Jocélia 22/06/2015Polimento das Condutas Mary del Priore , historiadora contemporânea , com coragem e firmeza aborda um tema que durante muito tempo foi tabu em nosso país, começando pelo Período Colonial, passando pelo então demoninado “hipócrita” século XXI.
Fazendo uma exploração histórica da sensibilidade em relação a alguns componentes de nossa vida íntima, que sofreram tremendas alterações onde a noção de intimidade no mundo dos homens entre os séculos XVI e XVIII se diferencia profundamente daquela que é a nossa no início do século XXI.
Abordando a vida quotidiana naquela época que era regulada por leis imperativas onde fazer sexo, andar nu ou ter reações eróticas eram práticas que correspondiam a ritos estabelecidos pelo grupo no qual se estava inserido. Examinando o século XX e chegando aos nossos dias, onde a educação sexual, o aborto, a pedofilia, a pílula anticoncepcional, a revolução sexual, a erotização da publicidade, o movimento feminista, a censura ditatorial entre outros são ingredientes que formam o sentimento de coletividade sobrepondo-se ao de individualidade, a autora ,reflete sobre a noção de pudor pela várias culturas até então trazidas para o Brasil, afirmando que, tais noções foram pioneiras em esboçar a história do polimento das condutas, do crescimento do espaço privado e dos autoconstrangimentos que a modernidade foi trazendo.
Traçando a historia da chegada dos Portugueses ao Brasil, Mary relata desde o desabrochar do Renascentismo onde a nudez não era símbolo de inocência, mas de pobreza (pobreza de artefatos, de bens materiais, de conhecimentos que pudessem gerar riquezas, como por exemplo, a nudez das índias que estava, pois, longe de ser erótica, pois desde o início da colonização lutou-se contra a nudez e aquilo que ela simbolizava)passando pelo Modernismo onde se estabeleceu uma diferença entre a nudez e o nu (a nudez se referia aqueles que foram despojados de suas vestes e o nu, se remetia a um corpo equilibrado e seguro de si) estabeleceu se a diferença entre pudor de sentimentos e pudor corporal, tendo eles, diferentes significados para os diferentes grupos ricos ou pobres, homens ou mulheres.
Fazendo uma exploração histórica em relação a alguns componentes da nossa vida intima que passou por tremendas alterações, ela aborda detalhadamente diversos assuntos, desde os mais simplórios, como os hábitos de higiene, até a forma de higienização atual.
Abordando diversos momentos históricos e relembrando vários discursos, a autora também faz um breve percurso sobre as formas de como as mulheres foram tratadas desde o Brasil Colônia até o Império traçando os inúmeros discursos que abordaram as noções de corpo, igreja e pecado.
A Reforma Católica cobriu totalmente o corpo da mulher, onde o mesmo passou a ser visto por alguns escritores barrocos por ‘’Porta do Inferno ‘’ e ‘’Entrada do Diabo’’. Trazendo consigo uma herança da tradição Medieval , onde médicos Portugueses , deram vários estereótipos à mulher, classificando –a como ‘’um animal perigoso’’e que traziam consigo um desejo incontrolável de procriar , que à mulher só cabia a função de ser mãe e que sendo herdeira direta de Eva, foi responsável pela expulsão do Paraíso e pela queda dos homens, por esse motivo para apagar seus pecados , teria que dar a luz entre dores.
A autora traz inúmeros questionamentos sobre a questão do prazer que era algo dado apenas ao homem, pois se as mulheres não podiam sentir prazer, para o homem ele era obrigatório, considerando a impotência uma verdadeira maldição, daí eram revelados os processos de sodomia masculina, porém a intenção era a de civilizar educando nos princípios Cristãos , toda a atividade sexual que não tivesse como fim a procriação era condenada , sendo abominadas qualquer forma de contracepção.
As últimas décadas do século XX foram de uma liberação quase total. O nu feminino invadiu as telas do cinema brasileiro, as modas minimalistas tomarem conta das ruas e praias por meio das minissaias, dos biquínis, dos calções e do topless; a pílula anticoncepcional liberou da mulher o fantasma da gravidez indesejada; o número de divórcios se ampliou; as relações homoafetivas ganharam espaços; a televisão construiu um novo modelo de mulher, esta liberada, livre das amarras do casamento e que trabalha fora; revistas destinadas ao público feminino passaram a falar abertamente em sexo, orgasmo e fetiches; a literatura pornográfica delimitou seu espaço nas bancas de revistas. Porém, a reação masculina não tardou a chegar e, logo, os crimes passionais ganharam manchetes na imprensa. Maridos matam esposas ao constatarem ou mesmo desconfiarem que estivessem sendo traídos. A "revolução sexual" foi contida pelo risco da AIDS, vista inicialmente como o "câncer gay", mas que, tempos depois, instalava o pânico e levava as pessoas a reavaliar seus hábitos sexuais, estilos de vida, princípios morais e padrões de cultura .
Diante de tantos avanços e recuos, Mary finaliza o seu livro com uma reflexão sobre o que ganhamos e o que perdemos. Para ela, tivemos uma rápida e profunda fratura nos nossos costumes. Felicidade, amor e prazer tornaram-se obrigatórios. Precisamos dizer a todos o quanto somos felizes, amados e realizados sexualmente. Lutamos por independência, mas, contraditoriamente, nos isolados num "canto" que tanto lutamos para conquistar. Não temos nenhuma garantia de relações duradouras, pois o medo de compromissos mais sérios tornou tudo provisório, descartável, instantâneo e fácil de ser substituído.Por fim, a historiadora nos leva a refletir sobre as nossas práticas. Para ela, somos indivíduos de inúmeras caras: virtuosos e pecadores; liberais e conservadores; permissivos e autoritários; severos com os erros dos outros, mas indulgentes com os nossos; em grupo, politicamente corretos, mas preconceituosos e homofóbicos na intimidade; exigentes dos direitos, mas descumpridores dos deveres; além de outras contradições que marcam as nossas ações no cotidiano, levando em conta o nosso trajeto cultural .