Flávia Menezes 02/12/2021
?NÃO VISITE DERRY SE VOCÊ ESTIVER COM PRESSA.?
Verdade seja dita, mas ?It? é um livro para se ler como se lia antigamente. Afinal, são 1.153 páginas de uma história tão rica em detalhes, que ao final, parece que você realmente esteve em Derry, e conheceu aquelas pessoas. Você sabe tudo sobre elas. Sabe como foi a infância delas, e as viu crescer. Então, é como se você também tivesse vivido tudo o que elas viveram.
Minha visita à Derry durou 41 dias, e em um ritmo bem tranquilo, prestando bastante atenção à cada palavra, até porque o exemplar que eu li foi em inglês. Mas como eu disse acima, não é um livro para se ler com pressa. É um livro para se ler como antigamente. Como na década de 1980, período esse em que Stephen King escreveu essa história. Não havia internet, e você não tinha as redes sociais ou as mensagens de Whatsapp para desviar sua atenção. Você só se sentava, colocava os olhos no livro, e esquecia o mundo ao seu redor.
Aproveitar cada momento dessa leitura, te faz perceber o quanto de genialidade existe na escrita do King. É assombroso perceber a riqueza de detalhes da vida de cada personagem, ou sobre a história da cidade. Além disso, a forma como o King passeia entre presente e passado é simplesmente brilhante. Sem contar que os diálogos acontecem com tanta naturalidade, que imagino que o autor deve ter se sentido vivendo realmente cada parte dessa história como se fosse real. E se você gosta de escrever, ou já fez algum curso sobre escrita, tenho certeza de que sabe bem o que eu estou falando. Não é algo simples. Nem todo mundo tem esse dom. E por isso que é assombroso perceber o nível de escrita do King. Ele é simplesmente perfeito!
Ler ?It? é como andar em uma montanha russa. Em um momento, o autor te despertará bons sentimentos, e em outro, é só ladeira abaixo! É eita atrás de eita, como se diz hoje em dia. E essas sensações são tão reais, que ao final, confesso que me senti tão estranha. Era tanto para processar, que cheguei a ficar um pouco quieta no meu cantinho.
Mas se você acredita que tudo se resume ao terror e às cenas tristes, preciso te dizer que existe tanta beleza nessa história, que você nem sequer imagina. Afinal, o que dizer sobre beleza da amizade verdadeira? De ser leal, de ser companheiro, e principalmente, de estar junto, brincando, se divertindo, se ajudando. Tem algo mais gostoso do que isso?
É um sentimento tão puro, e tão bonito quanto o primeiro amor. Se você já passou por essa fase, me diz, você ainda se recorda de como foi? Esse sentimento que você mal consegue compreender, mas que, ao mesmo tempo, é tão intenso, que é quase devocional. Você ama sem precisar sequer tocar. Muitas vezes é até platônico, mas ainda assim é tão bom. E o King descreveu a magia desse primeiro amor com tanta propriedade, que é possível sentir dentro de nós o que cada personagem está experimentando, como se fosse conosco.
É claro que um livro tão longo quanto esse, tão denso e escrito sob a influência de substâncias ilícitas que interferem na forma de pensar, que nem tudo são flores. Há um momento, lá no finalzinho, que acontece uma cena entre a única garota do grupo e os rapazes, que me deixou bastante chocada.
Eu acho que nem foi só choque, eu me senti triste, para ser honesta. Afinal, os personagens nessa fase (e não quero me estender muito para não dar spoiler), tinham apenas 12 anos, e isso me fez sofrer por eles. Não apenas pela Beverly, mas pelos garotos também. E por que não? O que aconteceu com eles também foi cruel. Os meninos também passaram por algo que, por mais bonito que tenha sido descrito, roubou-lhes o que a infância tem de mais precioso: a pureza, a leveza, a inocência! E eu tenho que dizer, torço tanto para que as pessoas não vejam essa parte da história como algo natural!
Mas.... isso é o ?It?. Ele não é só o medo, mas também é tudo o que é medonho, feio, errado, cruel e grotesco. E ver o quanto ele representa tantas coisas ao mesmo tempo, me fez lembrar de outro livro: ?A História Sem Fim?. Claro que muito mais pesado e pavoroso, mas falo da forma como o autor representa algo metaforicamente.
O que mais eu posso dizer? Acredito que nada, a não ser reforçar o que eu disse acima: se você deseja ler esse livro, não tenha pressa. Leia com calma, e sem medo de quanto tempo você vai levar para terminar. O que isso importa? Uma leitura tem que ser importante para você, e não apenas para deixar o seu Skoob recheado de livros lidos. Ler não tem nada a ver com números.
Mas olha, eu preciso te advertir que coisas curiosas acontecem nesse período. Afinal, Pennywise gosta de marcar presença. Então, não se impressione se sair de casa e encontrar um balão vermelho estourado e jogado na sua calçada. Ou se ligar a tevê, e ver alguém usando uma camiseta com a foto do Pennywise numa plateia. É assim que o Pennywise gosta de agir. E tenho que dizer: essa parte foi verdade. Aconteceu comigo. E eu tive que colocar aqui, porque essas coincidências são mesmo muito divertidas. E essa é a beleza de um livro.
De fato, uma leitura sempre mexe com a gente. Então, imagina uma como essa! Por isso, aproveite a jornada, sem pressa. Leve o tempo que precisar. Mas se divirta!