Fred 27/10/2013
Uma família, um furacão e a vergonha norte-americana
O absurdo é um privilégio que a realidade tem sobre a ficção. Em literatura de não ficção diversas vezes essa ideia vem à tona: se fosse uma história inventada, seria muito difícil de convencer. Essa ideia ecoa o tempo todo no livro Zeitoun, de Dave Eggers, publicado no Brasil pela Companhia das Letras. Foi o primeiro contato que tive com esse escritor cujas publicações até então abarcavam principalmente a literatura ficcional, exceto por O que é o quê?. Antes de folheá-lo, tampouco entendi seu título, o que se esclareceu assim que li a sinopse desta grande-reportagem que conta a história de Abdulrahman Zeitoun, um morador de Nova Orleans que vivenciou os dias em que a cidade ficou submersa após a passagem do furacão Katrina, em agosto de 2005.
Quando digo que seria absurdo demais para ser uma ficção, não me refiro apenas aos desdobramentos que misturam num ambiente hostil provocado por um desastre natural ao lado da reação não menos trágica por conta das decisões políticas de um governo cego por suas próprias neuroses, preconceitos e autoritarismo – isso tudo seria de fato um tempero à la Kafka, como indica uma das citações estampadas da quarta capa do livro. De fato, os desdobramentos, capazes de fazer a leitura acelerar na medida em que as águas do mar sobem a cada metro da cidade, fazem com que o leitor corra rapidamente pelas páginas acompanhando passo a passo, remada a remada, a inédita rotina de um homem ilhado em Nova Orleans. Provável também que leitores se lembrem de Ensaio sobre a Cegueira, de José Saramago. O clima vai ficando cada vez mais – e mais uma vez – absurdo.
Sim, os estragos do Katrina e do governo Bush dão uma ótima trama, mas o grande trunfo do livro é a percepção de Eggers ao encontrar a história da família Zeitoun, tomando-a como um dos exemplos do que aconteceu com centenas de pessoas como eles. E eis o perfil dos personagens: Abdulrahman Zeiton veio da Síria para os Estados Unidos e conheceu Kathy, uma americana de Baton Rouge, capital do estado de Lousiana. Ela, que já tinha uma simpatia pelo islamismo, acabou caindo nas graças daquele imigrante, converteu-se e se casou com ele. Foram para Nova Orleans, onde ele começou a exercer sua inteligência como mestre de obras, cuidando, reformando e restaurando acabamentos das casas de seu bairro e de outros. Sua reputação foi rapidamente comprovada pelos clientes que aumentavam a cada ano, prosperando e fazendo com que Kathy se tornasse também sua companheira de empresa. Trabalhavam de segunda a sábado – e às vezes também aos domingos. Prezavam pela beleza das casas, escolas, igrejas, escritórios, que um dia um furacão de grandes proporções haveria de destruir.
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