Priscilla Akao 05/08/2016Como um livro me fez pensar sobre o que quero serDepoimento escrito pelo aluno Silvio Antonio Gomes dos Santos Filho, na passagem do 1º para o 2º ano de Medicina da Unifran. Atualmente, ele cursa o 5º ano.
Meu livro foi O 11º mandamento, de Abraham Verghese. Não fazia ideia do que se tratava, até pesquisar: “Moisés escreveu dez, não 11 mandamentos”. Fiquei pensando nisso, mas não me esforcei muito.
Devo dizer, adiei o livro o máximo que pude, porque tive de viajar, malhar, dirigir, ler outras coisas, rever amigos, jogar, assistir documentários e filmes. Usei tudo como desculpa mas, na verdade, eu ainda tentava digerir A Torre Negra, que me custou quatro anos para ser terminada (sete livros). O livro ficou lá, na estante, solitário. Então, no final das férias, decidi lê-lo.
Logo no primeiro capítulo, me deparo com um personagem – Marion Stone – que me fez pensar em mim mesmo. Marion é cirurgião, arte que pretendo praticar. O livro tem diversas frases de efeito – aforismos – em relação a cirurgias. De todas, uma vou guardar para sempre, antes, durante e depois de qualquer procedimento cirúrgico: “A operação mais bem sucedida é a que você decide não fazer”. Observe, releia a frase, sinta a profundidade. Dita por um cirurgião, ela não deprecia a arte de manipular instrumentalmente o corpo do paciente, muito pelo contrário, valoriza aquele momento antes da cirurgia em que o médico pensa: “será necessário o procedimento?”.
Quando comecei o livro, não sabia exatamente o motivo de querer ser cirurgião. E me peguei, novamente, lendo uma história sem conseguir parar, sem conseguir me desvencilhar. Enxerguei o que Marion contou, senti sua raiva, sua alegria, sua insegurança, tudo. Percebi que, apesar de não ensinar Medicina, o livro ensina Medicina. Não nas partes em que aborda doenças, intervenções cirúrgicas, sinais e sintomas. Mas sim quando fala da relação médico-paciente.
Mas, dentre todos os personagens, identifiquei-me mais com o pai de Marion, Thomas Stone. Imaginando-o, descobri meus motivos para ser cirurgião. Exatamente o que ele faz, é o que quero fazer. Ler e reler a teoria, pois tenho plena consciência de que nunca saberei tanto quanto é necessário para não errar. Dedicar-me de corpo e alma a alguém indefeso e necessitado, confiante em que farei o que é certo. Manejar com destreza o bisturi, as tesouras, as agulhas, usando cada músculo e nervo de meu corpo para que o trabalho seja perfeito. Quero ser um Thomas Stone, mas sem sofrer tanto quanto ele.
O livro me iluminou, não no sentido de me dar algo para fazer, mas de mostrar o motivo pelo qual fazer. Espero, sinceramente, que o próximo leitor desse livro, dentre os alunos do curso, seja alguém que enxergue tanto quanto enxerguei, ou até mais. Como diria Dom Cobb, personagem de Leonardo Di Caprio no filme A Origem, “o parasita mais perigoso é uma ideia implantada bem fundo na mente. Ela se espalha como um câncer, de modo silencioso e sem aviso, ela toma tudo”. O 11º Mandamento implantou a ideia de ser cirurgião no fundo da minha mente. Essa é a minha reflexão, minha missão.