jota 18/09/2015Admirável homem novo... Recheado de palavrões e trazendo muitos trechos que beiram a pornografia (ou é mesmo pornografia, depende de cada leitor), Partículas Elementares, mais do que erótica ou pornográfica, é uma obra provocativa. Como parecem ser todos os livros do autor de O Mapa e o Território - que li faz pouco tempo e apreciei bastante.
Considerado por muita gente o mais importante autor europeu da atualidade, Michel Houellebecq é um provocador, de fato. Eis o que um de seus personagens diz sobre o islamismo: “(...) de longe a mais estúpida, a mais falsa e a mais obscurantista de todas as religiões.” Páginas depois, mais polêmica quando ele coloca na dança conhecidos nomes do moderno pensamento francês: ele chama de “superestimação insensata”, ridícula mesmo, a atenção dada às obras de Foucault, Lacan, Derrida e Deleuze...
A sacudida que MH deu na literatura francesa (ou europeia, como querem alguns especialistas) pode ser comparada àquela promovida por Thomas Bernhard na literatura alemã (ele era austríaco) alguns anos antes. Com isso estou querendo dizer que Partículas Elementares - mesmo sem se parecer com Origem, Extinção ou O Náufrago – é, da mesma forma, uma obra inteligente, de espírito moderno, crítica, satírica, plena de ironia.
Leia agora o que outro personagem pensa de nosso país (parece o que TB pensava da própria Áustria; vide Extinção): "Conforme tudo o que [Bruno] sabia, o Brasil era um país de merda, povoado de brutos fanáticos por futebol e por corridas de automóvel. A violência, a corrupção e a miséria estavam no apogeu. Se havia um país detestável, era justamente, e especificamente, o Brasil." Isso, depois de dizer o seguinte a outra personagem, Sophie:
“Eu poderia ir ao Brasil, em férias. Passearia nas favelas, num micro-ônibus blindado; observaria os pequenos assassinos de oito anos, que sonham em se tornar chefes de bando aos treze anos; não sentiria medo, protegido pela blindagem; à tarde, iria à praia, entre riquíssimos traficantes de droga e de proxenetas; no meio dessa vida desenfreada, dessa urgência, esqueceria a melancolia do homem ocidental (...).”
Enquanto Bruno, que é professor (tarado por suas jovens alunas) se preocupa basicamente com seu prazer sexual, seu meio-irmão Michel, pesquisador em biologia (daí o título do livro), é um tanto fechado em si mesmo, ensimesmado. melancólico. Ambos foram abandonados pela mãe hippie; Bruno foi criado pelo pai e Michel pela avó. Bruno parece viver apenas em função do sexo; é capaz de se masturbar até mesmo na sala de aula, oculto pela mesa do professor. Michel, ao contrário, se conservou abstêmio por longo tempo e suas preocupações são de outra esfera que não o prazer sexual.
A história ou a vida desses meio-irmãos se arrasta, vai e volta no tempo, aqui e ali entram na narrativa cientistas, estudos, teses, pensadores diversos (principalmente Auguste Comte, Descartes, Nietzsche, Kant), artistas (até mesmo Brigitte Bardot e E Deus Criou a Mulher), Aldous Huxley (e seu Admirável Mundo Novo), os filmes Laranja Mecânica e Emmanuelle e muita coisa mais, muita mesmo.
MH usa bastante papel e tinta ao tratar de ciência (especialmente biologia molecular, bioquímica e biofísica), religião, política, filosofia, arte, modos de vida alternativos, satanismo, sacrifícios humanos e sexo, muito sexo (ou pornografia), tudo junto e misturado: ficção e informação (nem sempre fácil de digerir) vão se alternando nos parágrafos por muitos capítulos ao longo de quase trezentas páginas.
Se a enorme variedade de assuntos tratados por ele faz crescer a complexidade do livro, nem por isso nossa leitura se torna menos prazerosa ou desinteressada. Pois acima de tudo Partículas Elementares não é um tratado sobre todas as coisas ou sobre alguma coisa em especial, mas uma curiosa mistura literária, no fundo mesmo uma brilhante obra de ficção. Que, nas derradeiras páginas (Epílogo), vai além e se transforma...
Meu comentário aqui dá apenas uma pequena ideia (muito pequena mesmo) do que realmente seja o livro; a sinopse da editora Sulina também não esclarece tanto assim. O filme alemão homônimo de 2006 (direção de Oskar Roehler), que resultou pouco acima da média, se fixou mais nos distúrbios sexuais de Bruno e Michel. Não conseguiu (ou não pretendeu) abarcar todo o conteúdo da obra escrita, logicamente.
O melhor mesmo é ler Partículas Elementares. Pode ser que você goste ou não do livro, difícil dizer o que irá acontecer. Porém uma coisa é certa: não dá para permanecer indiferente à literatura de Michel Houellebecq.
Lido entre 10 e 18/09/2015.