jota 17/09/2013Paranoia judaica?E se em 1940, em vez concederem um terceiro mandato para Roosevelt, os EUA elegessem presidente Charles Lindbergh, o famoso aviador condecorado pela Alemanha hitlerista e que defendia ideias de purificação racial americana?
Os Roth, americanos judeus de Newark, Nova Jersey, atores desta trama ao lado de conhecidos personagens históricos e outros fictícios, com a eleição de Lindbergh começam desde logo se sentindo estrangeiros na própria terra da liberdade.
Não apenas eles, mas outras famílias judaicas, de negros, de imigrantes de várias partes do mundo, etc. E aos poucos, conforme a guerra prossegue na Europa, vamos tendo, em escala bastante reduzida, mas nos moldes do que ocorreu no Velho Continente, a criação de colônias para americanos judeus, perda de empregos, preconceito, perseguição e morte de membros da comunidade judaica, etc.
Nesta ficção distópica (que transcorre no passado, mais ou menos nos moldes do excelente Pátria Amada, de Robert Harris que, no entanto, leva a paranoia nazista bem mais longe), temos não apenas o ambiente político mundial em primeiro plano, mas também as aventuras do próprio autor, o pequeno Philip Roth, e as peripécias por que passam seu pai, a mãe e o irmão mais velho.
Isso compensa, em parte, as escorregadelas que J. M. Coetzee identifica em seu longo artigo sobre o livro. Em Mecanismos Internos, Coetzee destaca alguns problemas que o livro de Roth apresenta por se tratar de um romance realista sobre fatos imaginários: a eleição do simpatizante fascista Lindbergh para a Casa Branca e seu governo durante parte da II Guerra Mundial.
Ele nos mostra que para dar coerência e sequência à trama, Roth vê-se obrigado a alterar a cronologia da guerra e outras coisas mais, que vão comprometer em boa parte a plausibilidade da história que nos conta. Vale a pena uma leitura desse artigo, antes ou depois de ler Complô...
Em certo momento da trama o vizinho Canadá (aliado da Inglaterra e ambos contra a política externa dos EUA, fora da guerra, mas aliados da Alemanha, Japão e Itália), está a ponto de ser atacado pelos EUA, por abrigar judeus americanos “traidores” e colaborar no esforço inglês de debelar o nazismo na Europa. Canadá e EUA são, de longa data, países irmãos, então fica um pouco difícil acreditar nisso, não?
Complô... tem não apenas escorregadelas e drama, mas também momentos muito bem-humorados, protagonizados pelo pequeno Philip e alguns de seus amiguinhos, especialmente o enrolado judeuzinho Seldon e o italianinho de bunda grande, Joey. O que seriam “ratzistas” e “suastiqueiros”? Fácil, não? E assim, também abundam anedotas judaicas, espalhadas ao longo desse longo livro (488 páginas).
Numa delas, o tio de Philip, Monty pergunta ao sobrinho se ele sabe o que é feito com o prepúcio dos judeuzinhos depois da circuncisão. O pequeno responde que não. Então o tio Monty lhe diz: “Pois bem, eles vão guardando, e quando tem bastante prepúcio eles dão tudo pro FBI pra eles fazerem agentes.” Numa outra variação da piada os prepúcios são enviados à Irlanda. Para quê? “Pra eles fazerem padres.” Pois é, lendo e aprendendo. Sempre.
Mesmo com as forçações de barra apontadas pelo Coetzee aqui e ali, penso que apenas uma nota três não demonstraria plenamente o quanto Complô Contra a América me agradou no geral. E mesmo quatro acho pouco, mas injustiça maior os acadêmicos fazem com Roth que ainda não ganhou um merecido Nobel de literatura.
Lido entre 31/08 e 10/09/2013.