spoiler visualizarAnaluz 27/05/2021
Quando Alan Moore idealizou e publicou "The Killing Joke" pela DC Comics, em 1988 (trazido para o Brasil com o título "A Piada Mortal"), não fazia parte de seus planos que este material seria canônico. E foi justamente isso que possibilitou que o autor tomasse decisões tão ousadas na construção deste quadrinho, divergindo da linha de pensamento dos roteiristas da cronologia oficial do Batman até então.
Aqui, temos a possibilidade de presenciar a origem do principal vilão do Batman na forma de um comediante fracassado, que, de certa forma, lembra aquele Coringa interpretado por Joaquin Phoenix no filme de Todd Phillips. Mas, diferentemente do atormentado Arthur Fleck que conhecemos na película, o quadrinho nos mostra um homem que se vê coagido a cometer um crime, devido a sua situação financeira desastrosa. Porém, todo o esquema em que este se encontra envolvido dá errado e ocorre um acidente, que tem como consequência a criação do vilão mais psicopata de Gotham. Mas tudo isto não passa de um dia ruim na vida do personagem, consistindo na soma de uma tragédia familiar + uma situação financeira complicada + um acidente com compostos químicos, o que nos leva ao argumento principal apresentado pelo antagonista: o de que basta um dia ruim na vida de qualquer um para que esta pessoa se torne insana, tal qual ocorreu com ele mesmo. Assim, pautado neste fundamento, Coringa decide raptar um cidadão de Gotham para provar seu ponto, e quem melhor do que a pessoa mais justa que se tem conhecimento na cidade que não o comissário Gordon?
Após sua publicação, o quadrinho obteve tanto sucesso que a DC não pestanejou ao incluí-lo como cânone do arco do Batman, contrariando o esperado por Alan Moore. Assim, uma de suas escolhas mais ousadas (o ataque a Barbara, no qual a coitada é baleada, despida e fotografada para que seu pai visse o ataque através destes registros e enlouquecesse) foi definitivo para a mudança da personagem e sua conversão em uma nova identidade secreta nos quadrinhos posteriores. Ou seja, "The Killing Joke" foi o marco para a aposentadoria da Batgirl e o surgimento da Oráculo.
Outra escolha ousada do roteirista consiste na última página do volume, na qual o título se explica e nos leva a questionamentos sobre um suposto assassinato. Neste quadrinho, é possível perceber um Batman preocupado com seu relacionamento com o vilão ao constatar que a morte de um deles será inevitável em algum momento. Assim, o volume se inicia e se encerra com o mesmo pensamento, o qual dá margem para interpretações acerca da tal piada mortal, contada no fim da história.
Enquanto "The Killing Joke" se tratava de um material não-canônico a princípio, esta finalização dos personagens, ainda que sutil, fazia-se óbvia para meios-entendedores. Mas, a partir do momento em que a obra passou a ser uma das histórias oficias do homem-morcego, é lógico que o desfecho precisou ser desconsiderado, para que assim se desse continuidade aos personagens envolvidos.
Um outro bom ponto levantado e que faz o leitor refletir acerca da história se refere ao próprio passado do Batman, afinal, ele mesmo teve o seu dia ruim ao presenciar o assassinato de seus pais. Então seria a decisão de se vestir de morcego e de combater crimes um resultado de sua própria loucura, decorrente deste dia ruim? Ou teria ele encontrado uma forma de canalizar tal condição? Ou talvez, diferentemente do Coringa, este sofrimento não foi efetivo no encaminhamento de Bruce em direção à Insanidade? Tais perguntas não apresentam uma resolução óbvia, levando o leitor a considerá-las durante a leitura.
Outra prova de que as ousadias, até então inimaginadas, se tornaram canônicas é que, após a publicação de "The Killing Joke", não houve tentativas de remontar a origem do Coringa no universo dos quadrinhos. Já os filmes, por se tratarem de uma mídia diferente, buscaram, à sua maneira, apresentar uma origem para este personagem tão icônico. E, ainda assim, é possível perceber a clara influência de Moore nas adaptações, seja com um Jack Nicholson que cai em um tonel de compostos químicos ou com um Joaquin Phoenix que é um comediante fracassado.
Graças a sua ousadia, "The Killing Joke" se tornou um dos quadrinhos mais célebres do Batman, tornando-se item essencial para quem quiser conhecer as histórias do homem-morcego e sua relação conturbada com o Coringa!
site: https://youtube.com/c/AnaluzMarinho