Pandora 30/05/2020Katharina Blum é uma moça discreta e batalhadora que um dia se envolve com um homem procurado pela polícia e vê, de um dia pro outro, seu mundo ruir, pelas ações da polícia e da imprensa.
Ela trabalha como doméstica, é responsável e organizada, boa com cálculos e muito inteligente. É muito querida por seus patrões, que, inclusive, ajudam com o financiamento de seu apartamento próprio. Até que na quarta-feira anterior ao Weiberfastnacht - um tradicional festejo ocorrido na quinta-feira que antecede o carnaval alemão - ela vai a uma festa na casa da madrinha, onde conhece Ludwig Gottën e sua vida vira de cabeça pra baixo.
A narrativa é feita em tom de investigação, com apresentação de fatos, testemunhas, depoimentos à polícia e publicações de um veículo da imprensa denominado simplesmente JORNAL, que faz de tudo para impingir a Katharina uma culpabilidade que simplesmente não existe. Seu passado é investigado, sua casa vasculhada, seus amigos interrogados e sua imagem é deturpada a ponto de provocar na moça reações inesperadas.
O próprio Böll foi rotulado como ‘mentor intelectual do terrorismo’ pelo jornal Bild ao criticar uma matéria em que, sem provas, o jornal acusava o grupo de extrema esquerda RAF (Fração do Exército Vermelho) de um assalto a banco. Ao defender em um artigo ‘a manutenção de garantias fundamentais do estado de direito, como a presunção de inocência e integridade da pessoa’, uma grande polêmica se instaurou: de um lado, com o ataque a Böll por veículos de comunicação e políticos conservadores, em especial do partido da União Cristã Democrática; do outro, por meio de manifestos assinados por figuras públicas a favor do escritor e da liberdade de pensamento. Böll foi investigado pela polícia, teve sua casa revistada e sua briga jurídica com o Bild durou quase uma década.
Em tempo de tantas fake news, um livro mais do que atual para discutirmos a Liberdade de Imprensa e a Responsabilidade Ética na divulgação de fatos e no perigo de pré-julgamentos.
Lembro da lamentável e triste história da Escola Base, em São Paulo, quando os donos e outras pessoas ligadas ao colégio foram acusados de abuso sexual infantil por duas mães de alunos, o que desencadeou um espetáculo midiático que arrasou a reputação dos envolvidos. Que, enfim chegou-se à conclusão, eram inocentes. Mas aí o mal já estava feito, não é?