Tainara 21/08/2018
Errou feio, editora Ediouro
Os textos de apoio dessa edição são de um incômodo gigantesco. Começando pela pequena sinopse no verso, vemos trechos como "Incorporando [leia-se "impondo"] o índio brasileiro às raízes de nossa civilização cristã [...], José de Anchieta não se refutou em prestar os melhores [?] serviços à causa indígena [??]."
A introdução é assinada por Walmir Ayala, tradutor e adaptador da obra, e se inicia com "Bastaria a leitura deste auto de José de Anchieta para se chegar à conclusão de ter sido este jesuíta o primeiro poeta brasileiro e nitidamente de caráter nacional." Bom, Anchieta era espanhol, de brasileiro nada tinha; e o que seria o tal "caráter nacional"? o cristianismo? que foi imposto através do genocídio indígena? Ayala continua: "Assim, José de Anchieta, no afã de manter a ordem, de equilibrar o comportamento social numa região selvagem, usou o teatro." selvagem por quê? havia algo que devesse ser "ordenado"? Mais adiante no texto, o tradutor ainda fala que os índios tinham uma "inteligência curta e lenta"...
Logo após o prefácio de outro crítico, temos novamente um texto de Ayala, onde ele repete o discurso de ser Anchieta poeta brasileiro e de caráter nacional, assegurando ser o jesuíta mais nacional que muitos outros que vieram, "bem mais visceralmente nacional mesmo [sic], do que grande parte da área modernista". Oswald, Mário e toda sua trupe se reviram no túmulo neste momento.
É inegável a importância de se estudar uma obra como esta, não só pelo viés da História do país, como também do teatro brasileiro. Não considero Anchieta um poeta brasileiro, mas ele escreveu sobre uma realidade do nosso território e marcou o início (nada louvável) do teatro aqui: um teatro catequizador, pedagógico e, principalmente, opressor - opressor da minoria, do diferente, do "selvagem", do que precisava conhecer as dádivas da civilização. Para uma edição lançada em 1995, quase século XXI, é enjoativo ver tal texto sendo aberto com ares louváveis e não críticos, como deveria ser.
Obs.: Logo depois da pequena introdução de Walmir Ayala, vem um prefácio de Leodegário A. de Azevedo Filho - intitulado "A Poesia Dramática de Anchieta" - que merece os devidos créditos (positivos), pois trabalha o que verdadeiramente importa: a forma do texto de Anchieta, sua importância estética e ideológica (o autor deixa claro que seu teatro visava atender unicamente os "fins didáticos da catequese", possuindo uma "finalidade moralizadora") e todo o contexto histórico que o cercava.