Maria Faria 29/01/2017
História da sexualidade no Brasil
O contraste entre o nu artístico da Europa e a nudez inocente das índias, arte contra a pobreza revelada por falta de roupas de índios e escravos. É assim que Mary Del Priore conta a história da intimidade no Brasil desde a época do Brasil colônia.
Meu primeiro contato com a autora foi extremamente prazeroso, porque além de gostar de História gosto de livros que tratam de temas e fatos reais. Mary expõe a história da sexualidade no Brasil através de pesquisas e exemplos registrados nos arquivos históricos. É visível a presença constante de pesquisa histórica nas citações ao longo do enredo incluindo fotos de revistas de época.
Primeiro somos apresentados à nudez das índias, depois ao abuso das escravas que além de mão-de-obra doméstica serviam como propriedade sexual de muitos senhores. A influência massiva da Igreja Católica sobre o comportamento sexual, a visão do sexo como ferramenta apenas de procriação, a ignorância do prazer feminino, a tolerância ao adultério como forma de “acalmar” os homens que praticavam sexo com as esposas apenas para fins de procriação. Cabia ao homem o papel de reprodutor e provedor e à mulher apenas o papel de submissa. Para mulheres brancas e ricas, reservado o respeito e o sexo apenas após o casamento. Com índias, negras e mulatas, estava permitida a promiscuidade sem galanteios. Em épocas marcadas pela total ausência do belo e do romântico, beijo na boca só passou a ser moda após a introdução de loções bucais.
Casamentos arranjados por interesses políticos e econômicos com o intuito de continuidade da família eram a regra. No Brasil do século XIX, a presença intimidadora da Igreja e os casamentos por interesse, fizeram crescer os prostíbulos e aumentar o número de amantes. As roupas eram tão apertadas quanto era rígido o comportamento esperado das mulheres. Com exemplo vindo da própria Corte portuguesa que desembarcou no Rio de Janeiro em 1801, brilhou no céu do século XIX a “estrela do adultério”. Os casos amorosos da rainha Carlota Joaquina eram conhecidos e o filho D. Pedro não fazia questão de esconder seus casos extraconjugais, tendo como amante mais escandalosa Domitila, com quem teve filhos.
Onde há perseguição ao desejo há adultério. Existindo um grande número de relações conjugais em uma época em que métodos contraceptivos eram praticamente inexistentes, o aborto torna-se pílula comum da sociedade. Não havia casas em que não tivesse alguém com conhecimentos de ervas ou métodos abortivos. Mesmo com o controle massivo religioso, em alguns momentos específicos da história, apenas as doenças como sífilis e Aids foram capazes de reprimir os casos fora do casamento.
O século XX veio mudando em primeiro lugar a visão do corpo feminino, dando lugar ao que era mais leve e passível de movimento, o que incentivou o fim dos pesados vestidos e o surgimento das lingeries. Uma mudança pequena, ainda incapaz de mudar costumes sexuais entre os casais. Capaz mesmo de grande transformação foi o surgimento da pílula anticoncepcional em 1956, introduzida no Brasil já a partir dos anos 60. A possibilidade de controlar uma gravidez indesejada trouxe uma nova visão sobre a sexualidade da mulher, permitindo aos poucos que se discutisse o prazer feminino.
Nem mesmo a Igreja, contra qualquer método contraceptivo, conseguiu frear a revolução sexual. Existiam muitas mulheres religiosas e assíduas frequentadoras das missas que faziam uso da pílula. Claramente métodos contraceptivos mais eficazes foram capazes de mudar a realidade entre os casais, revolucionando não somente a visão da mulher como todo o comportamento social. E mesmo com tanta mudança, até mesmo nos dias atuais a mulher não deixou de ser vista como objeto do qual é esperado um comportamento padrão. Na década de 1980 proliferaram atitudes machistas contra mulheres revolucionárias, os maridos passaram a assassinar friamente as esposas que ousassem exercer sua liberdade ou que tentassem ter pensamento e comportamentos independentes.
Histórias Íntimas é um relato detalhado do comportamento sexual brasileiro baseado em fatos históricos. A leitura revela ao leitor que há muito tempo o sexo é sinônimo de liberdade. E sempre, de uma forma ou de outra, tenta-se limitar esta liberdade para mulheres. Por muitos anos o controle foi exercido pela Igreja e posteriormente pelas armas dos maridos furiosos e apegados à uma cultura que ecoa desde os tempos de colônia.