IvaldoRocha 24/05/2016
Prêmio Jabuti de 1997, mais do que justo e merecido, vale a pena ser lido.
O que mais me impressionou é que ao final você fica com a impressão de ter lido vários livros em um só.
Arthur Bispo do Rosário, já com trinta anos, recebe na véspera de natal a visita de sete anjos, que lhe dizem ser ele o escolhido de Deus. Ele vai até a igreja da Candelária no Rio onde espera ser reconhecido pelos padres como tal, é preso e diagnosticado como esquizofrênico-paranoico e vive durante cinquenta anos entre a realidade e a ficção.
O Livro fala da sua vida de uma maneira sensível e honesta, mostra o seu relacionamento com a família Leoni onde viveu por um bom tempo. Fala da sua paixão pela estagiária de psicologia Rosangela, fala de passagens engraçada e até alguma coisa um tanto sobrenatural.
Além disso, o livro também apresenta uma amostra do pensamento reinante na época e de como os alienados eram tratados.
Para ser ter uma ideia, Rodrigues Calda, o primeiro diretor da ”Colônia Juliano Moreira”, (onde Bispo ficou internado a maior parte do tempo), em seu discurso saudando o então Ministro da Justiça (Alfredo Pinto), responsável por remodelar a assistência aos alienados através da criação de colônias, revela a intenção clara de segregar em um subúrbio distante não apenas os considerados loucos, mas igualmente os tarados, pobres, bêbados, retardados, delinquentes, mendigos, comunistas e anarquistas. E segundo o Livro “Holocausto Brasileiro” de Daniela Arbex, que conta a história do hospício de Barbacena onde morreram mais 60 mil pessoas, também iam, epilépticos, homossexuais, meninas grávidas pelos patrões, mulheres confinadas pelos seus maridos, moças que haviam perdido a virgindade antes do casamento, etc.
Ainda existia a influência do pensamento Eugênico, que buscava a pureza e o aprimoramento da raça, evitando que aqueles que pudessem empobrecer este aprimoramento, físico ou mental, pudessem procriar.
A colônia estava sempre disposta a testar novos experimentos europeus como eletrochoque e a lobotomia, para isso criou a moderna “Clínica Psicocirúrgica Egas Moniz”, nome do neurologista português que ganhou, acredite, o Prêmio Nobel de Medicina pela invenção da lobotomia. Um em cada dez pacientes operados na clínica morria e os demais ficavam em um estado lamentável.
Como contraponto o livro cita a psiquiatra Nise da Silveira uma revolucionária na sua época e contrária aos tratamentos violentos, especialmente eletrochoque e lobotomia. Fazia com seus pacientes um trabalho envolvendo pinturas e aquarelas que foram apreciadas por C. G. Jung, em Zurique no II Congresso Internacional de Psiquiatria. Arthur Bispo não teve contato com ela.
Sobre a arte de Arthur Bispo o livro cita como se deu a descoberta e o reconhecimento do artista por de trás do alienado. Basta dizer que as obras de Arthur Bispo representaram o Brasil na Bienal de Veneza de 1995, todos hão de concordar de que não é pouca coisa.
Uma de suas peças “O Manto da Apresentação” é toda bordada com reprodução de objetos, palavras e símbolos, sendo que no avesso do manto estão bordados os nomes das pessoas que ele levaria consigo para o outro mundo, para a salvação.
Lima Barreto autor de “Triste Fim de Policarpo Quaresma” que também passou pelo sistema manicomial, na época escreveu:
“ ... nosso sistema de tratamento da loucura ainda é o da idade média: o sequestro”
Arthur Bispo em uma de suas avaliações com os médicos disse:
“ Doentes mentais são como beija-flores, nunca pousam, ficam a dois metros do chão”
E agora, que acabei de escrever tudo isso, é que reparei que na minha janela tinha um beija-flor. Coincidência.