Rodrigo Gomes Vianna 04/06/2022
Uma breve resenha
Aprendendo a viver – Sêneca
• Introdução: história de Sêneca
- Nasceu no período imediatamente posterior ao nascimento de Cristo, em Córdoba, na Espanha
- Foi educado em Roma, tornando-se advogado e, em pouco tempo, ascendendo politicamente, passou a ocupar cargos no senado romano e como questor
- Sua ascensão política levou-o a ter conflitos com o Imperador Calígula, tendo este morrido antes que pudesse agir contra Sêneca. Em 41 d.C., foi desterrado para Córsega sob a acusação de adultério. Viveu cerca de 10 anos sob grande privação material
- Escreveu Consolationes, 3 volumes filosóficos em que expõe a doutrina estoica de centralização interna do mundo – busca da tranquilidade da alma por meio da busca pelo verdadeiro conhecimento e da contemplação
- Após uma sucessão de Imperadores, tornou-se tutor de Nero em 50 d.C.
- Sêneca deixou a vida pública em 62 d.C., tendo escrito várias obras como Naturales quaestiones, De tranquillitate animi, De vida beata, Sobre a brevidade da vida e Espitolae Morales (escritas entre 63 d.C. e 65 d.C.).
- Acusado de uma revolta política, recebeu a pena de auto suicídio dada por Nero em 65 d.C. – executou a pena com grande tranquilidade
• Texto: epístola
- Epístola é um conjunto de cartas, textos datados e escritos por um indivíduo ou em nome de um grupo, com o objetivo de serem recebidas por um destinatário
• Pontos principais
- Sêneca mostra sua filosofia estoica tendo como pilares fundamentais a ataraxia, a busca pelo conhecimento, o ceticismo, um hedonismo contemplativo e abdicação dos bens materiais como meio para alcançar a verdadeira felicidade / estado de espírito ideal.
O estoicismo faz com que o centro de gravidade do universo seja a consciência interior do indivíduo, sendo seu equilíbrio desvinculado de qualquer fator externo como dinheiro, ocupações profissionais, decepções da vida, felicidades passageiras, fama etc.
A partir da valorização do indivíduo como centro do universo, a proposta de Sêneca é atingir o equilíbrio, o bem-estar, o autoconhecimento e o domínio de si mesmo diante das mais diversas adversidades da vida (seja da perda de uma grande quantidade de dinheiro ou até mesmo a perda de um ente familiar querido). O ser humano feliz é, portanto, aquele que tem autocontrole de si mesmo e conheci a si mesmo independentemente de qualquer situação que possa viver.
“Tanto as feras quanto os peixes deixam-se apanhar por alguma esperança tola. Pensas que essas coisas são presentes do destino? São ciladas. Qualquer um que queira ter uma vida segura deve evitar o mais possível essas armadilhas que nos traem e nos tornam infelizes.” (p. 18).
“Segue, pois, esta sã e salutar forma de vida: concede ao corpo apenas o que for suficiente para um bom estado de saúde.
...
Não importa se foi construída com taipa ou com mármore importado: saiba que um teto de palha abriga o homem tão bem quanto o de outro. Despreza tudo o que um trabalho supérfluo estabelece como enfeite e requinte; pensa que nada é extraordinário a não ser a alma e que, para uma alma grande, nada é grande.” (p. 18).
“Consagra-te à filosofia se desejas ser verdadeiramente livre.” (p. 18).
“Poucos são presos pela servidão, muitos se deixam prender por ela... Se tens a intenção de deixa-la, se desejas de boa-fé a liberdade, e para isso esperar um único chamado, para viver sem uma perpétua preocupação, poderás contar com toda a aprovação dos estoicos? Todos, Zenão e Crisipo, te exortam a uma vida moderada e honesta.”
Sêneca abdica de tudo que é externo ao seu ser interior, inclusive seus familiares, amigos, bens e desejos, de maneira que tem como fim "supremo" o cultivo do conhecimento.
“O que é, pois, bom? A ciência das coisas. O que é mau? A ignorância acerca das coisas.” (p. 33).
“Os teus pais desejaram para ti outras coisas, mas eu, contra todos, desejo que tu desprezes todos esses bens que eles te desejaram em abundância... Escolho para ti o domínio sobre ti mesmo, e que a tua mente, agitada por vagos pensamentos, se afirme e se torne convicta, de modo que encontra prazer em si mesma e conheça os bens verdadeiros...” (p. 37).
“Desejo que nosso espírito faça o mesmo. Que seja rico de conhecimentos, de preceitos, de exemplos tomados de épocas diferentes, mas que aspirem à unidade.... Deixa de lado essas coisas atrás das quais os homens correm. Deixa as riquezas, perigo e fardo para aqueles que as possuem. Renuncia aos prazeres do corpo e da alma; eles amolecem e debilitam. Renuncia à ambição, coisa vã e pomposa, que não tem limite nem freio, procurando sempre ultrapassar os que caminham à frente ou ao lado, atormentada pela dupla inveja. Sabes bem como é ruim invejar e ser invejado... O melhor é dirigir-te para a sabedoria, onde encontrarás, ao mesmo tempo, tranquilidade e grandes possibilidades de crescimento.” (p. 83).
“Apoia-se em bases frágeis quem faz sua felicidade depender de elementos externos. Toda alegria que assim surge logo se vai; no entanto, aquela que vem do interior é firme e sólida. Ela cresce e nos acompanha até o fim.”
Há a valorização da autonomia do indivíduo numa relação conflituosa entre autonomia e heteronomia, de maneira que a ideia de domínio de si perpassa pela “necessidade de abdicar das necessidades”, uma vez que
“O sábio não faz nada contra a sua própria vontade. Foge da necessidade, porque ela o obriga a fazer aquilo que ela quer.”
Logo, numa visão ética, assim como Kant, Sêneca também valoriza a autodeterminação do indivíduo pautada por uma conduta vinculada à autonomia frente às imposições da vida cotidiana marcada pela heteronomia.
“Assim, diremos ao destino: “Estás tratando com um homem. Procura em outro lugar alguém a quem dominar.””
O hedonismo de Sêneca é pautado por uma vertente hedonista contemplativa, em que valoriza o presente, mas contempla e tira lições do passado, tendo uma breve visão do futuro. Sua postura diante da vida mostra a valorização de fatores naturais que a permeiam, como a morte, os fracassos e as alegrias, afirmando que muitas dessas coisas são passageiras e que há, muitas vezes, um caminho natural das coisas. Mais do que isso, o ócio do estoicismo é pautado pela busca do crescimento intelectual e “espiritual” do indivíduo, superando as paixões e cultivando experiências.
““Mas ele não viveu o número de anos que poderia ter vivido.” Um número reduzido de linhas pode formar um livro, apreciável e útil.”
“Queres saber qual é a vida mais longa? Aquela que tem seu fim na saberia. Chegar a esse ponto é atingir o fim mais longínquo e também mais elevado.”
Indo ao extremo, afirma que a morte desejável é aquela em que o homem, mesmo perante a morte, tenha controle do que está ocorrendo (Sêneca acatou o pedido de auto suicídio de Nero “com tranquilidade”). A morte desejável, portanto, seria aquela sem dor e rápida em que o indivíduo opta por tirar sua própria vida ou retira do poder do outro a capacidade de provocar a sua morte, mostrando uma superioridade em relação ao meio. Logo, diante da heteronomia, Sêneca dá preferência à autonomia individual e chega até mesmo a escolher sua própria morte ao invés de uma situação de servidão voluntária.
“Faço isso de modo que cada dia seja para mim a vida toda; e, pelos deuses, não me apego a ele como se fosse o último, mas o contemplo como se pudesse também ser o último.” (p. 52).
“O fim à dor - se a vontade não pôs, o tempo porá.” (p. 57).
“Não deves deixar para outros essa decisão que não pertence à opinião pública. Pensa uma só coisa: fugir o mais rápido possível dos golpes da sorte. De todo modo, sempre haverá quem pense mal da tua decisão.” (p. 66).
“Nada impede a morte, só a falta de vontade... Deve-se preferir a mais imunda morte à mais limpa servidão.” (p. 68).
“Aquele homem que não apenas ordena a si mesmo a morte, mas a realiza, é de valor.” (p. 69).
“Primeiro, livra-te do medo da morte, pois ela nos impõe o seu julgo, e, depois, deves perder o medo da pobreza ...” (p. 79).