Higor 23/01/2020
"Lendo Pulitzer": sobre a verdadeira literatura que sobressai em meio aos erros técnicos
O rejeitado “A restauração das horas” surpreendeu o mundo ao abocanhar um dos prêmios americanos mais importantes logo na virada da década. Se por um lado é louvável ver que um livro, tido como anticomercial e que não traz lucratividade, onde é publicado por uma editora independente, ganha notoriedade por seu próprio mérito, obrigando os grandiosos a se curvarem para contemplá-lo, por outro lado, todos os defeitos de um livro, que sequer existiriam em um livro de uma grande editora, são expostos, e incomodam.
O que falta para o livro de Paul Harding ser perfeito é justamente o de uma revisão, uma edição para que o livro fosse ainda mais valorizado. É claro que, em se tratando de uma escrita primorosa e de qualidade, esses detalhes ficam em segundo plano, mas é justamente nos detalhes que conquistam o leitor, ou que fazem um livro perder estrelas ou deixar de ser favorito.
As entradas de texto são, ora repetitivas, ora confusas, pois o livro, inicialmente encantador e redondinho, embora inteligente e moderno, que causa dificuldade para leitores preguiçosos, fica confuso e denso.
A proposta inicial, que é a de trazer a baila os pensamentos da vida de George Washington Crosby, um antigo homem que consertava relógios, mas que jaz na sala da própria casa, em uma maca, esperando a hora de morrer, enquanto sua família se reúne ao seu lado, sem parecer se importar com o último adeus dele. O protagonista então dá lugar aos pensamentos do pai, e até mesmo do avô desconhecido, o que, por fim, não se conectam diretamente com Crosby.
A impressão é de que o próprio Crosby dá lugar na maca, para o pai e o avô, para que eles, em seu devido momento, alimentar suas memórias, oscilações, sentimentos e angústias. Tudo muito belo, muito delicado e bem escrito, até porque não deixam de ser interessantes, mas que certamente teriam um posicionamento mais acertado se bem trabalhado.
Uma história invertida, que é contada e trás para frente, “A restauração das horas” é um belo livro sobre saudade, memória e perda, que graças à qualidade do texto, sobreviveu aos erros, ou ausências, de uma produção editorial para chegar, merecidamente, ao lugar onde está.
Este livro faz parte do projeto 'Lendo Pulitzer'. Mais em:
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