Albarus Andreos 04/05/2011Cheiro de peixe.Comecei a ler Sereia (Verus Editora, 2011) sem muito entusiasmo. A capa, com seus reluzentes efeitos holográficos de cor (dependendo da posição em que se olhe, os olhos e o título do livro mudam de cor) não me atraiu, e o título também não.
Foi quando li a sinopse do livro num site de livros online que meu interesse começou. Não gosto muito de histórias de sereias (talvez porque quando li A Pequena Sereia, de Andersen, para meus filhos, tenha achado a história triste demais, ou talvez porque a parte de baixo de uma mulher seja muito importante para mim...). Sereias são monstros muito pouco convincentes: bonitas demais para serem assustadoras, peixes demais para serem realmente bonitas. Se recorrermos à mitologia, veremos que Ulisses tem uma passagem muito breve com estes seres, que entram mudos e saem calados. Não sei... São sufocantes demais (vivem embaixo da água, óbvio), e me lembram Caçadas de Pedrinho, Reino das Águas Claras e coisas de Lobato, mais ligadas ao ciclo infantil da literatura. Sereias são como fadas e mesmo dentre estas duas escolhas eu prefiro as últimas.
Mas o que li na sinopse falava sobre sumiços em uma cidadezinha costeira chamada Winter Harbor, no estado do Maine (e o Maine sempre me lembra Stephen King!), no extremo nordeste dos EUA, onde uma garota perde a irmã num acidente. “Humm, pode ser interessante”, pensei. Sereias + sumiços + Maine = interessante!
A tristeza de Vanessa permeia o início do livro, sua fragilidade desconcertante, sua dificuldade de se relacionar com a mãe e sua solidão e a fobia patológica por tudo que a ameace dão o norte da escritora. Ela aproveita estas características para conduzir Vanessa que resolve retornar ao local onde sua querida irmã Justine morreu para tentar descobrir mais sobre um passado secreto que a irmã escondia até mesmo dela (amores de verão, sua desistência de uma faculdade para a qual aparentemente estava animada e que vivia propalando para todo mundo etc.). Vanessa sente-se magoada por estes segredos da irmã falecida e decide procurar explicações para sua maneira de agir. Junta-se ao amigo de infância Simon, agora um estudante de meteorologia, para procurar pistas que resolvam os enigmas do passado de Justine, mas é procurando pistas sobre amores e amenidades, que Vanessa descobre coisas mais assustadoras que acontecessem em Winter Harbor.
As mortes relacionadas à súbitas tempestades violentas que vem e vão em instantes, foram as mesmas causas da morte de muitos outros turistas e de um acidente que a irmã sofrera no verão anterior – indiretamente o que levou à sua morte, quando ela sai magoada de uma discussão com a família.
A solidão de Vanessa a leva a se empregar como garçonete num restaurante badalado da cidade e é ali onde começa a descobrir coisas estranhas relacionadas a uma das funcionárias. Sente-se sempre incomodada com ela por perto, dores de cabeça fortíssimas aparecem do nada sempre que a vê, e a total antipatia que desperta dão o tom estranho no relacionamento das duas.
A autora Tricia Rayburn enrola um pouco no início do livro, dando a sensação de que a história não engrena. Faz isso mais para tentar incutir no leitor o desequilíbrio emocional e a solidão de Vanessa, as vozes que escuta da irmã morta parecem dizer que a mocinha tem lá alguma coisa mais grave, ou talvez a conexão com a irmã falecida ainda exista (Buuuu!). O livro é, então, mais psicológico que um thriller de ação, mas a autora consegue incutir maior interesse depois das primeiras 60 ou 70 páginas introdutórias.
Há suspense e elementos suficientes para que fiquemos naquela situação de esperar para ver o que acontecerá. Há personagens interessantes, como Zara, a colega do restaurante que parece atrair toda nossa antipatia e seu scrapbook revelador. Há Paige, irmã de Zara, que se torna amiga de Vanessa e “escada” para irmos descobrindo coisas sobre Winter Harbor e o passado dos personagens; há Raina, a mãe que de tão jovem e enigmática levanta suspeitas quanto a sua... humanidade. E há Betty, a avó saída de um filme de terror, que acrescenta elementos de fantasia ao enredo.
Os capítulos começam de forma sempre esquisita, nunca se iniciando onde havíamos parado no anterior. Há uma sensação de confusão por conta disso, mas depois de três ou quatro parágrafos a autora junta as pontas, recapitulando o que aconteceu desde o capítulo anterior para o ponto onde estamos, algo bem criativo. Não posso deixar de revelar que esta sensação de confusão também está em certos trechos que parecem mal traduzidos... Não sei se é exatamente isso, mas numa frase ou outra do livro fico boiando, sem entendê-la. Ter que ler três ou quatro vezes uma mesma frase, pra mim é defeito de redação e me dá a sensação de estar sendo estúpido ou de não estar prestando a devida atenção à leitura. Nenhuma das duas sensações me agrada.
O livro é mal escrito no sentido de que inventa saídas mágicas do nada para situações que começam a se revelar difíceis (o malfadado Deus ex-Machina). Não entendi como que o livro, de uma hora para outra, muda de fantasia para ficção científica, com o aparecimento da tal “bomba de inverno”. A “mocinha” da história não parece sentir qualquer incômodo em dar cabo de “pessoas” que até então viviam no mesmo círculo que ela, mesmo sendo parentes queridas de uma amiga querida. Pontas soltas não são atadas. E isso de a água no sangue das sereias ser substituída por água salgada no dia em que elas “mudam”... Tenha dó! A autora, com suas sereias que fogem do conhecido arquétipo “mulher-de-peitão-com-rabo-de-peixe”, me perdeu como leitor.
Os personagens perdem força com o transcorrer da narrativa. Caleb torna-se um coadjuvante, depois que é reencontrado. Oliver, que poderia ser um diferencial na trama não faz mais nada. Entra de forma interessante e some sem dizer para que veio, a não ser como mais uma escada para a autora contar detalhes de sua história. Sereias, de Tricia Rayburn, é uma coleção de situações mal ajambradas, personagens na maioria, fracos, e soluções tiradas do chapéu (e muitas ficam ao léu, sem explicação). Não gostei. Não recomendo.