stsluciano 24/03/2014
Brooklyn foi uma grata surpresa. Não conhecia o autor irlandês Colm Tóibín e hoje me pergunto as razões disso... O que importa é que Brooklyn me trouxe uma boa experiência, que espero conseguir recontar nesta resenha.
Eilis é a filha caçula de uma família irlandesa, e, nos idos dos anos 50, não consegue um bom trabalho em sua cidade natal, Enniscorthy, motivo pelo qual seus irmãos mais velhos já haviam partido em busca de oportunidades de trabalho na Inglaterra, deixando em casa apenas Eilis, sua irmã, Rose, e a mãe, viúva.
No começo do livro vai nos sendo mostrado como a partida dos irmãos afetam o ambiente doméstico, como a saudade e a preocupação se fundem com a ciência de que os meninos fizeram o que era preciso, e pouco se poderia fazer pelo contrário, já que a Irlanda não conseguia prover seus jovens com bons empregos, então não havia outra alternativa. Mas Eilis percebia o sofrimento da mãe, que tentava se mostrar forte, o que fazia com que ela própria sentisse uma necessidade urgente de conseguir um emprego para poder ajudar nas contas de casa.
Ela consegue uma colocação em uma loja da cidade, mas a proprietária tem um gênio extremamente forte, trata a todos com desdém – inclusive alguns clientes que ela considera “sortudos” por terem a oportunidade de comprarem seus produtos – o que faz com que Eilis se sinta descontente e comente isso em casa. O que de certa forma abre espaço para que um padre norte-americano conhecido de sua irmã Rose e que os faz uma visita, lhe ofereça um emprego na América, onde, inclusive, ela poderia estudar para obter uma qualificação melhor, como a de contadora, que é o que deseja – minha colega de profissão!
Acredito que aqui começa a narrativa propriamente dita, com Eilis considerando o que fazer, e presa ao dilema que é o fato de que precisa encontrar um bom emprego ao mesmo tempo que reconhece que não é justo deixar a mãe, que já sente tanto a ausência dos irmãos. Apoiada por Rose ela decide ir, e todos fingem que esta não é uma mudança tão grande.
Rose é uma personagem que ofusca Eilis em muitos momentos. Enquanto sua irmã é uma moça comum, Rose é descrita – e sob a forma como Eilis a vê – uma mulher carismática, que sabe imprimir sua marca e se fazer sentir presente em qualquer lugar onde esteja, de bom coração e um sorriso fácil, mas sincero. Ao partir, Eilis se pergunta se a irmã tinha consciência de que, conseguindo para ela um emprego na América, tinha deixado de lado e aberto mão da possibilidade de se casar, pois alguém teria de cuidar da mãe quando ela ficasse mais velha, e que esse fora um ato de extrema humildade. No decorrer do livro entendemos melhor essa atitude de Rose.
Gostei bastante da forma como foi abordada a rotina de Eilis no Brooklyn, com sua chegada após uma terrível viagem de barco, e sua adaptação em um novo emprego, morando em uma casa de pensão e tendo de encarar uma série de situações e comportamentos que um tanto diferiam do que estava acostumada na Irlanda, como a liberdade sexual – mesmo das mulheres – e a presença de negros conquistando um espaço maior na sociedade, embora todas estas mudanças estivessem ainda sendo vistas com bastante desconfiança por boa parte da população.
Eilis vai trabalhar em um a loja de departamentos, e, enquanto ela se sente bem estando ocupada no trabalho, os momentos em que chega em casa e vai para o seu quarto – que é melhor que a companhia das outras moças da pensão, cada uma pior que a outra em certo aspecto – lhe bate o desespero, a saudade, e a vontade de gritar e desistir de tudo e voltar para casa.
O livro é narrado em terceira pessoa, mas o autor tem uma maneira interessante de nos contar a história de Eilis: ele é econômico, em diversos momentos tem-se a impressão de que ele está mais enumerando fatos que narrando uma história em si, do tipo “ela foi trabalhar, aconteceu isso; ela voltou para a casa, aconteceu aquilo”. Isso não me desagradou de todo – ah, eu prezo a agilidade – mas em alguns momentos senti falta de algo mais elaborado, que se aprofundasse mais em algumas situações.
Como na travessia de Eilis para a América, onde tudo é narrado em poucas páginas, e acredito, que pelo sofrimento, e também para ser justo com as personagens que ela encontra, poderia ter sido mais explorada. Outro bom exemplo é quando o narrador nos informa que ela visitará alguém, mas, no meio do caminho, dá prosseguimento à narrativa do livro e começa a contar outro fato que ocorrera após o encontro, sem tê-lo narrado por completo. Isso dá uma boa quebrada no ritmo em alguns momentos.
Mas no geral gostei bastante: Eilis não fica muito tempo presa ao seu acanhamento e espanto sobre o que acontece, há um mundo novo lá fora, com oportunidades de educação, trabalho e romances. Ela tem de viver e aprender a lidar com todas as situações que lhe surgem, assim como tomar decisões difíceis, fazer escolhas, e lidar com um imprevisto enorme, que faz com que ela tenha que voltar à casa de sua mãe, tendo de decidir após isso se o retorno é temporário ou não.
O livro é curto e a leitura é rápida. O autor sabe como nos manter interessados por sua protagonista, e a narrativa em terceira pessoa nos permite imaginar mais do que se estivéssemos sendo postos a par de tudo por Eilis, apesar dos pequenos estranhamentos pelo caminho. O final é um tanto aberto e previ um cenário bastante inusitado para Eilis. Mal posso esperar para ler algo mais do autor.
site: http://www.pontolivro.com/2014/03/brooklyn-de-colm-toibin-resenha-161.html