Rascunho com Café 29/01/2015
O misto ousado de violência, sexo e cultura pop que deu certo
“Espíritos de Gelo” é um livro fino, daqueles que se lê na fila de espera do consultório médico (tá, nem tanto, mas ainda é uma leitura rápida), com letras grandes e capítulos curtos e fluidos. Os capítulos são divididos em uma espécie de POVs (Point of View = Ponto de Vista), mas que, ao invés de serem voltados às personagens, é alternado em ambientes, dependendo de onde a narrativa do personagem está.
O texto é narrado em primeira pessoa em que o personagem, que não tem seu nome divulgado, relata aos seus algozes toda a sua vida até sua chegada ali, ao cárcere. Contudo, o personagem não se lembra dos detalhes, devido ao choque traumático que os eventos lhe proporcionaram, e como forma de fazê-lo trazer à tona suas memórias, seus raptores o induzem a torturas extremas, tais como eletrochoque, quebras de ossos e espancamentos com bastões de baseball, a fim de fazê-lo revelar suas memórias reprimidas, ao criar novos traumas.
Já no início do livro, Draccon dedica o livro a Stephen King, algo que já é o suficiente para por minhas expectativas no alto, e, acreditem ou não, a decepção não veio. Pelo contrário, Draccon me surpreendeu com um livro inusitado, que mescla sexo explícito com religião, violência e amor incondicional. Parece loucura, mas eu achei que a mistura deu super certo, e inclusive lembra bastante a linha lógica (parcialmente ilógica) dos contos de King.
Esse não é um livro para pessoas com mente condicionada, especialmente por religião e conservadorismo. De conservador, Espíritos de Gelo não tem nada. É preciso estar aberto ao que esse livro traz.
Apesar do clima “pesado” que envolve a trama, a narrativa é descontraída e engraçada, Draccon diversas vezes usa símbolos da cultura pop como parâmetros comparativos que o personagem faz, seja com as tragédias que o envolvem, ou até mesmo tirando sarro de seus algozes. No decorrer da leitura é possível se deparar como o Sandman, de Neil Gaiman, com os irmãos Winchester, da série televisiva Supernatural, além de inúmeras discussões sobre rock, metalcore e satanismo, envolvendo os Beatles, a banda Kiss e até Alice Cooper.
Espíritos de Gelo é um prato cheio, e ganha pontos especialmente por ser curto e sucinto. A história é contada sem a necessidade de mergulhos muito profundos, e, como disse, é perfeita para uma leitura rápida e pouco complexa. O estilo não lembra muito ao do Stephen King, a qual Draccon dedica o livro, até que chega ao final, mas o desfecho do livro não podia ser mais surreal e o mais “King” possível. Sabe aquele final meio maluco, sem ser bem fechado, mas que não decepciona? Esse é o final de Espíritos de Gelo.
Outro ponto em que levei um pouco de tempo refletindo, foi sobre a relação do título do livro com a narrativa. A princípio eu não vi nenhuma ligação, mas então percebi que os “Espíritos de gelo” tratam das pessoas que forçam o suficiente para serem frias e cruéis, tais como os algozes do personagem.
Em determinado momento, as comparações que Draccon utiliza entre a trama e a cultura pop deixam de ser novidades e passam a ser um tanto forçadas, além de outras coisinhas relacionadas a narrativa, mas são apenas artifícios, que eu, que também escrevo, não curto muito usar. Mas preciso dizer que a fórmula de Espíritos de Gelo funciona, e funciona muito bem.
É como um bate papo casual entre você e o personagem, tão rápida e informal quanto deve ser, além de ser íntima, e em muitos momentos divertidíssima.
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