spoiler visualizarVitor.Borges 01/07/2019
A culpa é dos vestibulares!
“Por que (não) ensinar gramática na escola” é uma obra que trata do ensino de português na educação básica. É voltado para professores de língua portuguesa ou pessoas interessadas em exercer a profissão no futuro, assim como estudantes de Letras, ainda que seja uma leitura enriquecedora, também, para quem não é da área.
Seu autor, Sírio Possenti, é um dos mais respeitados linguistas da atualidade e professor aposentado do Instituto de Estudos da Linguagem da UNICAMP. Publicou este livro em 1996, quando era presidente do Grupo de Estudos Linguísticos do Estado de São Paulo.
Como é explicado na contracapa, o livro é dividido em duas partes, sendo a primeira voltada para “questões fundamentais relativas à natureza e ao aprendizado das línguas” e a segunda voltada para a exposição e exemplificação dos “conceitos de gramática normativa, descritiva e internalizada”.
Cada parte é composta por pequenos capítulos encadeados de maneira a organizar o discurso sem que se perca a linha lógica entre eles, ou seja, os capítulos, embora possam ser lidos de forma independentes, complementam informações dos anteriores, o que é um ponto positivo para a obra.
Possenti, assim como Irandé Antunes, em “Muito além da gramática”, critica o modelo tradicional de ensino da língua portuguesa nas escolas de educação básica (inclusive, no livro de Antunes, existe uma enorme citação a esta obra de Possenti na contracapa). Para ele, o ensino de gramática não deveria seguir uma receita de bolo, e sim ser construído em comunidade entre os alunos e o professor através da leitura e escrita de textos, assim como se aprende a falar através da escuta e reprodução das palavras.
Um questionamento interessante que o autor faz acerca do ensino tradicional, é o de se tirar pontos a cada erro e o de não dar pontos a cada acerto, pois em uma construção onde um “erro” nos salta aos olhos, é possível identificar uma infinidade de outros acertos que acabam sendo ignorados. Outro ponto interessante é quando o autor nos diz que “não existem línguas imutáveis” (que inclusive dá título a um dos capítulos da primeira parte), evidenciando a importância das variedades linguísticas dentro de um mesmo idioma como objeto, inclusive, de futuras alterações na língua.
Segundo o autor, as gramáticas só apareceram depois de já existirem escritores na Grécia, ou seja, ela veio como uma forma de fazer os novos leitores entenderem os antigos escritores, dadas as alterações na língua que podiam fazer com que construções de épocas anteriores não fossem mais usuais. A lógica se inverteu, e hoje temos uma supervalorização da gramática tradicional como regra, não mais como aparato histórico para que seja possível aprender e desenvolver construções atuais, mas como regra de construções onde novos escritores devem obedecer a formas antigas, ainda que tais normas já tenham entrado em desuso.
As propostas feitas por Possenti em 1996 para o ensino de Português ainda caminham a passos lentos, quase parando, e embora seja possível observar uma evolução desde quando o livro foi escrito para os dias de hoje, existe ainda um longo caminho pela frente. Algumas escolas, como o Colégio Pedro II, por exemplo, já dedicam grande parte do seu tempo para o ensino voltado às produções de escrita e leitura dos alunos, como em oficinas organizadas na escola, onde os próprios alunos produzem os textos que são lidos e avaliados por outros alunos, estimulando, assim, o protagonismo dos mesmos na instituição, mas isso representa uma pequena parcela do total de escolas a serem alcançadas e fica evidente quando, ao olharmos a grade horária delas, enxergamos uma separação entre português e literatura e, em alguns casos, redação, também como disciplina.
A aplicação dos conceitos parece bastante simples, mas existe uma pressão social em formar alunos aptos a serem aprovados em vestibulares, principalmente o ENEM, e concursos em geral que dificulta sua implantação, ainda que Possenti também nos apresente um argumento a respeito disso. Temos uma valorização de instituições escolares, sobretudo particulares, de acordo com quantos de seus alunos foram aprovados em determinado vestibular e, ainda, em qual colocação. E embora instituições públicas não participem da disputa de mercado, existe uma pressão por parte dos familiares dos estudantes e também dos próprios alunos por um ensino que lhe permita competir de igual pra igual com o grupo mais abastado financeiramente e com condições de pagar o ensino privado.
A redação do ENEM, por exemplo, norteia o ensino da produção textual nas aulas de Português, já que o professor acaba sendo obrigado pela instituição de ensino a reservar um precioso tempo de sua disciplina para ensinar fórmulas prontas de como escrever uma redação nota 1000, indicando o uso exagerado de conectivos e dando, inclusive, uma lista de citações genéricas que possam agradar a banca avaliadora e que se encaixam nos mais variados temas que possam ser cobrados, o que faz com que essa redação seja feita apenas para o próprio professor ler e corrigir objetivamente, fazendo uma espécie de checklist, onde se ganha mais ponto de acordo com quantas das regras foram obedecidas, sem nenhuma interlocução ou preocupação com o conteúdo que o aluno escreve.
A solução para este caso está em uma mudança nos meios de avaliação em vestibulares, o que permitiria uma implantação mais consolidada da proposta de ensino de Possenti, sem que, para isso, os professores precisem enfrentar questionamentos e acusações por parte de familiares e alunos por seu modo de construir o aprendizado de forma coletiva. No futuro, esse modo de ensino traria mais resultados do que o que é usado nos dias de hoje, fazendo com que, inclusive, provas de vestibulares da época atual pareçam infinitamente mais fáceis.
Portanto, é um livro que levanta questões superatuais, embora tenha sido escrito nos anos 90, e permite uma discussão muito enriquecedora em prol do desenvolvimento, atualização e, sobretudo, melhora do ensino de Português nas escolas de ensino básico.