre na visão do personagem, poderiam sim ser o início de uma revolução maior. Será mesmo?
Tudo isso continuaria existindo caso Antônio Conselheiro não conseguisse sustentar sua narrativa? Se, passados anos, os rios não virassem leite e as pedras não virassem boi? Se dom Sebastião não saísse do fundo do mar?
O que realmente mantinha aquela gente junta e permitia que vivessem naquele modo extremamente modesto e desapegado? Seria o interesse comum? O bem do próximo? E caso não fosse, como é possível pensar em Canudos como um protótipo socialista?
Um dos grandes pontos do livro é que ele não traz respostas. Ao invés, lança muitas perguntas, o que é muito mais interessante para o aprendizado e o desenvolvimento pessoal e intelectual do leitor. Isso, ao mesmo tempo que tem uma escrita agradável de ler. Que permite uma expectativa quanto ao final, já que, ainda que o resultado da guerra seja estudado na escola, não sabemos o destino e torcemos pelos personagens fictícios. E um detalhe, o excelente final. A história, da forma como foi estruturado, é difícil de finalizar, uma vez que conta sobre algo que não tem exatamente fim. Não é a história da guerra em si, mas de todo um movimento iniciado antes e apenas esmorecido, depois. E Vargas Llosa foi excelente em encontrar um modo de finalizar o livro. Um final com cara de final, e natural.
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