Sara Muniz 20/04/2020
RESENHA - O MELHOR DAS COMÉDIAS DA VIDA PRIVADA
Publicado pela primeira vez em 1994, O melhor das comédias da vida privada é uma antologia de crônicas INCRÍVEIS de Luis Fernando Verissimo. São várias histórias curtas (normalmente repetindo personagens) cheias de humor e críticas.
Esse foi o primeiro livro de crônicas de Luis Fernando Verissimo que eu li, logo, posso afirmar que esse homem é realmente genial. São todas crônicas de duas a três páginas (extremamente curtas, já que o livro é pequeno), que te farão rir alto, baixo, gargalhar ou fechar a cara. Tudo envolve o comportamento humano em suas relações sociais, envolvendo casamento, namoro, família, divórcio e, ao final, textos existenciais questionando o sentido da vida.
Vi esse livrinho como uma grande análise que, por meio do riso, faz o leitor perceber como as coisas funcionam nos relacionamentos, como o ser humano lida com o ciúme, com a separação, a traição, o desejo, a expectativa... São crônicas engraçadas? Sim, muito! Entretanto, é fácil perceber que há algo maior por trás, afinal, são crônicas.
Como são muitos textos, eu decidi transcrever somente o último, porque achei que fechou a obra com chave de ouro e é um perfeito tapa na cara:
"Existe gente-casa e gente-apartamento. Não tem nada a ver com o tamanho: há pessoas pequenas que você sabe, só de olhar, que dentro têm dois pisos e escadaria, e pessoas grandes com um interior apertado, sala e quitinete. Também não tem nada a ver com carácter. Gente-casa não é necessariamente melhor do que gente-apartamento. A casa que alguns têm por dentro pode estar abandonada, a pessoa pode ser apenas uma fachada para uma armadilha ou um bordel. Já uma pessoa-apartamento pode ter um interior simples mas bem ajeitado e agradável. É muito melhor conviver com um dois quartos, sala, cozinha e dependências do que com um labirinto.
Algumas pessoas não são apenas casas. São mansões. Com sótão e porão e tudo que eles comportam, inclusive baús antigos, fantasmas e alguns ratos. É fascinante quando alguém que você não imaginava ser mais do que um apartamento com, vá lá, uma suíte, de repente se revela um sobrado com pátio interno, adega e solário. É sempre arriscado prejulgar: você pode começar um relacionamento com alguém pensando que é um quarto-e-sala conjugado e se descobrir perdido em corredores escuros, e quando abre uma porta, dá no quarto de uma tia louca.
Pensando bem, todo o mundo tem uma casa por dentro, ou no mínimo, bem lá no fundo um porão. Ninguém é simples. Tudo, afinal, é só a ponta de um iceberg (salvo ponta de iceberg, que pode ser outra coisa) e muitas vezes quem aparenta ser apenas uma cobertura funcional com qrt. sal. lavab. e coz. só está escondendo as suas masmorras."
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