Marcos Nandi 03/08/2022
Maravilhoso
Esse livro é uma daquelas obras essenciais para entender a estrutura do racismo e do colonialismo.
Já no prefácio, Sartre, aduz que, que a violência (mote do livro) é uma característica inconsciente de quem é colonizado. A fúria reprimida, é um combustível para os oprimidos, inclusive, a violência nasce entre as próprias tribos incentivada pelo colonialismo, para que assim, o verdadeiro inimigo não seja enfrentado.
Já para o autor do livro, a descolonização é sempre um fenômeno complexo, histórico e violento. Levando em consideração, a colonização da Argélia pela França e a violência racista da França para com o país africano.
O livro é cheio de tiradas poéticas, onde se vê, o sonho do colonizado em estar no lugar do colonizador e o famigerado sonho de ser feliz e livre.
Interessante, a relação que o autor faz da colonização com a igreja e que obviamente, concordo em número, gênero e grau. Como o autor lembra, a igreja nas colônias é "uma igreja de brancos, uma igreja de estrangeiros, não chama o homem para Deus, mas ao caminho do branco, do amo, do opressor".
O autor lembra também que o colonialismo sempre será inimigo do colonizado, sempre. Esse antagonismo faz parte do cerne da colonização, faz parte do maniqueísmo.
Para o autor, o mundo colonial pode ser definido como "[...] mundo de estátuas [...]esmagando com as suas pedras as feridas abertas pelo chicote". Nesse sentido, o colonizado vive numa tensão permanente.
O conceito da não-violencia me lembrou as estatuas de escravagistas brasileiros que foram queimadas nos últimos anos. E que sempre surge da elite e dos brancos, o questionamento da necessidade disso e não, de resolver as coisas pacíficas. Os colonizadores, usam de violência contra os colonizados, mas do contrário, é algo rude na cabeça deles.
Sabemos como é morar num país subdesenvolvido, e sabemos também, que os países devem encontrar valores próprios, já que o capitalismo como explica o autor, é o grande inimigo dos países pobres, já que durante séculos, o capitalismo foram verdadeiros criminosos de guerra. Ficou claro, os porquês, dos países de terceiro mundo não crescerem, já que, é do intuito do capitalismo se impor nesses países.
O autor, menciona os Lumpen proletariado, que na visão de Marx, são aquelas pessoas a margem da sociedade e que não possuem consciência de classe, como os mendigos e prostitutas, no caso da África, ele exemplifica os jovens do Quenia, que vieram do campo e não conseguiram se adaptar na cidade.
(Interessante a nota que menciona que Janio Quadros deu apoio a revolução cubana)
Com o final do colonialismo, surge a burguesia nacional que tem um poder econômico quase nulo. Futuramente, essa burguesia dará espaço para um capitalismo feroz,a burguesia serve apenas como um intermediário entre o fim da colônia e o início do capitalismo com as antigas potências colonizadoras, usando de agressividade para esse fim, nascendo assim, o racismo, o nacionalismo, etc.
Aliás, em relação o racismo, o autor faz um paralelo entre a divisão da África branca e da África preta. Interessantíssimo. E para o autor também, a burguesia não serve para nada hahaha.
É necessário politizar o povo e lutar pelos jovens, sair do tribalismo que gera, o separatismo, e investir em economia local.
Em relação a questão cultural, o autor lembra que não basta escrever um conto ou poema pra ser considerado arte africana. Necessita-se de uma união dos negros da África e das Américas para uma arte una.
Há portanto três fase da cultura. Na primeira fase, o intelectual prova que assimilou a cultura do colonizador. Já a segunda fase, o colonizado tenta se recordar dos mitos, das memórias, e por fim, temos a terceira fase que chamamos de luta, a arte movimenta o povo para a luta. A arte não é só o canto, mas no centro da própria luta de libertação, a arte africana é luta e não poemas e folclore.
A parte mais interessante do livro, de longe, são os casos psiquiátricos que o autor analisa (ele é psiquiatra), o autor analisa alguns casos que começaram em 1954 e foi analisado até o ano de 1959, por causa da guerra pelo fim da colonização.
Um dos casos, foi de um homem de vinte e seis anos, que tinha perturbações mentais do tipo reativo e debilidade sexual. Padecendo de insônias e enxaquecas, o jovem casado e pai de uma criança, teve sua esposa abusada por soldados franceses. Outro caso, foi de um outro homem de 37 anos que tinha impulsos homicidas.
Um caso bizarro, é de um ex estudante de 19 anos, com psicose e despersonalização que tentou se matar duas vezes, e por causa da morte da mãe, matou uma mulher com um cutelo. Outro caso interessante, foi de um soldado francês que torturava argelinos que surtou ao encontrar um torturado no hospital. Outro ainda, que surtava ao ponto de torturar o próprio bebê. Enfim, vários relatos muito interessantes.
O livro aborda muito bem a questão da tortura e chega ao auge quando o autor começa a explicar os porquês da violência na Argelia, que nada mais é culpa do sistema biológico do colonizado, a fome, a falta de dinheiro, o desemprego, etc.
Por fim o autor diz para não imitarmos a Europa. O livro é sensacional, porém, a edição deixa a desejar.