Tati 23/12/2020Como eu já era meio estúpido quando me tornei estúpidoAntoine é um rapaz de 25 anos maltratado pelo peso de sua inteligência na sociedade. De fato, todos sempre o reconheceram por ser inteligente, questionador, crítico... Ele é leal aos seus princípios de uma forma que chega a ser carrasca de si e também dos outros. Todavia, ser dessa maneira o priva, em muitos aspectos, de construir relações sociais mais corriqueiras e também de consumir outras promessas mais simples de felicidade.
Determinado a mudar sua forma de viver e buscando solucionar seus problemas a partir de uma reaproximação com os demais membros da sociedade, primeiro tenta encontrar respostas no alcoolismo, para o que descobre não ter talento, e então para o suicídio, para o que se percebe sem motivação. Conclui que o melhor meio seria então tornar-se estúpido, pois não há nada que faça mais sucesso na sociedade do que "parecer inteligente", ao passo que efetivamente sê-lo não lhe trouxe os mesmos louros.
Escrito com um teor sarcástico fenomenal, a construção da história se faz de forma bastante curiosa e cômica. Acompanhamos as respostas já meio estúpidas de um personagem tão demasiadamente inteligente, e, conquanto tenhamos algum grau de identificação com seu isolamento decorrente do simples exercício do pensar em uma sociedade de autômatos, também somos forçados a perceber sua imaturidade e a fragilidade de seu pensamento. Isso torna a narrativa saborosa e, ao mesmo tempo, inusitada, permitindo uma leitura rápida e leve que pode garantir boas risadas.
O defeito, contudo, vem em direção ao arremate da obra. Resoluções drásticas, apressadas, que gritam "deux ex machina", parecem sugerir que o autor perdeu o gosto por construir a própria obra e a finalizou de qualquer jeito. Mesmo assim, ainda se trata de uma leitura fluida que indico sem medo, pois a construção da decisão do personagem quanto a se tornar estúpido talvez não nos seja tão pouco familiar e, em tempos de busca pela autenticidade, quem nunca achou que, de alguma forma, precisava também em certa medida se adequar?
Após a leitura, a questão que fica não é se valeu a pena ler "Como me tornei estúpido", mas sim até que ponto tornar-se estúpido ou mais adequado vale efetivamente a pena.