Aione 12/11/2011Kiara, um jovem de Diaspos, nunca se sentiu como uma verdadeira cidadã de sua cidade. As habilidades compartilhadas por seus moradores nunca foram seu forte nem realmente lhe agradaram. Eis que a chegada de Lucius, um jovem forasteiro, acaba por lhe proporcionar a possibilidade de uma vida que somente havia sido imaginada em seus mais secretos sonhos: a de seguir os passos de sua falecida mãe, tornando-se, um dia, uma elementar como ela fora. Mas, para isso, seriam necessários o real interesse e a determinação, características incertas para a jovem.
Primeiro de tudo, devo dizer que a história criada por Khêder Henrique, aliada a sua envolvente narrativa, conquistou-me por completo. As 236 páginas foram lidas em um dia, sem que o cansaço fosse sentido em momento algum. Entrei de cabeça na história, a qual me convenceu e me deu a sensação de realidade, mesmo sendo uma fantasia.
Acredito que o principal fator para meu total envolvimento tenha sido a narrativa do autor, mais do que a própria história. Não que essa não tenha seu mérito, mas se não fosse tão fluida, como achei, talvez não tivesse me conquistado. Não apenas a capacidade de envolver, a escrita de Khêder é capaz de nos fazer imaginar tudo que é descrito. Tenho em minha mente todos os locais e personagens da história como se tivesse assistido a um filme.
As personagens, inclusive, são as mais variadas. Kiara é sensata, altruísta, corajosa e com uma vontade de agradar a todos, colocando de lado seus próprios desejos. Lucius, por sua vez, é dedicado, tem senso de conhecimento e desperta risadas com seu jeito “trapalhão” e comentários inapropriados, comumente conhecidos como “foras”. Elemiah, a mestra elementar, em muitos momentos me lembrou Dumbledore, de Harry Potter, por sua sabedoria e ensinamentos, porém uma versão mais rígida e menos carismática do maior bruxo de todos os tempos. Estas são as principais, mas mesmo as personagens secundárias também merecem destaque, principalmente por não se mostrarem desnecessárias em momento algum, todas contribuem, de alguma forma, para a construção do enredo: Laureon e Leoni, pai e avô de Kiara, respectivamente, Tácita e sua fama de “fofoqueira”, Adail e sua bondosa personalidade, além de Suzi e Feron, que mesmo aparecendo na segunda metade da história, tornam-se importantes figuras em seu desenvolvimento.
Sobre esse, foi muito bem feito, além de o enredo ser criativo. Os pontos principais foram concluídos no desfecho, mas com algumas pontas e mistérios tendo sido deixados para dar continuidade aos próximos volumes. Só registrei alguns pontos negativos: primeiro, perdi a noção do tempo cronológico da história, achei que pouco tempo havia se passado enquanto, na realidade, foram vários meses. Por esse motivo, os outros dois pontos negativos ocorreram. Tanto o romance da história quanto o aprendizado de Kiara e Lucius, ao meu ver, não tiveram suas evoluções muito bem apresentadas. Vi a situação inicial e a final, porém não visualizei muito bem o meio entre elas, a ligação entre os dois estágios. Senti falta de pequenos indícios que indicassem que as transformações estavam acontecendo, principalmente com relação ao romance. É possível, porém, que eu tenha perdido esses detalhes em minha avidez pela leitura.
Excetuando-se esses fatos, só tenho elogios a fazer. O universo criado por Khêder é rico e criativo: há mitologia, romance, suspense, ação, além da noção de respeitar diferentes culturas e, até mesmo, críticas políticas muito tênues. Como já disse em outras resenhas, sou imensamente atraída por detalhes e significados ocultos em palavras e gestos, gosto de imaginar o que mais uma mesma coisa pode querer dizer. E, claro, nada melhor do que uma fantasia para contar metáforas.
Em dado momento, é explicado o motivo de a educação ser gratuita no continente de Myruna: graças a um governador autoritário que, uma vez, negou a educação à população como uma forma de controlá-la pela ignorância. Ao perder sua posição de governante, o ensino passou a ser gratuito devido à imposição de Acácia, deusa do conhecimento. Impossível de não pensar em porque a educação em nosso país recebe tão pouco investimento. Não só isso, Khêder apresenta como diferentes culturas podem interpretar um mesmo fato e, por isso, devemos respeitar a todas. Por fim, há também o ensinamento moral, sutil, na forma de as pessoas e intenções serem responsáveis por boas ou más atitudes, e não as ferramentas ou os conhecimentos utilizados para isso.
Só tenho a agradecer ao autor pela parceria e dizer que não vejo a hora de ler a continuação de O Poder do Fogo. É sempre gratificantes ser envolvida e conquistada por uma leitura tão prazerosa e divertida.