Stella F.. 28/01/2022
O leitor e sua história
Uma História da Leitura - Alberto Manguel - Companhia das Letras -2004
Cada leitor usufrui da leitura à sua maneira: alguns leem na cama, outros debaixo de uma árvore, outros sentados em uma mesa, outros em pé no ônibus, mas quase todos com o mesmo objetivo de saber onde a história vai dar, se vai haver emoção, intriga, lágrimas, traição, superação. Ficamos empolgados, zangados, com raiva, sentimos empatia e amamos ou detestamos alguns personagens. Mas esse é o prazer da leitura, nos envolvermos com cada personagem que surge, torcendo por ele ou o julgando.
Citando Aristóteles, Virgílio, são Domingos, Jorge Luís Borges, o autor vai nos apresentar a sua história da leitura, que começou aos quatro anos quando descobriu que podia ler. “Aprender a ler foi meu rito de passagem.” (posição 117)
E como o assunto é extenso, deu ênfase a alguns tópicos em detrimento de outros. Tópicos muito bem escolhidos e trabalhados, com embasamento teórico, histórico e curiosidades. Já na introdução sabemos da sua experiência com Borges, em que passou um tempo lendo para o autor, sendo “seus olhos” que já não enxergavam. E dá uma pincelada no que vamos ver ao longo do livro: leitura como privacidade, como viagem para outros mundos, como conhecimento e como essencial, além de assustadora em governos totalitários, e como inveja para alguns que pressupõem que a leitura pode nos tornar “superiores”.
Como se dá a leitura? Quais são os órgãos utilizados? E os sentimentos? Depois de muitos séculos de estudos e muitas descobertas, ainda assim temos dúvidas sobre todo o processo de leitura. “Misteriosamente, continuamos a ler sem uma definição satisfatória do que estamos fazendo.” (posição 593)
Vamos passear pela leitura em voz alta, depois pela leitura silenciosa, pelas grandes bibliotecas, e aos poucos a leitura torna-se privada, fazendo com que o leitor, principalmente as mulheres, possam escolher o que ler, como ler, onde ler. Mas se passam séculos e ocorrem muitas transformações antes. “Na verdade, ele [Santo Agostinho] estava vendo uma multidão de leitores silenciosos que ao longo dos séculos seguintes iria incluir Lutero, Calvino, Emerson e nós que o lemos hoje.” (posição 824)
Memória; aprendizado; leitura bíblica e suas transformações ao longo dos séculos; pinturas em paredes e depois transferidas para vitrais; impressão de imagens em livros, livros em atris da igreja para o povo iletrado entender o sentido da celebração; leitura ouvida como instituição em Cuba, tornando-se comum ao longo dos séculos, inclusive leituras públicas realizadas por escritores, que sentiam o termômetro de sua obra recém escrita; os diferentes formatos dos livros e seus materiais como pergaminho, argila, velino, até os dias atuais, e o surgimento da impressão, que modificou toda a maneira de produzir e ler livros. Surgimento de livreiros e o livro como posse, podendo ser deixado como herança, sendo um patrimônio para poucos por muito tempo, o que levou a um surgimento maior de bibliotecas nas casas de família. Leituras na intimidade e a intuição de que cada livro a ser lido pede um tipo de ambiente, e a cama terá uma função social, quanto mais bonita e adornada, mais será utilizada para leituras, podendo até ser partilhada com outros leitores ao mesmo tempo. Vai tratar também do livro como metáfora, onde nós leitores saboreamos um livro, ruminamos um texto, e há quase uma simbiose entre livro e leitor, um entrelaçamento. Vamos conhecer a evolução da escrita e o papel fundamental do escriba; sabemos um pouco da Biblioteca de Alexandria, e dos muitos modos de organização de bibliotecas; profecias e leitura única da Bíblia; produção de literatura intramuros, já que é proibido a mulheres lerem alguns livros, elas passam a produzi-los; livros confiscados e queimados pela Revolução Francesa e um importante bibliófilo que roubava livros; leituras públicas e traduções. Ao final vai falar dos óculos, sinônimo de intelectualidade e muitas vezes visto com preconceito como se quem os usasse fosse arrogante, e como aos poucos os óculos vão entrar nas imagens como símbolo de sabedoria.
Manguel vai nos falar de Santo Agostinho (Introdução), Borges (Introdução), Colette (Leitura na Intimidade), Kafka (A Primeira Página Ausente), Dickens (O autor como Leitor) e Rilke (O Tradutor como Leitor), entre outros. Histórias importantes ligadas a determinados assuntos tratados, principalmente a seus papéis como leitor.
Recomendo! Livro maravilhoso, em linguagem acessível e bastante didática.