duda 03/03/2024
It takes two to make an accident.
Posso descrever esse livro como a epítome da idealização, idealização da vida, da pessoa humana, da riqueza, do futuro e até mesmo do passado. Ao contrário de alguns comentários que li a respeito que acreditam que O Grande Gatsby não seja uma história de amor, posso dizer que com dificuldade eu acharia um outro exemplo tão bom de história de amor, amor romântico, amo fraterno, amor pela vida ou a falta dele, amor por si mesmo ou a falta dele.
Com palavras lindas, a história de Gatsby foi, ironicamente, contada pelo personagem mais cético e apático, e é uma experiência extraordinária acompanhar as colocações de Nick ao longo da narrativa, ora apaixonadas, ora julgativas, ora compassivas, os momentos onde a essência de Gatsby toma conta dele e os momentos em que ele não suporta estar próximo. Nick é diferente de qualquer narrador-personagem (ele também tem a cara do Tobey Maguire), e torna essa uma leitura grandiosa!
Gosto de falar da Daisy porque ela é a grande criadora de Gatsby. Apenas a complexidade feminina e suas nuances de arrogância, voz delicada e síndrome de auto preservação são capazes de criar um homem como ele (a esposa por trás de um grande escritor também). Fitzgerald esnoba do Sonho Americano trazendo a tona sua extravagância, carisma e tudo aquilo que nos hipnotiza, na forma de uma mulher. Daisy era tudo o que Gatsby sempre sonhou, ela representava a vida que ele sabia que merecia, ela se encaixava perfeitamente no cenário que ele criou para si mesmo e, talvez por isso, a morte de Gatsby tenha ocorrido exatamente no dia em que a conheceu. Não acho que Gatsby não a amasse genuinamente, mas o que o moveu por todos aqueles anos construindo uma vida rica e grandiosa não foi esse amor que ele acreditava que era. A grande verdade é que Gatsby era obcecada pela ideia de Daisy, por ela caber exatamente onde ele nunca coube e porque fazer ela o amar o distanciava de quem ele realmente era. É um personagem grandioso e mereceu todo o esplêndor da vida que tinha, mas era ludibriado por seus próprios pensamentos, não se pode dizer que não era um homem apaixonado.
Da mesma forma, Daisy amava sim Gatsby, mas amava mais ainda sua vida, seu conforto, sua família perfeita, tudo aquilo que a tornava quem ela era. Seu marido adúltero mas que a proporcionava tudo, sua filha educada e adorável que fazia dela uma boa mãe, seu legado de nome, nada disso valia ser perdido em prol de um amor passado e idealizado por um homem que era tão apaixonada pelo que ela era. Um detalhe que me chamou muita atenção em comparação com a adaptação para os cinemas é que, apesar de esta ser uma das mais fiéis que já vi, não é concedida tanta importância a maternidade de Daisy no filme quanto é nos livros. Ainda que pareça um detalhe, e mesmo que tenham colocado aquela frase incrível sobre ser melhor que garotas nasçam tolas (dita antes por Zelda Fitzgerald, por sinal, e não por Scott!), é muito importante relacionar a maternidade à pessoa que a Daisy é e, principalmente, às decisões que ela foi obrigada a tomar.
Convenhamos que Daisy nunca teve uma chance no meio de Tom e Gatsby, e entender isso é o primeiro passo para compreender a razão de ela não ter estado lá, não só ao fim do livro, mas ao longo de toda a narrativa. Ela nunca esteve do lado de Gatsby de Long Island que não fosse apenas de corpo, e como ela mesmo diz, Gatsby pedia demais. Ela era uma mulher casada, traída, mãe, e que nos últimos anos tinha aprendido a aceitar e abdicar de muito, inclusive sua dignidade e auto estima, para manter a permanência do seu lar e de seu nome, e apesar de eu discordar de muitos pontos do seu arco, o amor e os sonhos de Gatsby nunca foram de responsabilidade dela.
Espero ter visto essa história com os olhos que ela merece e levo pra mim uma experiência que jamais tive em outra leitura, mas pontuo aqui a representação negativa que Fitzgerald dá a determinados grupo sociais durante todo o livro. Isso não é um detalhe, é um problema, ainda que não se possa esperar muito dos anos 20. Também desejo a Zelda todo o reconhecimento que uma grande mulher pode merecer.
Por fim, vou deixar aqui anotado como a Penguin fez um trabalho espetacular nessa edição! Tradução perfeita de Vanessa Barbara e ótimas notas ao fim do livro e ao longo das páginas; tornaram a leitura muito mais fluída e prática, então para quem se interessa em se aventurar nos clássicos, temos aqui um trabalho super cuidadoso e atual.