Moby Dick

Moby Dick Herman Melville




Resenhas - Moby Dick


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z..... 17/09/2020

Edição Nova Cultural (2002)
Transcende uma mera aventura tornando-se um dos mais importantes romance histórico do século 19, sobre a exploração baleeira que, naquele contexto, era impactante ao desenvolvimento da sociedade pulsante na necessidade de óleo.

O livro é volumoso e é interessante que o protagonismo de Moby Dick, numa interação em tempo real com as personagens, se dá apenas no final, quando a história já avançou em mais de 90% do texto. Antes disso a lendária baleia é mencionada em poucos relatos, sendo a maior parte dedicada a múltiplos detalhes sobre a exploração baleeira, o que reforça a percepção de romance histórico.

O contexto é bastante realista e não poderia ser diferente, pois o autor fez minuciosa pesquisa e também valeu-se de experiência como tripulante em um navio baleeiro, testemunhando de perto muita coisa que o livro conta.

Melville fez menção às baleias englobando diferentes épocas e obras da literatura mundial; trouxe relatos históricos (como os desdobramentos com o navio Essex, uma das inspirações para o livro); descreveu a biologia de época sobre os cetáceos (e do passado pré-histórico também); mitos correlacionados (como a definição da baleia como o leviatã); a religiosidade despertada no contexto; os navios baleeiros e seus tripulantes em vários detalhes; e perigos enfrentados no cenário natural e sobretudo na caça, onde o leitor tem revelações até então pouco abordadas, como se fora uma experiência 'in situ' diante dessa realidade.

Para mim três coisas se destacam na valorização desse recorte temporal referente à exploração das baleias.
- A primeira é que a caça em si tem similaridade à uma CORRIDA PELO OURO. Vemos o desprendimento acirrado dos homens nessa busca, que levava à empreitadas de afastamento a lugares ermos por dois ou três anos, onde haviam incertezas diante do desconhecido e perigos, mas também esperança de jornada com bons retornos. O óleo era valioso, a busca difícil, mas a recompensa poderia ser satisfatória, de certa forma como na corrida pelas riquezas.
- O leitor percebe que o livro tem várias referências a nomes ou passagens bíblicas (por exemplo, Ismael é o nome do narrador e o 'lamento de Raquel pelo destino dos filhos' é referenciado na busca do navio que não por acaso tinha o nome de Raquel e lamento do capitão por conta do filho desaparecido). A religiosidade é também notória em arpoeiros não cristãos, como em Quiqueg, nativo da Oceania. Esse é o segundo aspecto notório na obra, A RELIGIOSIDADE, impulsionada pela necessidade de segurança e esperança, algo comum em situações de interação bruta com a natureza, diante de apreensões. Quanto mais visceralidade nessa interação, maior a predisposição para a fé. Não é regra, mas acontece com frequência. É uma fé movida pelo medo... Pudéssemos ter fé como de Habacuque, não apegada às circunstâncias, como se relata em Habacuque 3:17-19.
- A terceira é a MITOLOGIA no contexto, na equiparação da baleia ao Leviatã, monstro mítico descrito na Bíblia. Creio que essa particularidade se dá como um enobrecimento à jornada dos baleeiros, ressaltando enfrentamento a perigos inimagináveis. Uma exaltação de atribuição heróica a eles...
Dessa forma, na junção dos três aspectos, temos uma valiosa busca de riqueza, que denotava fé e era cheia de históricas míticas.

Registrando algumas curiosidades, Ismael embarcou em busca de aventuras e tinha apego pela adrenalina a ponto de ser descrito como brigão provocador antes da fatídica viagem; na pesquisa minuciosa Melville cometeu um erro na questão bíblica, ao referenciar Gabriel como arcanjo (A Bíblia relata apenas o nome de um arcanjo e este é Miguel, talvez o único arcanjo que exista, outros nomes são de origem apócrifa); ainda na questão bíblica foi curiosa a abordagem do padre Maplle sobre a história de Jonas (equiparando-o a um contrabando no navio em que fugia, similar a algo ilegal); e foi também interessante a descrição do povo de Quiqueg diante da morte (para eles não havia entrega fácil a circunstâncias trágicas, com resolução de luta a que muitos na prática não se dispõem, como se não devessem sucumbir antes de cumprir um papel a que se sentem responsabilizados).
Apenas anotações, curiosas pelo menos para mim...

Sobre pontos negativos, vou falar apenas de algo que me incomodou como leitor, referente à edição que li (porque da história, em seus acertos e erros gostei muito). Trata-se do capítulo 32, de nome "Cetologia". É uma descrição biológica sobre as baleias conforme o pensamento do século 19. Meu descontentamento é na ausência de notas editoriais decentes, que situem o leitor sobre as descrições que Melville fez. Vergonhoso a edição trazer nota que diz que não tem conhecimento na atualidade em certos aspectos citados pelo autor. Oras, que coisa desleixada e insatisfatória, de pouca valorização à obra...

Finalizando, no ápice do livro, sobre os desdobramentos finais, tão esperados por Acab, o leitor tem impacto de tudo o que o livro vinha expressando e duvido que não tenha sua criticidade despertada! Afinal, em paralelo às percepções que havia registrado, aquela caça a Moby Dick não é 'corrida pelo ouro', muito menos evoca algo religioso sobre conquista, nem tão pouco, por mais que a baleia seja magnificamente poderosa e perigosa, esta não é um Leviatã., em verdade, quem é o monstro? Há inversão de papeis e vemos o homem no papel de irracional, com motivações torpes e disposições egoístas... Certamente não era a adrenalina que Ismael buscava, nem missão almejada por Quiqueg, e todos não deviam estar ali, tal qual Jonas no barco em que fugia.
Chega de spoiler... como se todos não soubessem como é mais ou menos essa história...

Foi a segunda vez que li a obra em texto integral, consumiu bastante meu tempo, concentrei a leitura quase só nela durante alguns dias, mas novamente foi uma experiência muito boa.

Li nos idos da pandemia em Macapá...
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bruno.veiga.33 08/09/2020

Leitura densa e complicada
O livro é enorme e não só em número de páginas. A leitura é densa e cansativa, mais da metade do livro é sobre o funcionamento de navios baleeiros e descrição da sociedade da época, mantendo a história em si bem engessada.

Apesar de ser engessado, o livro é emocionante de mais e te faz respirar fundo em determinadas partes, fazendo com que valha a pena ficar horas lendo sobre as partes de um navio e para que serve cada uma delas.
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Glauber 22/02/2023

Clássico
Não é à toa que esse livro está na prateleira dos clássicos da literatura. O leitor é transportado à bordo do Pequod e vivencia toda as aventuras e loucuras do capitão Ahab, na caça à Moby Dick. Muito interessante toda a descrição das técnicas pesqueiras, de tal forma que você se sente um marinheiro experiente.

Enfim, vale muito a pena, pela forma que é conduzida toda a história. Muito bom!
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Cristiane 28/09/2022

Moby Dick
Trate-me por Ismael. Há alguns anos ...
Assim começa este livro que é uma obra prima. Parágrafos poéticos, alguns capítulos cansativos (toda a explicação sobre os tipos de baleias, sobre a pesca, sobre a forma que as baleias são despedaçadas, a extração do óleo) mas a beleza e a força desta obra são inexplicáveis... A teimosia do capitão Ahab, a ingenuidade e a força de Queequeg... O navio que é praticamente outro personagem...
Cada um de nós enfrenta o seu monstro branco...
Comecei a ler este livro em ebook e continuei na versão da Editora 34. Que edição maravilhosa, senti desejo de reler o livro nela.
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Aguinaldo 08/02/2011

moby dick
Moby Dick. Don Gilmar encomendou para mim e o tijolo chegou bonito à CESMA uns dias atrás. Começei ler naquele sábado mesmo. Este é o tipo de livro que já estava tempo demais na minha lista de futuridades. A bela edição da Cosac Naify fez-me resolver enfrentar o Leviatã (que é como o autor se refere as baleias em geral). A edição inclui vários mimos para o leitor: um glossário de termos náuticos, ilustrações de navio e bote baleeiros, bibliografia, um belo mapa com o trajeto do Pequod pelos mares até encontrar Moby Dick e três belos ensaios sobre o livro, muito esclarecedores. Eu incluiria ilustrações dos tipos de baleia descritos no livro, como o cachalote e a baleia franca, para ajudar o leitor a imaginar a forma destes seres absurdamente maiores que os homens, mas o editor deve saber o que faz. Mas o que dizer de um clássico? Apesar de grande (e pesado, não foi fácil sair por aí carregando o livro, o que se tornou um motivo a mais para lê-lo logo de uma vez) não é uma leitura muito complicada. Claro, há trechos repletos de enigmas literários, históricos e bíblicos e também longas descrições complexas sobre vários temas (náuticos, anatômicos, biológicos, físicos, históricos, meteorológicos) que podem afastar um leitor mais interessado na caça em si de uma baleia. Como escreve Evert Duyckinck em sua resenha (publicada no mesmo ano que o livro, 1851) há vários livros neste livro: uma consideravel parte dele dá ao leitor os vários aspectos técnicos do que é uma baleia (mais especificamente um cachalote, uma baleia que tem dentes) e de como e porque se caçava uma baleia no século XIX; em uma outra parte do livro, que de fato é até modesta, diria menos de um terço do livro, temos o romance em si da caçada de uma baleia específica, Moby Dick; e, por fim, há uma terceira parte que envolve as reflexões um tanto moralizantes do narrador, Ishmael, analisando a alma humana e sua relação com a deidade. O romance da caçada envolve personagens marcantes, como o capitão Ahab, que deseja apenas vingar-se de um baleia que destruiu sua perna em uma outra ocasião, não se importando com o destino de seu navio e sua tripulação. Outros personagens são igualmente inesquecíveis: Queequeg, o arpoeiro asiático de corpo tatuado; o primeiro imediato Starbuck, um Quacker relutante quando tem de enfrentar seu irascível capitão; o arpoiro Tashtego, que renasce das entranhas de uma baleia; o bem humorado segundo imediato Stubb; o misterioso arpoeiro pessoal de Ahab, Fedallah, que profetiza o destino funesto de todos por conta da caçada. As imagens construídas por Melville são sempre muito vívidas. Um sujeito mais romântico facilmente é levado a sair para o mar e conhecer o mundo misterioso da vida em um navio de grande porte. Os leitores que têm curiosidade científica certamente vão achar o livro gostoso de ler: até a descrição do que é o problema da braquistócrona, isto é, achar a curva de menor tempo de viagem entre dois pontos para um objeto sob uma força gravitacional constante, proposto por Johann Bernoulli, no início do século 18 e que eu ensino nos meus cursos de mecânica clássica aparecem disfarçados no livro. A inversão da polaridade de uma agulha de bússula por conta dos raios de uma tempestade no oceano pacífico também aparece bem contada no livro (assim como o procedimento que o capitão utiliza para re-imantar o objeto). Curiosa também é a descrição da topologia das terras altas dos Andes, que já foram o fundo de algum mar em tempos remotos. Todo este material deve muito a literatura naturalista e/ou realista do século XIX. Há também muitas citações literárias (além das mais obviamente bíblicas) como a do Albatroz de Coleridge. Assim como no Quixote temos histórias vagamente relacionadas ao texto principal nele enxertadas (a do motim do navio Town-Ho ou a dos sucessos do navio Samuel Enderby, por exemplo), mantendo o leitor preso ao livro, mas ansioso por uma conclusão da história principal. Foi uma bela semana de leitura. Semana chuvosa, como se o mar viesse a Santa Maria tornar mais verossímel a leitura. Don Ronái acompanhou-me nesta viagem e se deliciou também neste mar. Ainda temos de conversar sobre estes senhores corajosos e suas obsessões, sobre a brancura das coisas, sobre a moralidade das gentes, apoiados em nossos banquinhos mochos, esquecidos dos aborrecidos sucessos locais. Finis.
"Moby Dick", Herman Melville, tradução de Irene Hirsch e Alexandre Barbosa de Souza, editora Cosac Naify, 1a. edição (2008) capa dura 17x23.5cm, 656 pág. ISBN: 978-85-750-3670-9
Pedróviz 23/05/2011minha estante
Acho que preciso reler esse livro...


Thiago 30/08/2012minha estante
Excelente resenha Aguinaldo. Mas um "enter" de vez em quando daria mais leveza na leitura. Abraço.




Marc 01/07/2021

Entristece quando lemos comentários sobre um livro desse porte apontando uma leitura difícil, cansativa e monótona. Dentre os inúmeros males que livros como Harry Potter fazem está, sem dúvida, o de criar leitores impacientes, incapazes de ler mais de 5 ou 10 páginas sem que algo emocionante aconteça, para fisgar e manter a atenção. Ou ainda, como dizia Nietzsche, falta a nós a capacidade de ruminar e suspender a vida para segurar um pensamento e esmiuçá-lo. Mas não quero fazer comentários sobre o tipo de leitores que o livro tem recebido ultimamente, não vale a pena.

O termo que Ishmael usa para descrever a baleia poderia muito bem ser aplicado ao próprio livro “Moby Dick”. A rigor, vendo tantas interpretações (li a edição da 34, com alguns textos interessantes, mas que demonstram essa impossibilidade de se digerir o livro), tantos estudos e comentários filosóficos, não se pode deixar de notar que raramente há concordância entre eles. Parece que o livro é inabordável, assim como as próprias baleias. Do que ele fala? Pergunte para 20 pessoas e provavelmente vai obter 20 respostas diferentes. Entender a história é fácil, todos vão dizer que se trata do relato da obsessão do capitão Ahab pela baleia Moby Dick e da longa viagem até que o seu navio (Pequod) a encontre para a batalha final entre os dois. Simples. Mas esse não é o tema do livro, é apenas a desculpa que Melville usa para falar de outras coisas mais importantes.

Melville tinha verdadeira admiração por Shakespeare. São muitas as passagens em que ele faz referência a diversos textos do dramaturgo inglês. A visão de mundo, a maneira como os personagens se relacionam, Ahab, muita coisa nessa obra é devedora de Shakespeare, como alguns já disseram. A meu ver, isso torna ainda mais saborosa a leitura, mesmo nos trechos considerados “monótonos”, pois é preciso compreender que ali está se construindo o significado de todo o livro, que vai culminar na tragédia. Isso tudo é verdadeiro, mas ainda não explica o livro.

Só passei a me sentir minimamente confortável (porque uma leitura que não conseguimos decifrar nos incomoda) quando me lembrei de uma outra obra, posterior, mas igualmente difícil de ser abordada. Me refiro a “Memórias do Subsolo”, mais especificamente à explicação dos motivos pelos quais o socialismo e a ciência falharão sempre ao lidar com a humanidade: porque ela não é uma tecla de piano. Quer dizer, é possível ensinar algo às pessoas, convencê-las de que agir de determinado modo é sempre mais correto, dar justificativas, etc; mas é impossível garantir que, mesmo de posse de todas as informações, relatórios, certezas filosóficas e científicas, não haverá simplesmente a vontade de modificar o padrão e agir de forma diferente. Pode parecer simplista afirmar isso sobre Ahab, um personagem tão complexo, mas só assim pude voltar a dormir tranquilamente. Mesmo alertado sobre o grande risco, sobre seu destino inevitável, caso não modificasse a rota, ele insiste em enfrentar a baleia.

Uma baleia diferente de todas as outras, maior, mais inteligente, com um “apetite” pela destruição, em seu ambiente próprio, ao mesmo tempo em que tem sua mobilidade reduzida e sentindo o peso dos anos; tudo é desfavorável a Ahab, mas ele não desiste, não pensa em desistir. É tocante ver, já perto do fim do livro, o quanto ele se humaniza, falando da esposa e filho, tentando estabelecer laços com Starbuck, seu imediato, olhando a obra de uma vida a partir de uma outra perspectiva: a de quem já está praticamente fora dela, conseguindo ter um olhar sobre o todo, livre das emoções e das expectativas sobre as consequências de suas ações e o futuro. Creio que, de tudo, isso é o que mais nos deixa desconfortáveis, porque ele sabe qual será seu destino, sabe que não vai sair vivo daquele confronto, mas persiste. Dizer que se trata de um monomaníaco me parece tão reducionista... Ahab tem a coragem de dedicar sua vida a algo maior, algo que será sua ruína, mas ele precisa fazer. E isso justifica, pelo menos a seus olhos, qualquer decisão em sua vida. Se fosse apenas um maníaco, Ahab esperaria obter sucesso, mas ele SABE que não tem chance alguma.

Se poderia dizer que eu tento desvincular a imagem de Ahab do louco obsessivo enquanto o defino dessa mesma forma usando outras palavras, mas não. A força dele é não ser louco, pois se fosse esse o caso, em algum momento seu projeto desmoronaria antes de encontrar a baleia. Projetos baseados na loucura tendem a ruir em algum momento, geralmente quando outros homens começam a questionar sobre sua racionalidade; isso acontece, mas Ahab continua. E todos os outros começaram a questionar a validade dessa busca, fazendo o clima de mau agouro perpassar muitas páginas, até o encontro com Moby Dick. Mas não há loucura aqui. Outros não são capazes de compreender a amplitude do que tem diante de si, da força de vontade de Ahab, da sua imensa liberdade de escolher a morte a viver mediocremente, com medo e sentindo pena de si, por não ter uma perna, por carregar inúmeras cicatrizes. Melville alcançou uma verdade universal e mesmo que não seja possível estabelecer uma definição satisfatória a esse respeito, nós sentimos que ela está presente. Talvez seja terrível demais para ser formulada de outra maneira, não sei, mas o livro se tornou um dos pilares de nossa cultura, um verdadeiro mito (no sentido antropológico).

Pode ser que essa capacidade de não se deixar rotular seja porque tentamos encontrar veracidade na descrição de Ishmael e ela entre em contradição com a mensagem. O significado e o significante, se podemos dizer desse jeito, talvez não estejam em acordo. Mas isso é apenas uma hipótese, claro. Me refiro ao fato do narrador tão inteligente e letrado, capaz de fazer longas considerações sobre a natureza humana, sobre as baleias e filosofar livremente, mas, ao mesmo tempo, ser enredado pela retórica de Ahab, que consegue motivar a todos do navio, mesmo diante de um plano tão absurdo. Ele, Ishmael deveria aparecer como a voz da desconfiança, mas isso não acontece em momento algum do livro. Mesmo a razão parece ser dominada por essa vontade colossal. Talvez essa seja a verdadeira mensagem do livro algo sobre a capacidade da vontade humana de contrariar a tudo, a despeito de sua própria ruína. E se a razão, tão enaltecida por todos os pensadores da época, fosse apenas uma camada superficial, frágil, diante de um esqueleto poderoso e assustador, escondido, mas que dá a verdadeira sustentação a toda a existência? O que seria essa força, portanto? Esse poder básico e aterrador, grotesco e grandioso, como o esqueleto que ele deixa para descrever por último quando fala das baleias, seria uma força a qual Ahab estaria afinado e levaria toda a sua tripulação na mesma direção, exceto, mais uma vez Ishmael, que fica condenado a apenas relatar o que vê, sem poder de ação.

Melville está lidando, muito provavelmente, com a consciência da transcendência humana, ou seja, com o entendimento de que a vida humana vai além da vida material, mesmo quando o objetivo parece ser demasiadamente humano. E, como não há exatamente uma linguagem para descrever esse tipo de experiência sem cair em misticismo, sentimentalismo ou obscurantismo, o mito serve bem ao propósito de sua empreitada. Esse é o motivo pelo qual o livro se torna um enigma tão grande e tem tantas interpretações quanto leitores (modo de dizer). Agora, qual o sentido dessa experiência, além da própria experiência em si, isso fica para cada um descobrir. Não se pode esquecer que mesmo dentro do rigoroso pensamento de Levi-Strauss, Moby Dick, a baleia, poderia facilmente se configurar como um mito, porque corresponde a seu critério fundamental, o de que os mitos são verdadeiros trabalhos de bricolagem (inconscientemente ou involuntariamente).

No pensamento de Levi-Strauss, os mitos são compostos de pedaços de outros, de pensamentos e sobras de elementos históricos, enfim de uma somatória de elementos que se relacionam e compõem um todo, bastante dinâmico, no entanto, mas que tem uma lógica interna. É uma combinação com novos usos, com novas conexões e que terminam apresentando uma característica fundamental: de certa forma, todos os mitos se assemelham, afirmação que seu trabalho vai tentar comprovar ao longo de décadas, sendo impossível retomá-la aqui. Mas o que devemos reter é que mitos são uma combinação, mesmo em seu conteúdo, mas sobretudo na forma, de elementos díspares e dispersos.

E mesmo que Levi-Strauss tenda a não encontrar indícios de veracidade nos mitos, eles são formas que a humanidade encontrou para tentar explicar aquilo que fugia a seus recursos de entendimento, ou seja, a sua linguagem. Veja como isso é importante: o mito é uma maneira de insinuar alguma verdade incompreensível da existência humana para a qual não há meios de se falar com segurança. É por esse motivo — e nesse ponto discordo radicalmente de Levi-Strauss — que os mitos se parecem ou tem mecanismos semelhantes, porque a existência humana tem uma dimensão transcendente, para a qual não existe linguagem que dê conta, sendo necessário aludir de alguma maneira a ela, mesmo sem explicar. Quando acompanhamos essa história, mesmo já sabendo o fim, ela remete a uma verdade que não temos como explicar, mas que sentimos estar ali. Os mitos são uma combinação de elementos diversos porque mesmo tudo o que o homem foi capaz de produzir, não é capaz de dar conta dessa dimensão.

Ora, seria um mero acaso que o começo do livro consiga combinar, na mentalidade do homem do mar, tanto o paganismo de Queequeg e o sermão sobre o profeta Jonas? E não se pode deixar de notar que a descrição da personalidade, religião e costumes do selvagem são uma verdadeira aula de antropologia. Da mesma forma, o sermão sobre Jonas é absolutamente incrível, com ressonâncias por todo o livro. Mas também a união com a ciência náutica e o estudo das baleias, o modo como caçá-las e tudo isso reconfigurado, trabalhando ao lado da “obsessão de Ahab”.

E aqui a importância de dizer que Melville recorreu à criação de um mito, não apenas por usar uma criatura assustadora e poderosa demais, mas pelo mar, essa barreira ainda hoje misteriosa e que simbolicamente tem um significado vasto. E, claro, Ahab. Se tornou um lugar comum nos referirmos a ele como um obsessivo, intransigente e louco, que só enxerga sua vingança e mais nada. Talvez tudo isso esteja nublado pela necessidade de Melville de tentar traduzir a questão da transcendência da vida humana em termos os mais materiais possíveis. E se, apesar de sua personalidade histriônica, o que nos faz pensar em uma pessoa um pouco fora dos padrões, fosse mais do que uma vingança? É certo que as palavras trazem ruído, ou seja, que nossa comunicação não é cristalina e a incompreensão paira sobre tudo o que fazemos o tempo todo. Não tenho dúvida que Melville precisava de uma criatura completamente inabordável para mostrar que a amplitude de uma experiência de vida não pode ser resumida em simples palavras.

O que estou tentando dizer, através dessa lembrança de que Moby Dick é, afinal, um mito, não uma metáfora apenas, é que se não há linguagem possível para descrever a grandeza a que uma vida pode chegar, só resta fazer menção a algo que é essencialmente incompreensível e que serve aos homens das maneiras mais tolas possíveis, apesar das dificuldades de se chegar a ela. Pense bem: aventurar-se até diante de furacões para conseguir óleo para lamparinas... Ou qualquer outra utilidade prosaica que tivessem descoberto, não importa. Arriscar a vida por tão pouco. E toda a aventura , toda a dificuldade, todo o risco; francamente, não vale a pena. Apenas isso já indica que na verdade essa experiência tem um outro tipo de pagamento além do que recebem quando o navio retorna com porões cheios de óleo. É claro que Melville fala da plenitude da vida, de seus limites mais perigosos, onde a identidade se perde e não há mais temor algum de nada. O que se recebe em retorno a essa experiência, no entanto, acho que nem mesmo ele puderia dizer, não ao menos de modo compreensível. Creio ser esse o motivo pelo qual o livro se tornou um alicerce de nossa cultura, um clássico absoluto. Ele trata dos limites da vida humana, de uma experiência tão extrema (que não significa o risco da caça às baleias, mas da transcendência da vida) que simplesmente não há linguagem apropriada possível e capaz de dar conta do que Melville pressentiu. Daí a utilização de um mito, que ele foi buscar um pouco no história de Jonas, um pouco no paganismo, um pouco na realidade e nas histórias de pescadores, etc. “Moby Dick” é isso, portanto, um enorme caleidoscópio que combina elementos para dizer o indizível, o inabordável.

Por isso, não é um livro de aventuras, embora possa ser lido dessa maneira. Mas deixa a sensação de que participamos de algo terrível demais para ser apenas uma aventura, mesmo uma tragédia. E a verbalização do que acabamos de ler é sempre travada por alguma coisa que não se consegue dizer. O que faz de “Moby Dick” um livro tão grandioso? Certamente não é a descrição - bastante tímida a meu ver – de Ahab. Esse é só mais um elemento para se colocar no caleidoscópio. Mitos são profundamente ligados à cultura de que fazem parte. E creio que uma pista para a compreensão do livro é o século em que foi escrito. Por exemplo, Darwin lançaria seu livro fundamental para toda a ciência posterior a ele, ainda nessa década. Havia uma explosão de pensadores, como Marx e Engels, o socialismo pulsante na Europa, enfim, a humanidade estava enveredando claramente para explicações estritamente materialistas da vida e dos fenômenos, sejam eles sociais ou naturais. A antropologia nascia enquanto ciência, também e Melville, embora aparente desconhecer qualquer formação nessa área, consegue fazer etnologia no começo de seu livro. Apenas essa ciência, que abordava comparativamente os homens e suas culturas, religiões, sociedades — e desprezando qualquer explicação religiosa sobre as diferenças — já seria capaz de modificar os rumos do entendimento da humanidade sobre si. Creio que Melville pressentiu essa guinada e deu uma resposta enigmática para toda essa nova visão sobre o ser humano.

“Parece-me que, olhando para as coisas espirituais, somos como ostras observando o sol através da água e achando que a água espessa é o ar mais sutil.” (p. 63)

Essa frase, ainda do começo do livro, mas que ecoa a célebre frase de Shakespeare, indica que o autor não pensa em respostas, mas em dúvidas, pois são elas que fazem a humanidade lutar e progredir. Num século em que a ciência parecia encontrar tantas respostas sobre o homem, aparece um livro meio esquisito falando de coisas que não se limitam à vida concreta, mas que a direcionam e a recolhem, resignificando toda a existência e levando a uma busca perigosa e sem promessa alguma de sucesso, mas que não se pode deixar de lado. Ahab só é um maníaco se estivermos fechados a essa dimensão, se tratarmos as coisas do espírito como questões psicológicas, encaixadas em explicações perfeitas e que não deixam espaço para nada fora delas. Mas o fenômeno humano é muito mais complexo e maior do que essas explicações.

Valeria a pena comentar sobre o sermão a respeito do profeta Jonas, que aparece no começo do livro, mas isso seria longo e além de minhas capacidades. A despeito disso, deixo aqui uma citação retirada dele, onde o pastor diz que Jonas procurava fugir de Deus pelo mundo e isso jamais poderia terminar bem.
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Layla.Ribeiro 16/10/2022

Leitura cansativa, mas finalmente conheci Moby Dick
Eu sempre quis ler Moby Dick, principalmente por ser um clássico da literatura, como surgiu uma oportunidade de leitura conjunta eu embarquei nessa estória imaginando que teria dificuldades com a linguagem e não tive, o maior problema do livro para mim é que o autor por muitos momentos deixa a estória do livro de lado e se dedica a muitos capítulos com divagações , aula de anatomia sobre a baleia e um guia prático de como funciona a caça as baleias, sim, como exemplo tem um capítulo que ele filosofa sobre a cor branca da cachalote e esses capítulos densos me cansavam a um ponto que até quando ele retomava a estória levava um tempo para eu entender que ele voltou a narrativa, cheguei a conclusão que a obsessão de Melville por baleias era maior que a de Ahab por Moby Dick, entretanto não tiro o mérito dessa obra na qual pude tirar algumas lições interessantes e a estória principal não é ruim, é uma aventura bem legal, então caro leitor se você não se interessar muito pelos assuntos que citei acima eu aconselho ler o texto adaptado desse livro e caso gostar embarcar nessa baita obra, se não fosse a leitura conjunta ou minha teimosia com certeza teria abandonado a leitura porque não foi fácil.
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Leandro Lawall 09/01/2009

Descritivismo exagerado. Livro chato. História chata.
Cris 15/01/2009minha estante
é preciso paciência , livro pra uma época mais , digamos , slow nos enredos.já tive vontade de manda o segundo capítulo matar de forma ecológicamente incorreta aquela chatice de baleia!


Gigio 21/09/2011minha estante
Concordo plenamente. Foi por persistência que cheguei ao final. Vários trechos extremamente desinteressantes. Não recomendo.


guto 30/10/2012minha estante
olha gente que acho esse livro chato vocers nao tiveram paciencia de loer ew capitar todas as informacoes da narrativa e mt bom mas claro que tem que ter paciencia


Jordano 05/06/2014minha estante
Eu também achei bastante chato, principalmente nas partes que detalham as técnicas e instrumentos dos baleeiros. Entendo o papel de minuciar as coisas, faz sentido para o objetivo do livro... mas acredito ter passado do limite razoável. Terminei o livro com a sensação de que 350 páginas poderiam ser dispensadas sem prejuízo nenhum. Quanto à edição, recomendo que fujam da Editora Martin Claret (coleção "A obra prima de cada autor"). A tradução e a revisão foram sofríveis.


IvanVenson 09/12/2014minha estante
Recado aos leitores,
Por favor, desconsiderem comentários como este aqui de cima. A leitura dos clássicos é fundamental e nunca será "perder tempo da sua via " (sic). Um clássico nos faz compreender e conhecer muito melhor uma determina época. Mas é claro que não é um livro para todos. E não se trata e nunca se tratou da história, ou da trama, pois esta já se sabe desde o início qual será o desfecho, assim como Grande Sertão: Veredas, será que alguém lê Garcia Marquez pela história, pelo enredo? Com certeza não, mas pelo prazer de abrir o livro em qualquer página e se deparar com uma obra-prima que é o texto. Para aqueles que gostam de suspense e de serem surpreendidos pelo enredo no final, não faltam boas obras como livros do Harry Potter, Paulo Coelho ou mesmo as novelas da Globo, todas cheias de muitas reviravoltas e emoções no final. Cada um deve saber qual seu nível de leitura, mas por favor não influenciam outras pessoas por causa disso, não meça os outros por sua régua.


Carolina 14/09/2015minha estante
KKKKKKKKK. Concondo plenamente. A história em si, no começo é interessante. Mas durante o enredo se torna MUITO cansativa. É quase um guia de como ser caçador de baleias. "Isso fica nesse canto do barco", "Isso fica ali", "É assim que se vigia as baleias" e talz. Claro que há quem se interesse.. Mas acho que não é uma leitura tão interessante como as de outros livros. Eu não recomendo.




Heloísa 02/10/2020

Cachalote não é uma baleia
Moby Dick é cachalote, não é uma baleia, pois possui dentes. E Ahab é seu oponente. Ao longo do livro fica a pergunta: quem é o verdadeiro monstro? O homem ou o animal? A história é narrada por Ishmael, um temido professor de escola do interior que decide se aventurar na caça às baleias. Mais do que um livro sobre a caça ao cachalote branco, é um livro com citações bíblicas (o sermão do Padre Mapple sobre Jonas e a baleia é de tocar a alma) e lições e reflexões profundas sobre a vida, que se afinam com diferentes vertentes filosóficas ou religiosas. Alguns comportamentos nos chocam, testando nossa capacidade de aceitação (como Queequeg andar pela cidade com cabeças decepadas), outros nos encantam, como a amizade sem nenhum tipo de preconceito entre o cristão Ishmael e o selvagem Queequeg. Uma das minhas citações favoritas é a do poder que um homem fanático tem de atrair seguidores, mesmo que suas ideias sejam absurdas, como no caso de Gabriel, para quem, no seu fanatismo, o cachalote é Deus de fato. E ele chega a mentir várias vezes para justificar suas crenças.
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Anderson 28/06/2020

Uma pena para melville
A maior tristeza é descobrir que esta obra maravilhosa nao gerou nenhum fruto para o escritor.
Confesso que pela extensao achei que demoraria mais para terminar, mas a leitura é super agradavel e tranquila. Provavelmente é um dos melhores livros que já li. Esta no meu top 5 dos clássicos.
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Paulo Freitas 17/07/2022

Clássico mundial sobre um capitão e uma baleia, a narrativa é sobre a obstinação na caça da baleia que lhe causou a perda de uma perna, durante essa jornada pelos oceanos todos os sentimentos humanos afloram no capitão e na sua tripulação. Um livro que nos mostra o quanto alguns sentimentos podem nos levar tanto a nossa decadência como a de quem nos rodeia.
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Deh 10/03/2022

"Parece-me que nos temos enganado vastamente nesta questão de Vida e de Morte. Parece-me que o que chamam de minha sombra aqui na terra é minha verdadeira substância. Parece-me que, ao considerar as coisas espirituais, aproximamo-nos muito de ostras que observam o sol através da água, a pensar que essa água espessa é a parte mais tênue do ar. Parece-me que meu corpo é apenas a borra de meu ser melhor. Na verdade, leve meu corpo quem quiser, levem-no, eu digo, ele não é o que sou."
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Silas 08/07/2022

Bom, mas muito comprido e cheio de detalhes
A história é boa, mas tem muitos capítulos que contam muitos detalhes, acaba ficando chato muitas vezes.
Pra quem quer saber sobre as baleias e funcionamento das caças antigamentes, ótimo. Para ler uma história apenas, fica muito demorada com muita enrolação.
Silas 08/07/2022minha estante
Vi que tem uma versão mais curta de Moby Dick, deve

Vi que tem uma versão mais curta de Moby Dick.
Deve ser bem mais legal pra ler.


Karolaine 11/07/2022minha estante
Tô lendo já tem um mês e ainda tô na página 200, tô achando muito chato


Silas 11/07/2022minha estante
Koralaine
Tenta achar a versão mais curta.




Luigi.Schinzari 16/01/2021

Sobre Moby Dick, de Herman Melville:
É ímpar o fato de uma obra literária cair no conhecimento popular da forma como ocorreu com Moby Dick (1851), de Herman Melville (1819-1891), ainda mais sendo a obra que é -- densa, por vezes arrastada (propositalmente, vale adiantar), polvilhada de significados implícitos. A história da vingança do Capitão Ahab contra a cachalote pálida paira sobre o imaginário coletivo há tempos, mesmo àqueles que não leram a obra em si a história dos marinheiros caçando Moby Dick é nítida por conta de suas referências na cultura ao redor, seja em filmes, quadrinhos, desenhos (como esquecer a Dicky Moe de Tom & Jerry?) ou até mesmo na música (relembrando a obra-prima de John Bonham, baterista da banda Led Zeppelin, em seu solo épico homônimo a obra de Melville, invocando a magnitude da baleia em cada uma de suas poderosas batidas), mas sua base, a obra em si, continua sendo um dos maiores expoentes da literatura norte-americana e, não à toa, é motivo de profundos estudos acadêmicos até hoje.

A incessante busca engendrada por Ahab a baleia branca que comeu uma de suas pernas envolve muito mais do que uma trama simples de vingança. Melville utiliza a perseguição como ponto de partida para retratar o ambiente baleeiro, com detalhes mínimos da vida marítima narrada por Ishmael, nossos olhos durante o livro e tripulante novo do navio Pequod junto a seu recém conhecido amigo selvagem Queequeg, exímio arpoador e descendente de uma linhagem real de sua ilha, a fictícia Rokovoko, no sul do Oceano Pacífico. Em seus solilóquios, por vezes, intermináveis sobre a caça baleeira -- a época, eram muitos os recursos utilizados com a carcaça do mamífero aquático, principalmente com seu espermacete, contido na caixa craniana da cachalote, assim como várias outras funções para a sociedade do século XIX --, Ishmael perpassa pelo convívio junto a outros marinheiros, o clima modorrento da rotina no navio e, principalmente, o cego ódio de seu capitão a um ser irracional.

Concentrar Moby Dick, obra vasta como é, em uma categoria apenas seria um trabalho precipitado, mas, caso analisemos unicamente sua trama em um esforço buscando concisão, é inevitável chegarmos a conclusão de que é uma história sobre vingança e conflito contra o inevitável, com todas as outras narrativas passadas pelo Pequod e sua tripulação -- ricamente explorada e diversificada, espelhando os Estados Unidos de Melville e de seu futuro -- partindo de um único elemento, a caçada. A narrativa de Melville nos leva a enxergar, junto a Ishmael, quão incessante pode vir a se tornar o homem quando guiado por um sentimento pouco ou nada nobre como a vingança, e como esta engendra a todos em sua malha de tragédias infindáveis assim como Ahab contamina todos seus marujos, que ali estão para caçar várias cachalotes por conta de seu serviço oneroso, com sua sede de conflito contra a cachalote branca.

Os muitos capítulos que tratam sobre a parte prática da vida e dos conhecimentos da pesca baleeira e seus fins podem ser vistos, em uma leitura mais apressada, como momentos a serem finalizados o quanto antes para logo poder voltar propriamente a trama em si, mas acaba perdendo quem enxerga esses momentos de análise como algo inútil e desinteressante. Tirar as partes de Moby Dick sobre as atividades dos arpoadores, sobre o navio e sua física, os recursos utilizados para a caça, o processo de extração do espermacete de dentro da cachalote e uma análise sobre as diversas espécies de baleias e sua biologia seria extrair parte fulcral para a obra ser o que é. São com essas pausas narrativas que Melville nos posiciona ao lado de Queequeg, de Ishmael, de Ahab e todos os outros habitantes daquele cosmo em forma de navio e deixa o leitor plenamente integrado e entendido sobre o que virá. Para traçar um paralelo, tal recurso é semelhante, guardada às suas devidas proporções, temas etc., aos monólogos filosóficos de Tolstói em Guerra e Paz, tão criticada por aqueles que não buscam compreender a obra como um todo quanto as repreensões dadas a Moby Dick por seus capítulos analíticos.

Melville prepara toda sua conclusão catártica, o inevitável e conhecido encontro do Pequod com Moby Dick, durante toda sua obra, cozinhando a tragédia que paira por toda narrativa sobre as cabeças dos baleeiros; é de se admirar como o autor conseguiu imprimir unicamente por meio de sua escrita hábil o tom shakespeariano (uma de suas principais influências junto a Bíblia Sagrada, como veremos mais adiante) da desgraça iminente. São muitos os alertas dados pelo decorrer da história a tripulação do Pequod para não persistirem em sua cega caçada. Assim como a morte, Moby Dick faz parte da natureza, é próprio associá-la a mão de Deus sobre os homens dentro da obra, e é sua representação máxima, e confrontá-la traz consequências catastróficas e irrevogáveis; há um mau agouro ali, seja pelos acontecimentos, seja pela narrativa magistral do autor, que leva o leitor a viver propriamente em meio àquele ambiente sujo, por vezes violento, mas também lugar de companheirismo e questionamentos, que é o Pequod.

Portanto, é de se estranhar como uma obra dessa envergadura, semelhante ao tamanho da criatura que dá nome ao título do romance, tenha alçado tal reconhecimento fora do panteão da literatura norte-americana (local em que habitaria de qualquer forma por conta de sua qualidade inegável e inigualável, peço perdão pela gagueira), mas fica claro que as fortes imagens evocadas por Melville ao longo de sua obra -- Ahab e sua amputação substituída por uma perna de marfim de baleia, Queequeg e suas cabeças encolhidas compondo uma imagem mítica de um nobre selvagem e, principalmente, o leviatã esbranquiçado, perfurado por toda sua carcaça com diversos arpões, com todos os ferimentos herdados das pelejas travadas e, ainda invicto, vencidas, soprando seu jato único enquanto nada violentamente pelo globo. Violentamente? Bem, talvez seja apenas sua reação a perseguição dos homens, pois, como se vê em Moby Dick, nada pode ser mais assustador do que um homem cego de ódio e maquinando uma vingança. São imagens que marcam aqueles que a conhecem, e a escrita única e detalhista de Herman Melville é, assim como a baleia branca, incansável e suntuosa, espantando e assentando suas presas no imaginário daquele que já pode saborear sua obra-prima.
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@retratodaleitora 28/11/2022

Poderoso!
"Sim, estes olhos são as janelas e este meu corpo é a casa. Que pena que não fecharam as fendas e as rachaduras com um pouco de linho aqui e ali. Mas agora é tarde demais para fazer qualquer melhoria. O universo está terminado; a última pedra foi colocada, e os restos levados embora há um milhão de anos."?
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Moby Dick foi uma das leituras mais fascinantes que já fiz. Mesmo sendo talassofóbica e sofrendo para criar as imagens na cabeça, foi simplesmente INCRÍVEL viver esse momento com o livro, que é genial. Demorei anos até fazer essa leitura, e que livro...?
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A escrita do Herman Melville eu já conhecia, mas o que li anteriormente não é nada comparado a grandiosidade dessa obra sobre uma expedição marítima de caça à baleias.?
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É um livro complexo, repleto de personagens bem construídos e passagens tão lindas que tiram o fôlego. O nosso protagonista, o Ishmael, é um senhor que resolve embarcar em um navio e é ele que nos conta todas as histórias que envolvem aqueles que também embarcaram, cada qual com seus motivos.?
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"Ele vive no mar (...) Fica anos sem ver terra; quando por fim regressa, sente nela um cheiro estranho, mais estranho do que sentiria um homem na Lua. Como a gaivota marinha que ao pôr do sol fecha as asas e embala seu sono entre as ondas; assim, ao cair da noite, o nantucketense dobra as belas em mar alto e se deita para descansar enquanto sob o travesseiro correm manadas de morsas e baleias."?
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Eu quero mesmo é indicar essa edição mega completa da @editora34, pensando em fortuna crítica e custo-benefício. É uma edição muito confortável, com margens grandes para anotações e muitas notas de rodapé. O prefácio é por Albert Camus e o posfácio por Bruno Gambarotto. ?
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Leiam! É um clássico que merece muito ser lido e mais comentado, pois sua importância é enorme.?
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Recomendo! ?
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