Higor 31/08/2019
Sobre precisão histórica para a composição de figuras controversas
Publicado dias depois do anúncio do Nobel de Literatura de 2010 e tido como uma ponte entre os trabalhos de Llosa, ‘O sonho do celta’ é eleito por muitos como o último grande livro dele; os posteriores, ‘O herói discreto’ e ‘Cinco esquinas’ são considerado fiascos diante da grandiosa obra do autor. Outros já apontam este como o primeiro da série de livros fracos de Llosa.
Com grandiosa pesquisa, ‘O sonho do celta’ aborda assuntos que muito conversam com temas atuais: a condição humana, imposições politicas sobre uma sociedade e suas devidas consequências. Sem falar sobre escravidão, tema que assola historicamente o Brasil.
Roger Casement é um irlandês que, como cônsul do Reino Unido, é enviado ao Congo com a missão de investigar o processo de colonização europeia e acompanhar os ditos três C’s: colonização, capitalismo e conversão. O que acontece, no entanto, é o oposto: a violação dos direitos humanos, onde congoleses são vítimas de escravidão, mutilação, tortura, e até morte, sem ninguém para defendê-los.
Contrariado e desiludido com o processo de colonização, Casement passa então a escrever relatórios, onde denuncia as atrocidades no continente africano, para a fúria dos lideres dos Estados. Paralelo a isso, ele luta a favor da independência da Irlanda, seu país, enquanto alimenta escondidos seus anseios homossexuais, em um tempo em que é considerado bestialidade, o que certamente acarretará muitas consequências.
Com um plot rico e até mesmo polêmico, Llosa parecia ter um diamante a ser lapidado em suas mãos, o que seria fácil. Romances históricos são pontos altos da bibliografia do autor, como o incrível ‘A festa do bode’ e o elogiado, porém não lido ainda ‘A guerra do fim do mundo’; mas ‘O sonho do celta’ mais parece uma biografia maçante com enxertos nas partes com imprecisão históricas.
A precisão histórica é muito louvável, afinal, foram muitas as pesquisas e viagens para moldar algo contundente, porém, muitos são os nomes jogados ao leitor, que aparecem uma ou duas vezes, mas que não é dada pelo autor a atenção devida, já que são importantes para a continuidade da história.
No final, o que se tem é uma biografia contundente e cuidadosa, principalmente no que se refere à homossexualidade do autor e a autenticidade dos seus ditos Diários Negros, onde há questionamentos se foram escritos por ele, ou pelo Estado, querendo derrubá-lo.
Longe de ser o pior livro de Llosa, mas que tinha força para estar entre seus melhores, ‘O sonho do celta’ é um livro necessário e esclarecedor sobre o sofrimento africano, a condição humana, a necessidade de imposições desastrosas, e sobre o quanto o individuo luta por seus interesses pessoais, sem olhar para quem está ao lado.
Poucos são os autores que se aprofundam tanto em pesquisas e certeza no que diz respeito a dados históricos, ou se abstém de afirmar algo sem sequer ter um embasamento. Llosa se mostra um grande autor neste livro, se não por trazer uma história acessível, pela qualidade biográfica.
Este livro faz parte do projeto 'Lendo Nobel'. Mais em:
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