Henrique Fendrich 13/05/2021
Li esse livro pela primeira vez há 12 anos e ele me marcou bastante, a ponto de eu sustentar que era inclusive melhor que o célebre "A insustentável leveza do ser". Entretanto, passado tanto tempo, eu pouco me lembrava da trama e por isso, nesse meu ano "tcheco", decidi reler.
Ah, como foi proveitosa essa releitura, porque agora eu estava muito mais preparado para sorver os detalhes do livro. Agora, eu já conhecia grande parte da história tcheca, eu já sabia o que era o período em que o livro foi escrito, eu inclusive já havia lido o livro do Julius Fucík que é mencionado muitas vezes ao longo da história e que, inclusive, foi usado contra o protagonista Ludvík no processo referente à "brincadeira" que dá nome à obra. Também já tinha muito mais ideia do que é uma aldeia tcheca do interior.
Tudo isso certamente permitiu me situar muito melhor na trama, que diz respeito, em apertada síntese, a um homem "cancelado" pelo regime comunista em seu país que busca uma espécie de vingança moral contra o responsável pelos seus anos de prisão, mas que tem o seu destino marcado por um romance inacabado da sua juventude, o seu romance com Lucie, a pobre e ingênua Lucie, personagem das mais interessantes. E todos os fantasmas do passado assomam no momento que Ludvík retorna à sua aldeia natal na Morávia.
Em grande medida, esse pode ser visto como um romance de contrastes ou mesmo de dualidades. Seus personagens estão continuamente lidando com o amor e o ódio, o presente e o passado, a modernidade e a tradição, o comunismo e a religião (o católico Kostka, embora não apareça tanto, fornece algumas reflexões bem interessantes). Tudo é permeado por um verniz filosófico que se tornaria uma das marcas da produção de Kundera.
Ao indicar o desencanto que a sociedade já experimentava com o comunismo no país, além da própria indiferença da juventude com a trajetória de heroísmo alardeada pelo regime, o livro de Kundera, sem querer, alinhou-se aos propósitos da Primavera de Praga, que eclodiu pouco depois da publicação do livro e que era justamente uma tentativa de reformar o regime, fazendo-o voltar à sua essência (mas o movimento acabaria repelido).
Kundera mesmo não gostava da associação política que era feita com esse livro, que para ele não era nada mais do que um romance e assim deveria ser visto. Entretanto, mesmo sendo um romance, ele capta muito bem o Zeitgeist daquela época e daquele lugar, e creio mesmo que a nossa geração também tem com o que se identificar, considerando que também ali estão a liquidez, a superficialidade e o próprio patetismo dos relacionamentos, coisas que também marcam profundamente a vida ocidental na atualidade.
Nesse livro já está presente a multiplicidade de vozes, outro traço bem característico de Kundera, e a impressão final que tive foi que tudo se tornou "redondinho" na trama, que é, além de tudo, bem empolgante. Fazia muito tempo que eu não lia mais de 100 páginas por dia. Terminei esse livro do Kundera, de 400 páginas, em 4 dias. É que ele é bão mesmo.
Vou reler o "A insustentável leveza do ser", que li há mais tempo ainda (15 anos), para então fazer uma comparação melhor, mas, sinceramente, acho que ainda vou preferir esse aqui.