Leonardo 16/07/2013
Literatura Tout Court
Literatura tout court. Conheci essa expressão lendo a orelha de Cabeça a Prêmio, escrita por José Geraldo Couto. Aprendi seu significado recorrendo ao Google. Sem mais. Só isto. É assim que pode ser traduzida a expressão francesa tout court. José Geraldo diz que, a priori, Cabeça a Prêmio poderia ser encarado como um fino exemplar de literatura policial, mas acaba se revelando um exemplar de alto nível de literatura tout court. Cabeça a Prêmio transcende o gênero policial e demonstra quão bom narrador é Marçal Aquino.
É um livro curto, 189 páginas conquistadas à custa de uma edição com margens generosas, diversas ilustrações e divisão de capítulos privilegiando algumas páginas em branco. Isso não é nenhum demérito para o livro, deixo bem claro. Marçal Aquino é objetivo, conciso, rápido no jeito que conta a sua história, mas isso não impede que conheçamos bem os personagens, que saibamos com quem estamos lidando.
Cabeça a Prêmio conta basicamente duas histórias: Brito e Albano, dois matadores de aluguel a serviço de um poderoso traficante, preparando uma tocaia para mais uma das suas vítimas, e Dênis e Elaine, ele o piloto que trabalha transportando drogas para este traficante, e que acaba se apaixonando por ela, filha de seu patrão.
É uma história de passado e presente. Marçal Aquino brinca de enganar o leitor ao misturar as lembranças dos personagens ao momento presente. Se em determinado momento o autor conta como eles estão preparando a sua tocaia, no instante seguinte já relata algum serviço anterior, que estranhamente lembra muito a situação em que eles se encontram. Utilizando-se muito bem da arte do não contar, Marçal Aquino vai revelando um retalho aqui, outro ali, tudo bem diferente, até que você começa a perceber como eles se encaixam bem. Aliada a este “roteiro sem furos” está a prosa de Aquino, ligeira, violenta, urgente.
Quando comecei a leitura, pensei justamente em literatura policial. O narrador começa apresentando Brito, que na verdade se chama Gildo, mas odeia esse nome, a ponto de ter atirado nos joelhos de um garçom que fez troça dele. Lembrei imediatamente de O Seminarista, de Rubem Fonseca, sobre um matador ex-seminarista, altamente culto e inteligente e que gostava de fazer citações em latim. Um puro exemplar de literatura policial, eu arriscaria. Um bom livro.
Marçal Aquino, em Cabeça a Prêmio, dá um passo adiante, produz literatura tout court. Isso significa que você pode até não ser fã de literatura policial, mas se você gostar de literatura e ler este livro, inevitavelmente você vai admirá-lo.
Demorei um pouco menos de duas horas para ler, incluindo as contínuas interrupções da minha pequena filha, que estava ao meu lado. É um livro para ser devorado assim, de uma só vez. Um verdadeiro petisco literário.
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