Luiz 31/12/2023
O Herege é incapaz de admitir seus Erros e Enganos
Livro: Hereges
Autor: G. K. Chesterton
Chesterton é notoriamente um dos pensadores cristãos mais reconhecidos dos últimos tempos, munido de excelentes argumentações, perspectivas brilhantes e um humor ácidos e irônico, o tornam um filósofo diferente de todos os demais, singular e único, o chamam de o "Filósofo do Senso Comum", capaz de trazer luz a problemas filosóficos e suas contradições de forma simples, quase sempre na maioria das vezes, mas capaz, principalmente, de esboçar raciocínios complicadíssimos sem perder a coerência e coesão.
Chesterton era agnóstico em sua juventude, mas sua busca por conhecimento o levou os grupos mais bizarros, formados por intelectuais distintos de sua época, inspirados por uma intelligentsia poderosa de tempos anteriores, Chesterton rumou por "caminhos obscuros" até dar-se conta de que sejam esses intelectuais místicos, esotéricos ou simplesmente materialistas e progressistas científicos, todos sem exceção advogam contra o cristianismo, buscando falivelmente alcançar uma sociedade ideal que o Catolicismo fez nascer.
Neste livro somos convidados a caminhar pelos raciocínios de Chesterton que nos apresenta o Erro dos pensadores modernos de sua época, e também anteriores a ela. Escrito originalmente em 1905, Chesterton nos apresenta suas críticas à pensadores como Bernard Shaw, Rudyard Kipling, McCabe, Whistler, H.G. Wells, George Moore, Lowes Dickinson e tantos outros, bem como as principais ideias "filosóficas" de sua época as quais chamou de Hereges, pois escolheram retirar do Cristianismo suas melhores "partes" e deturpar o restante.
Na tentativa de promover uma sociedade perfeita ou um homem perfeito transformaram ambos em tudo menos o que são. As idéias dos Hereges, seja naquela época ou hoje, são tão fortes quanto pensamos, porém naquela época a Cristandade era mais forte, mais próxima da ortodoxia, e mais dificilmente seduzidos por tais ideais, mas hoje experimentamos os frutos de tais ideias em larga escala, e neste livro Chesterton nos aponta o erro em cada uma delas nos mostrando a melhor forma de ver esse mundo.
"A manifesta verdade é que no momento em que qualquer assunto passa pela mente humana, ele está, por fim e para sempre, corrompido para todos os propósitos da ciência. Tornou-se uma coisa irremediavelmente misteriosa e infinita; o mortal assume a imortalidade. Até aquilo que chamamos de desejos materiais são desejos espirituais, porque são humanos. A ciência consegue analisar uma bisteca suína e dizer quanto dela é fósforo e quanto é proteína; mas a ciência não consegue analisar qualquer desejo humano por uma bisteca, e dizer o quanto desse desejo é fome, o quanto é hábito, o quanto é ansiedade e o quanto é um assombroso amor pelo belo. O desejo do homem por uma bisteca permanece literalmente tão místico e etéreo quanto seu desejo pelo Paraíso. Todas as tentativas, portanto, no sentido de uma ciência dos assuntos humanos, de uma ciência da História, de uma ciência do Folclore, de uma ciência da Sociologia, são, pela própria natureza, não só impossível como também insanas."
(G.K. Chesterton, p.156)
Chesterton combate ideias como:
? A inversão de valores; no passado o Cristão tinha orgulho de estar certo e firme em suas crenças, o "Herege" ainda que defendesse o que queria sabia que estava a margem do que normalmente se pensa, mas atualmente o Cristão renuncia a verdade e o bom senso para mergulhar em heresias, e vergonhando-se, é o herege quem se orgulha de ser Herege e negar a verdade.
? A religião é silenciada; a religião construiu o mundo, deu a base para formar o conhecimento científico, mas atualmente ela foi relegada ao silêncio, ela nada pode mais dizer pois "O Conhecimento" ficou para o diacurso científico, ainda que ela tenha o conhecimento sobre o certo e o errado, sua importância foi silenciada, suas respostas de nada valem.
? Relativismo moral e o "novo homem"; é tentado e proposto que o homem saia das "amarras" morais que o predem, das traduções, da religião e etc, mas os hereges não se dão conta de que isto os torna menos humanos, inibem, de fato, o que os homens querem fazer e que são chamados a fazer, isso se aplica a transformar a sociedade de forma bela, de constitui família e etc. Ao proporem uma nova forma de homem, um "Super-homem", um homem que deveria ser melhor, no fim torna-se um homem pior em todos os sentidos pra tentar ser apenas mais "másculo", mas que ao fim não seria capaz de construir ou de exercer o papel de homem, que os homens sempre fizeram, ele não se torna mais suscetível ao sacrifício ou a bondade, apenas mais egoísta, mais baixo.
? A cosmovisão; buscando corrigir o como a sociedade é, os hereges propõe, com o sacrifício do homem comum, um "novo homem" e uma "nova filosofia", mas não percebem que o que fazem de fato é mudar o homem segundo uma teoria, ao invés de verem que o erro está na filosofia a qual tentam encaixar o homem. Na tentativa de "abrir o homem" as possibilidades ideiais, o homem não fica melhor ou mais forte, mas sim mais fraco. Na antiga perspectiva as dificuldades tornavam o homem melhor para formar um mundo melhor, na nova, o mundo se torna melhor na esperança do homem ser melhor, mas na prática ele se torna fraco relegado a sua miséria e suas baixezas.
? Consistência e Mudança; o herege consegue defender as mesmas ideias ao longo de anos, mas sempre mudando suas formas de consecução à luz dos "conhecimentos científicos" descobertos, seus métodos não são permanentes, sempre mudam, mas suas ideias são tão conservadoras e imutáveis por mais progressista que seja.
? O Herege é Dogmático; por mais que ele se prove ser antireligioso, contra as tradições, crenças e dogmas, devido o conhecimento do transcendente não ser provado cientificamente, no fundo ele é apenas um crente em verdades diversas as quais, muitas vezes, também não a conhece ou as entende completamente. Ao estabelecer uma "verdade científica", que a qualquer momento pode deixar de ser verdade, o Herege se lança ao debate como que protegendo ela como um religioso faria. O dogma aparece no momento em que é contestado e exige uma defesa, mas no fundo apenas a verdade cristã é plausível de ser repudiada, mesmo que seja uma verdade Perene, em detrimento de uma "verdade" passageira. O homem moderno nunca tem certeza alguma, aqueles que não possuem convicções sãos os mais intolerantes via de regra.
? Democracia da Exclusão; o herege defende a democracia, nas questões políticas, mas rechaça a participação do discurso religioso nos debates, o herege se lança a favor da democracia, mas suas leis nunca são universais, nunca vão de encontro a embates com seus governantes, são apenas para seu povo, associa-se o nome "democracia" a uma espécie de altruísmo, mas relega o homem comum, e nunca dão razão aos que vieram antes deles, suas contribuições e seus legados, na verdade pelo contrário, acreditam que no passado não há nada de bom que se deva levar em consideração.
? Um idealismo fraco; o herege é incapaz de aceitar o mundo e suas mazelas, vê-se obrigado a querer corrigir e consertar o universo, mas não se dá conta que assim como num livro de romance onde tudo pode acontecer, onde existe tristeza e sofrimento, é onde também existe beleza, caridade, felicidade e transformação, não atoa os livros de romance são mais lidos do que os de ciência, pois isso mostra o fascínio humano pela história humana repleta de suas dificuldades, enquanto que o mundo perfeito dos Hereges os acabam por ser tão falsos e fracos quanto eles mesmos, num mundo de ilusões.
? Espiritualismo Controverso; na tentativa de criar um mundo perfeito, renegam o mundo real e sua história, apesar de se dizerem "históricos" negam as importantes façanhas que a religião e o cristianismo deixou à humanidade, buscam qualquer coisa que seja anticristã, mas se deixam levar por misticismo esotéricos na busca de uma espiritualidade que os faça acreditar numa sociedade perfeita.
Além desses existem inúmeros outros pontos da obra muito melhores trabalhados e explanados.
"As verdades se transformam em dogmas no instante em que são contestadas. Assim, todo homem que expressa uma dúvida descreve uma religião. E o ceticismo do nosso tempo realmente não destrói as crenças, ao contrário, as cria; definiulhes os limites e a forma simples e desafiante. [...] Nós, que somos cristãos, nunca nos demos conta do grande senso comum filosófico inerente àquele mistério, até que os escritores anticristãos nos chamaram a atenção. A grande marcha da destruição mental continuará. Tudo será negado. Tudo se tornará um credo. É razoável negar a existência das pedras da rua; será um dogma religioso declará-lo. É um teste racional dizer que vivemos num sonho; será sanidade mística dizer que estamos acordados. Velas serão acesas para atestar que dois mais dois são quatro. [...] Ficaremos a defender não somente as virtudes e sanidade inacreditáveis da vida humana, mas algo mais inacreditável ainda: este imenso universo impossível que salta aos olhos. [...] Seremos aqueles que viram e creram."
(G. K. Chesterton, p.283-284)
Houveram alguns motivos que me fizeram buscar essa obra pra ler, o primeiro deles é que Chesterton sempre é uma boa leitura, nos faz ver o mundo e seu funcionamento de forma magistral, coisas óbvias se tornam mais complexas do que normalmente pensamos ser, enquanto que coisas complexas parecem ser muito mais simples do que acreditariamos que fosse. Já havia lido e resenhado outro livro dele, o "Superstição do Divórcio" e foi uma leitura marcante, fiquei curioso por ler mais outro livro dele. O segundo motivo de ler este livro foi por ele mencionar críticas ao H.G. Wells e a Bernard Shaw, que são intrigantes personagens e muito pouco conhecidos no Brasil, em especial Wells, tenho a intenção de tentar esgotar sua literatura, tenho vários livros dele resenhados aqui, acredito que tenha uma importância histórica singular, num sentido negativo "da coisa". O terceiro motivo foi que já há um tempo eu tinha o interesse de ler o livro "O Homem Eterno", e existe uma íntima relação entre Hereges - Ortodoxia - O Homem Eterno, somado ao meu interesse em ler livros mais voltados pro Cristianismo e Catolicismo, me pareceu a hora perfeita pra ler este livro.
Hereges e Ortodoxia se combinam de forma única, e muito do que Chesterton aborda e trabalha nos livros me proporcionou um verdadeiro "diagnóstico" da realidade atual, debates que eventualmente eu me coloco com colegas e amigos, os vi de forma analisada aqui. É um livro que trás luz pra realidade moderna de forma que poucos livros são capazes de fazer. Ao fim somos direcionados pro livro Ortodoxia em que ele continua suas críticas as constrata com o cristianismo, como uma resposta cristã aos hereges modernos.
"O 'herege' é, em substância, alguém que diz que nós mesmos devemos começar a criar um mundo que não tenha qualquer um dos óbvios limites e defeitos deste mundo, que devemos moldar um outro tipo de homem, pois aquilo que somos certamente é alguma espécie de gigantesco erro cósmico. Por outro lado, o pensador 'ortodoxo', sem dúvida, concorda que algo certamente está errado; sabe que a doutrina do pecado original precisa de menos comprovação do que um simples passeio pelas ruas."
(James V. Schall, p.289 [posfácio])