fabio.carvalho. 27/08/2016Como me torcei estúpidoAntoine é um jovem francês que está cansado de pensar nas coisas. Ele pensa demais e acredita que essa é a razão de seus problemas porque “a inteligência torna a pessoa infeliz, solitária, pobre, enquanto o disfarce de inteligente oferece a imortalidade efêmera do jornal e a admiração dos que acreditam no que lêem.”
Sendo assim, ele decide que a melhor solução é se tornar alcoólatra já que o álcool ajuda a esquecer coisas. Mas Antoine consegue apenas um coma alcoólico…com meio copo de cerveja. É…no meio de sua empreitada ele descobre que tem uma sensibilidade estranha ao álcool. Lá se vai o plano A.
Então, entra em cena o plano B, suicídio. Claro, porque se você não pode esquecer, estar morto garante que você pelo menos não lembre. No hospital, Antoine tem certeza que quer se suicidar quando experimenta a comida do hospital. (Todos nós já passamos por isso, acho eu…) Ao lado de seu leito está uma moça que o indica um curso de suicídio (ela própria tem como meta de vida se suicidar). Ele vai conhecer o curso e as técnicas para um suicídio bem elaborado e de sucesso.
Ele sai da aula querendo viver mas ainda não sabe o que fazer para esquecer e parar de pensar. Então decide por uma lobotomia e consulta um psicólogo sobre essa possibilidade. O médico receita uma pílula vermelha que, teoricamente, irá transformar Antoine em alguém feliz e sem pensamentos tórridos.
O livro tem um tom ácido e sarcástico no ponto certo. As descrições são originais e engraçadas: tio Joseph e tia Miranda são um casal budista que viajam o mundo de hospital em hospital em crises hipocondríacas e causando acidentes diplomáticos por onde passam; Aslee, melhor amigo de Antoine, é um adulto com problemas mentais que só fala rimado e brilha no escuro, e assim vai.
Além disso, o autor coloca em pauta a questão de ser inteligente em uma sociedade onde isso, muitas vezes, é visto como posar de intelectual: “Os que se interessam demasiadamente pelas coisas, que se interessam até por assuntos que não os interessariam a priori – e que querem compreender as razões do seu desinteresse – pagam o preço disso com certa solidão.” É uma sociedade onde você ou é alienado ou crítico demais como se não houvesse a possibilidade de um meio termo.
A escrita de Martin é leve e seu senso de humor é sutil passando para o leitor o momento certo de rir e relevar o que foi dito como puro sarcasmo. Sua crítica implícita da generalização que todos nós cometemos ao julgar as pessoas é exata para não ser demais e chata. De fato, quanto mais você lê sobre as tentativas desesperadas de Antoine de se tornar estúpido, mais você sente que pensar é visto como um enorme problema em nossa sociedade.
Até aqui, o livro flui lindamente e é promissor, mas aí….ele chega nas vinte páginas finais e a coisa desce a ladeira. Fechar uma história deve ser algo terrível, eu sei. MAS também não precisamos esculachar, não é?! Infelizmente, Page acaba com qualquer possibilidade do livro terminar com nota máxima, o final não tem sentido, é solto, perdido numa história que foi, até aqui, muito bem construída.
A recomendação da leitura se dá mais pela crítica social – que eu esperava que continuasse – do que pela história de Antoine que termina de maneira abobada.
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