A Representação do Eu na Vida Cotidiana

A Representação do Eu na Vida Cotidiana Erving Goffman




Resenhas - A representação do eu na vida cotidiana


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Juliana Talala 14/05/2012

O espetáculo da vida cotidiana
“As máscaras são expressões controladas e ecos admiráveis do sentimento, ao mesmo tempo fiéis, discretas e supremas”. (George Santayana)


Teatro, foi um nome que a vida não recebeu, com a devida acepção da palavra, mas bem que poderia ter recebido, já que é nela que o homem provido de fantasias, marcação de cenário, roteiro e de máscaras, apresenta cotidianamente o seu espetáculo. A preposição foi abordada implicitamente por Erving Goffman no livro “ A representação do eu na vida cotidiana”, lançado na Inglaterra, em 1959 e traduzido para português em 1985, pela editora Vozes. No livro, o autor utiliza da metáfora da ação teatral para expor a estrutura que o homem desenvolve diante de qualquer situação social, ao tentar dirigir e dominar as impressões que possam ter dele, empregando técnicas de sustentação.

Deste modo, ao desempenhar um papel social, o homem convoca seus observadores para que respondam a impressão sustentada perante eles. Solicita que acreditem que o personagem que vêem no momento possui os atributos que aparenta possuir, que o papel que representa terá as conseqüências implicadamente pretendidas por ele, assim como age o ator profissional. A única diferença é que o ator ao terminar sua apresentação pode abandonar as máscaras físicas e psicológicas desenvolvidas para seu personagem, já o homem, não pode ausentar-se do uso delas, ou do contrário, terá as falhas de sua personalidade e reais interesses, perante suas ações, revelados.

“Não é provavelmente um mero acidente histórico que a palavra “pessoa”, em sua acepção primeira, queira dizer máscara. Mas, antes, o reconhecimento do fato de que todo homem está em todo lugar, mais ou menos conscientemente, representando um papel... É nesses papéis que nos conhecemos uns aos outros; é nesses papéis que nos conhecemos a nós mesmos“. Robert Ezra Park, Race and culture (Glencoe III, The Free Press, 1950), p. 249.

No outro extremo podemos verificar que o significado de máscara não deve ser compreendido apenas como um mecanismo para esconder imperfeições, mas também, como uma representação do ser humano, ou, do papel que empenha-se desenvolver, para assim, alcançar o que deseja viver, deseja ser. Um exemplo desta dualidade compreende-se ao recruta novato, que inicialmente respeita as normas do exército afim de evitar punições físicas e, por fim segue o regulamento para que a organização não seja constrangida, e seus companheiros o respeitem. O único contraponto é que as máscaras não podem servir como artifícios para que o individuo componha um outro plano de vida, a chamada segunda vida, na qual encene continuamente a forma como deseja ser interpretado. Desta forma, se tornaria refém de uma fachada de impressões.

Goffman, denomina a fachada como o desempenho que o indivíduo exerce para impressionar os que observam a representação de seus papéis. Contudo, deve também ser caracterizada como um conjunto de artífices que possibilita o ator ser quem deseja ser, usando de distintivos de função e de categoria como; vestuário, sexo, idade e características raciais, altura; aparência; atitude, padrões de linguagem, expressões faciais, gestos corporais e coisas semelhantes, para sustentar mentiras, ou, verdades infundadas sobre seu status social.

Apesar das práticas profissionais diferirem-se pela singularidade e especialidade, suas fachadas sociais, reivindicarão a igualdade de fatos e artífices. Um exemplo deste contexto se compreende as técnicas utilizadas pelas empresas, que Goffman aborda no livro para ilustrar o contexto.

“Muitos serviços oferecem a seus clientes uma representação que é abrilhantada por impressionantes manifestações de anseio, modernidade, competência e integridade. Conquanto, de fato, estes padrões abstratos tenham um significado diferente em diferentes desempenhos de serviços, o observador é encorajado a realçar as semelhanças abstratas. Para o observador isto é uma maravilhosa conveniência embora, às vezes, desastrosa. Em vez de ter de manter um padrão diferente de expectativa e de trato dado em resposta a cada ator e representação ligeiramente diferentes, pode colocar a situação numa ampla categoria em torno da qual lhe é fácil mobilizar sua experiência anterior e seu pensamento estereótipo”. Páginas 32 e 33.

Normalmente, esta representação abrilhantada é um produto desenvolvido por profissionais de agências de publicidade, propaganda e marketing ou consultores administrativos, para gerir as ações de vendas e relacionamento que as empresas solicitam, com o objetivo, na maioria das vezes, de elevar o índice das vendas, investimentos, conseqüentemente de crescimento. Estas ações, de aplicação contínua e planejada, envolvem singularmente o oferecimento de brindes, frete gratuito, liquidações de estoques e descontos acima de 20% em data pouco próspera para o mercado. A percepção de o sucesso do negócio não consiste apenas na qualidade de seu produto, mas também na capacidade de provocar a vontade de comprar por meio de técnicas criativas. Atualmente, estas velhas técnicas, foram somadas a ciência devotada a desvendar as raízes da decisão da compra. O psicólogo Dan Ariely, da Universidade Duke e autor do livro Previsivelmente Irracional, resumiu a VEJA a sua opinião sobre a arte de vender aliada a arte de representar papéis e ostentar fachadas.

“ Comprar é uma decisão pouco racional. Nos negócios, sai-se melhor quem consegue provocar emoções positivas”. Revista Veja, A anatomia do consumo, edição XX, 2008.


A ostentação de uma fachada exige um cenário, que por referência é constituído por móveis, objetos de decoração, profissionais, no caso de ser parte do ambiente de trabalho, simples, como uma praça, uma casa ou luxuoso, como um museu de arte, um castelo, ou móvel, como uma parada e um desfile e um cortejo real. No caso de haver um lugar fixo para o cenário do individuo, o ator pode ser demasiado sagrado, o ambulante, demasiado profano, dependerá da situação. Mas, se provido de elementos criativos e envolventes, o cenário pode se tornar um fator de conquista no ato da encenação. Desta forma, o cenário pode transformar a ida à loja em uma experiência prazerosa para o consumidor, também, observador, como em décadas passadas declarava Walt Disney (1901 - 1966):

“As pessoas gastam dinheiro quando e onde se sentem bem”. Revista Veja, A anatomia do consumo, edição XX, 2008.

A sociedade do consumo, cujas estruturas reconstituem à ascensão da burguesia e à Revolução Industrial, no século XVIII, transformaram o hábito de ir às comprar em uma jornada de lazer. Atualmente, este mesmo comportamento contribuiu para o surgimento das lojas de departamentos, para o desenvolvimento da Internet como portal de vendas e sobre tudo, para o crescimento dos anseios humanos, que se mostram eternamente insaciáveis. O clima de urgência expressados pelos verbos imperativos: pense, fale, compre, beba, use, seja, ouça, diga, leia,vote, gaste e viva, expõem de forma prática os apelos que os atores apresentam para criar o ideal imaginário de status, de vida, ideal de bem-star e de desenvolvimento, na mente dos consumidores, ou melhor, de sua platéia, visto que usa da fachada para gerir suas vendas.

Contudo, Goffman salienta que deve haver a coerência na construção do ambiente, aparência e maneira. Porque tal coerência representa faz parte de um processo ideal, que fornece o meio de estimular a atenção e o interesse.
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Janos.Biro 17/11/2017

A representação do eu na vida cotidiana
Goffman recorre à perspectiva das representações teatrais para descrever as relações sociais que ocorrem num espaço circunscrito, tal como um prédio, uma fábrica ou uma empresa. Ele parte de princípios dramatúrgicos para examinar como um determinado indivíduo representa seu papel de modo a regular as impressões que os outros têm dele. Na vida real, o papel social não é representado diante de uma plateia que está separada dos atores, mas é “talhado de acordo com os papéis desempenhados pelos outros presentes”. A vida social é constituída de atores-espectadores, sendo uma fusão de plateia e palco.

A impressão que se tem de um indivíduo é dada pela expressão que ele realiza de si mesmo, com auxílio de outros. A expressão pode ser transmitida ou emitida. A transmissão de informações é uma atividade intencional de comunicação que utiliza os símbolos verbais conhecidos pelo transmissor e pelo receptor. A emissão considera as ações não verbais e supostamente não intencionais do ator. O trabalho de Goffman se detém principalmente nas informações emitidas, compreendo que elas podem fazer parte de uma comunicação arquitetada propositalmente. A emissão geralmente se associa à transmissão.

Na medida em que os outros agem como se o indivíduo tivesse passado uma determinada impressão, podemos dizer que esta comunicação foi efetiva, a partir de uma perspectiva funcional ou pragmática. É inevitável agir com base em inferências. Em geral, os observadores utilizam aspectos do comportamento considerados fora do controle do ator como evidência de que o que foi comunicado é verdadeiro. Mas como o ator sabe disso, forma-se um jogo de informações, “um ciclo potencialmente infinito de encobrimento, descobrimento, revelações falsas e redescobertas”. Neste jogo se mantém uma assimetria entre ator e observador, na qual o observador sempre estará na vantagem, já que a capacidade de perceber a manipulação do comportamento é sempre maior que a capacidade de manipular.

Uma vez escolhida uma linha de tratamento exigida dos outros, esta dificilmente pode ser alterada depois do início da interação. Por isso é mais efetivo projetar, desde o começo da interação, a impressão que será considerada válida após o término da interação. As estratégias que um indivíduo utiliza para defender suas próprias projeções são chamadas de práticas defensivas. As estratégias usadas para manter a definição de uma situação projetada por outros são chamadas de práticas protetoras ou diplomacia. Goffman não se ocupa do conteúdo específico das atividades, mas dos problemas do participante que as representa diante de outros.

A interação é definida como “a influência recíproca dos indivíduos sobre as ações uns dos outros, quando em presença física imediata”. Um desempenho é a atividade de um participante de uma interação que sirva para influenciar outro participante. Um movimento ou prática é formado a partir de um padrão de ações que se desenvolvem durante a representação, e que pode se repetir outras vezes. Um indivíduo que representa o mesmo movimento para o mesmo público diversas vezes estabelece um relacionamento social. Um papel social envolve um ou mais movimentos.

Representações

Goffman inicia o estudo das representações perguntando não sobre a crença dos indivíduos nos papéis representados por outros, mas a crença do indivíduo no papel que ele mesmo representa, ou na impressão que ele pretende passar aos outros. Um ator compenetrado no próprio número pode estar sinceramente convencido de que passa uma impressão de realidade que corresponde à verdadeira realidade. Num outro extremo, um ator pode não crer na sua própria atuação e não se importar em convencer seu público. Ainda que costumemos a chamar o primeiro de sincero e o segundo de cínico, o sincero não está necessariamente em contato com a realidade. Um cínico pode passar a acreditar na sua própria encenação, e o caminho inverso também pode ser seguido.

Goffman chama de fachada a parte padronizada, intencionalmente ou não, do desempenho. A fachada é composta do cenário e da fachada pessoal. O cenário é aquilo que tende a ser fixo na representação: os objetos e elementos de pano de fundo que estão presentes no palco. A fachada pessoal se refere aos demais itens do equipamento expressivo, que são identificados como sendo próprios do ator. Os estímulos que formam a fachada pessoal são divididos em aparência e maneira. Fazem parte da aparência os estímulos que indicam o status social do ator. Fazem parte da maneira aqueles que indicam o papel de interação que o ator pretende desempenhar numa situação. A coerência entre as partes da fachada nem sempre ocorre, embora seja esperada. Diferentes práticas podem empregar a mesma fachada. Uma fachada tende a se tornar uma representação coletiva, sendo tomada enquanto fato.

Numa interação é comum que um indivíduo sinta a necessidade de expressar algo que comprove aos outros a validade da sua própria ação. Para isso, o indivíduo costuma a incluir na sua prática atividades não relacionadas com o sucesso do que está sendo realizado, mas que dão aos outros a impressão apropriada. Isto às vezes leva a um dilema entre expressão e ação: “Aqueles que têm tempo e talento para desempenhar bem uma tarefa não podem, por este motivo, ter tempo para mostrar que estão representando bem”. Algumas vezes, para comunicar confiabilidade, um ator precisa dificultar o desempenho da sua tarefa com a inclusão de uma realização dramática.

Uma representação efetiva geralmente recorre a uma idealização. O desempenho de um indivíduo tende a incorporar valores oficialmente reconhecidos pela sociedade. O exemplo mais concreto são os símbolos de status social. Para representar efetivamente uma determinada classe social, o ator precisar causar impressões que combinem com os estereótipos dos observadores. Diretores de empresa, por exemplo, podem conservar seus empregos por parecerem diretores, mais do que por terem a capacidade de agir efetivamente como diretores. Além disso, empresas podem contratar alguns indivíduos que fogem dessa regra para manter a impressão de legitimidade.

Para entender como é feita a manutenção do controle expressivo, Goffman sugere analisar as representações de acordo com uma analogia artística, e não com sistemas mecânicos, nos quais um grande ganho pode compensar uma pequena perda. Na arte, uma pequena perda pode quebrar toda a harmonia da representação. O ator precisa observar a sua conduta nos mínimos detalhes, para não deixar aparecer um ponto fraco que possa ser explorado pelo seu oponente. “Espera-se que haja uma certa burocratização do espírito, a fim de que possamos inspirar a confiança de executar uma representação”. Uma representação competente feita por um impostor enfraquece nossa tendência de relacionar moralmente a autorização para desempenhar um papel com a capacidade de representá-lo.

A mentira descarada é aquela em que é possível encontrar uma prova irrefutável de que a pessoa está consciente da mentira. Porém, técnicas de dissimulação, insinuação, ambiguidade e omissões permitem que um ator engane sem dizer nenhuma mentira. Estas estratégias são bastante usadas por meios de comunicação em massa. Todas essas características das representações podem ser consideradas como coações da interação. Seja para comunicar a verdade ou a falsidade, o ator precisa tomar cuidado para que seu desempenho combine com a expressão apropriada, evitando que a plateia atribua significados não desejados. Outro aspecto da manutenção do controle expressivo é a mistificação em relação ao ator, que produz um afastamento em relação à plateia e gera um temor respeitoso. O mistério em torno do ator quase sempre tem a função de facilitar a atuação.

Nós tendemos a pensar que representações são mais verdadeiras na medida em que não são planejadas, mas sim produtos de respostas inconscientes aos fatos. E tendemos a julgar que representações bem arquitetadas e organizadas são mais falsas, pois não há uma realidade para a qual os comportamentos são respostas diretas. Essa dicotomia é parte da ideologia dos atores honestos, fortalecendo a veracidade do espetáculo deles, mas não fornece um bom instrumento de análise. Nossa capacidade de representação ultrapassa nossa capacidade de explicar a representação. Por fim, Goffman afirma que “uma condição, uma posição ou um lugar social não são coisas materiais que são possuídas e, em seguida, exibidas; são um modelo de conduta apropriada, coerente, adequada e bem articulada”.

Equipes

O conceito de equipe é introduzido por Goffman para esclarecer que uma encenação quase nunca é realizada pela expressão de um único ator. Cada ator conta com auxiliares e diretores para a representação. Mesmo a interação entre duas pessoas pode ser considerada como a interação entre duas equipes de um membro só. Uma plateia impressionada somente por um cenário, na ausência de qualquer ator, estaria sendo impressionada por uma equipe sem membros. Um exemplo da atuação em equipe é a esposa que se mostra mais solícita ao marido quando na presença de outros. O ator que acredita em seu próprio papel torna-se sua própria plateia e seu próprio assistente.

Para que a representação de uma equipe tenha efetividade, é preciso manter a concordância unânime sobre a linha de ação. Para isso, é preciso confiar que o outro representará corretamente. Os membros da equipe se diferem pelo grau de permissão que cada um tem para dirigir a representação. A representação em equipe geralmente conta com um diretor. O diretor tem a função de trazer de volta à linha de ação um membro cuja interpretação se torna inconveniente e estimular uma demonstração de envolvimento afetivo adequado. O diretor também pode ser responsável por distribuir os papéis e as fachadas de cada papel.
Aplicando o conceito de dominância dramática e diretiva, podemos falar de diferenças de poder numa representação ou numa interação. Os membros de uma equipe também podem se diferenciar pelo grau com que aparecem diante da plateia. Enfim, uma equipe é definida como o conjunto de indivíduos que cooperam para manter uma definição projetada da situação. Para uma representação ser eficaz, quase sempre é preciso manter oculto o caráter dessa cooperação.

Regiões e comportamento regional

Região é um lugar limitado por barreiras à percepção. Representações geralmente ocorrem em regiões mais limitadas. Em relação a uma representação particular, temos a região de fachada e a região de fundo. A representação de um indivíduo numa região de fachada pode seguir dois tipos de padrão: O primeiro tipo, a polidez, diz respeito às ações verbais diretas. O segundo, o decoro, diz respeito às ações não verbais que são feitas no raio de alcance perceptivo da plateia, sem que o ator esteja necessariamente conversando com ela. O decoro não diz respeito exclusivamente a ações do tipo moral, mas também do tipo instrumental. A polidez está relacionada à maneira, e o decoro está relacionado à aparência. Um exemplo de decoro é a simulação de trabalho quando o chefe está presente.
Os aspectos de uma atividade que são expressivamente acentuados aparecem nas regiões de fachada. Os aspectos que são suprimidos aparecem na região de fundo ou bastidor. O bastidor é o lugar onde não se espera que o público entre, onde os segredos do espetáculo são guardados e os atores se livram dos personagens. “Nenhuma instituição social pode ser estudada sem que surjam problemas relativos ao controle dos bastidores”. Uma intromissão é controlada fazendo com que os atores mudem sua caracterização de modo a incorporar o intruso, ou então recebendo o intruso como se ele fosse muito bem-vindo, tirando a seriedade da representação.

Papéis discrepantes

Um dos problemas das representações é o controle das informações. Uma equipe precisa garantir que o público não terá acesso às informações destrutivas, que são as informações capazes de destruir a definição de situação que está sendo mantida pela representação. Para isso, é preciso criar estratégias para lidar com papéis discrepantes, aqueles com acesso privilegiado aos segredos de uma equipe. Os segredos podem ser estratégicos, íntimos ou livres. Alguns tipos de papéis discrepantes: o delator, o cúmplice, o olheiro, o mediador e o intermediário. Para manter o controle das informações, a equipe precisa se certificar que cada membro tome cuidado com as pessoas que admitirá como colega e confidente. Um indivíduo pode se tornar um renegado quando, mantendo-se leal ao seu papel, resolve trair aqueles que o representam falsamente.

As implicações dos grupos de colegas, que não participam efetivamente da equipe, mas também não se encaixam na definição anterior de platéia, forçam Goffman a incluir a definição de plateia inconsistente, “cujos membros não estão em contato face a face uns com os outros durante a representação, mas que eventualmente reúnem suas respostas à representação a que assistiram de maneira independente”.

A comunicação imprópria

Às vezes um ator transmite informações incompatíveis com a impressão oficialmente mantida durante a interação. Goffman considera quatro tipos de comunicação imprópria: o tratamento dos ausentes, a conversa sobre a encenação, a conivência da equipe e as ações de realinhamento.

O tratamento dos ausentes se refere a um tratamento inapropriado da plateia quando na ausência dela. Este tratamento inapropriado pode ser de depreciação ou elogio indevido. Dois exemplos de depreciação da plateia são: o desempenho caricaturado de uma interação e os termos pejorativos de referência. A depreciação da plateia nos bastidores tem a função de manter a moral da equipe.

A conversa sobre a encenação ou sobre o palco também ocorre entre membros de uma equipe, longe da presença da plateia. Nesse caso, são geralmente discutidos problemas e detalhes da encenação que precisam ser esclarecidos.

O conluio ou conivência da equipe ocorre quando um membro precisa ajudar o outro a transmitir uma informação correta durante uma interação, mas não pode fazê-lo visivelmente, para não estragar a projeção do personagem do companheiro. Para isso, equipes geralmente criam códigos secretos para se comunicar sem que a plateia tome consciência. Estes sinais podem ser deixas informais ou conivência depreciativa. Geralmente as deixas partem do diretor, e cabe somente aos atores entendê-las corretamente. A conivência depreciativa é uma forma de depreciar a plateia secretamente ou furtivamente, ainda que diante dela.
As ações de realinhamento servem para restabelecer um membro da equipe que esteja se comportando de modo inapropriado à linha de ação definida pela equipe.

Os quatro tipos de condutas apontam para algo comum: A representação não é a resposta espontânea para uma situação. Por mais que o ator acredite no seu papel, ele expressa múltiplas versões da realidade.

A arte de manipular a impressão

Para representar com sucesso um personagem, o ator precisa, em primeiro lugar, evitar rupturas na representação. Quando isso acontece de modo não intencional, dizemos que ele cometeu um faux pas, um passo em falso ou ato falho. Quando sua contribuição intencional destrói a imagem da própria equipe, trata-se de uma gafe. Quando o ator inadvertidamente põe em risco a imagem da sua personalidade projetada pela outra equipe, chamamos de mancada.

As práticas defensivas da representação são: 1. A lealdade dramatúrgica com a equipe. 2. A disciplina dramatúrgica com se próprio papel. 3. A circunspeção dramatúrgica, que se refere à preparação antecipada para possíveis contingências. As práticas protetoras correspondem a práticas defensivas padronizadas, nas quais se destacam duas: a restrição de acesso às regiões de fundo e de fachada, e o tato da plateia em relação aos atores.

Conclusão

O trabalho de Goffman apresenta uma estrutura geral na qual “qualquer estabelecimento social pode ser proveitosamente estudado do ponto de vista da manipulação da impressão”. O estabelecimento social é o lugar limitado por barreiras à percepção onde uma equipe de atores coopera para apresentar à plateia uma definição da situação, algumas vezes na presença de estranhos, que são o terceiro elemento.

Estabelecimentos sociais tradicionalmente são analisados de acordo com quatro perspectivas: a técnica, a política, a estrutural e a cultural. Goffman sugere uma quinta: a dramatúrgica. Essas perspectivas se entrecruzam de vários modos: A perspectiva técnica se cruza com a dramatúrgica, por exemplo, em relação às condições de trabalho. A perspectiva política e a dramatúrgica podem ser analisadas em conjunto quanto à capacidade de um indivíduo de dirigir outros. A perspectiva estrutural e a dramatúrgica cruzam-se na análise da distância social. A cultural e a dramatúrgica, na manutenção de padrões morais.

Esta perspectiva também oferece um método de análise da interação social e da identidade de um indivíduo em relação ao seu papel, instituição ou grupo, e “em seu conceito de si mesmo como alguém que não rompe a interação social ou desaponta as unidades sociais que dependem dessa interação”.

Porém, o autor não pretende apresentar um quadro de referência que independe da cultura ou que possa ser aplicado do mesmo modo em sociedades não ocidentais. Embora use alguns exemplos de outras sociedades, seu foco é a sociedade anglo-americana. Uma das conclusões que podemos tirar disto é que tal sociedade se caracteriza por indivíduos que, vivendo num mundo moral, não se interessam realmente pela moral, mas pela produção de uma impressão convincente de que realizam os padrões morais. “Somos mercadores de moralidade”.

Finalmente, sobre a representação do “eu”, cabe notar que o indivíduo é visto sob duas perspectivas: a do ator e a do personagem. A própria estrutura do “eu”, na sociedade anglo-americana, depende do modo como representações de nós mesmos são arranjadas. O “eu” não é produto do indivíduo, mas da encenação que nos torna capazes de sermos interpretados pelos observadores. Os atributos do ator são de natureza psicológica, mas parecem surgir da íntima interação com as contingências da representação no palco.
O autor não está simplesmente afirmando que o mundo é um palco e que somos todos atores, de modo a colocar em descrédito o sentido das relações sociais. Não se trata de enumerar os aspectos teatrais da vida cotidiana, mas de estudar a própria vida cotidiana e a estrutura dos encontros sociais. A analogia com o teatro é interessante porque para uma encenação ser bem sucedida ela deve aplicar as mesmas técnicas com as quais as pessoas no cotidiano mantém a definição de situações sociais reais, revelando assim uma estrutura que está presente na vida social.

site: http://www.janosbiro.com.br/post/119472646288/a-representa%C3%A7%C3%A3o-do-eu-na-vida-cotidiana
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Gladston Mamede 11/01/2018

Primeiro, li na edição francesa, de 1973. Fiquei tão impressionado que fui atrás da edição brasileira e reli. Um livro que mudou minha compreensão sobre a sociedade.
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Vicent 24/08/2023

Um estudo analítico das relações sociais
Nesse livro Goffman nos mostra o que é a microsociologia. Mais especificamente sua opção por uma sociologia que estuda as relações sociais em seu aspecto "cara a cara". Partindo disso, faz uma análise muito prolixa e analítica de praticamente todos os modos como as pessoas se relacionam com outras pessoas (e consigo), mas usando sua abordagem dramatúrgica.

Não se trata de dizer que a vida é um teatro, mas de apontar como muitas vezes vê-la assim nos ajuda a melhor compreendê-la. O ser humano tem apenas uma personalidade ou várias máscaras? Somos Uno ou Vários? Como nos comportamos na frente de plateias (termo que o autor vai usar para analisar a relação social)? Como reagimos a comportamentos divergentes? Como produzimos nosso Eu a partir do Outro?

Alguns sociólogos analisam relações micro para diagnosticar questões estruturais e macrosociais. Goffman, por outro lado, quer quase que exclusivamente descrever nossas relações. Por isso a abordagem tão analítica (fala por exemplo de grupos, de plateia, de relação grupo com grupo, de relação que foge do padrão, etc).

Embora as vezes essas analiticidade seja sacal, o livro cria uma linguagem para ver o mundo social que ajuda bastante a pensar a vida e outros autores menos microsociológicos. Há trechos muito interessantes também. Por isso, vale a leitura.
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Kekeu 13/07/2018

Representação
"A arte de manipular a impressão".
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TalesVR 13/06/2019

A teatralidade do Eu
Livros de Psicologia Social chegam a doer as vezes e serem engraçados ao mesmo tempo: dói um pouco ler e se identificar com o que está lendo. Erving Goffman foi cirúrgico e contribuiu enormemente para o estudos dos ''papeis sociais'' ao equiparar em análise o Eu com uma performance teatral. As interações sociais são no fundo um grande ato, constantemente renovado: cenário, atores, contexto, roteiro, controle de qualidade, diretores, músicos, eu, você, nós.

A forma como o sociólogo canadense abordou o tema é o ''toque especial'' da obra. é impossível não se identificar e se deliciar. São raras as obras de estudo que você lê com verdadeiro prazer e essa é uma delas, leitura super fluída e que vale a pena.

Pois bem, me resta sair e viver a tragédia (ou comédia) cotidiana do Eu. E preciso dizer que no momento o meu Eu ator está bem feliz e satisfeito com as páginas lidas.
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